21.2.09

Aquelas pessoas

«O casamento prevê direitos e deveres entre cônjuges, a união de facto não parte do pressuposto de que há um conjunto de deveres entre aquelas pessoas.»  Maria do Rosário Carneiro, DN 21.02.2009

Para além da eventual lacuna da lei apontada pela deputada, há no enunciado um deíctico espacial que me deixa perplexo: “aquelas pessoas”. A deputada, de uma assentada, delimita dois territórios: o seu (dos seus) e um outro, colocado à distância, o de outras pessoas. O primeiro é o espaço da doutrina cristã, redentora; o outro é o espaço da infidelidade ou da heresia.

No essencial, a deputada, expressão de um sistema de valores eleito, tem dificuldade em interpretar os princípios que deveriam reger o socialismo democrático: liberdade, igualdade e fraternidade.

Nesta matéria, a diferença de paradigma tem origem no preconceito.

19.2.09

A maldade e a ironia

Ao contrário da ironia, e que eu saiba, ainda ninguém definiu a maldade como uma figura de estilo. Da ironia, diz-se que ela exige conhecimento do contexto conversacional (discursivo) e cria cumplicidade, apesar de nem sempre demonstrar apego à acção ou, se quisermos, capacidade de meter as mãos no lodo…

Da maldade, a retórica pouco ou nada nos diz… o que não me impede de acordar a pensar naqueles que malham publicamente no ministro e em privado lhe lambem sorrateiramente as feridas…

15.2.09

Em 1993…

O Pecado de Sofia, de Fonseca Lobo, prende o leitor. Parece a versão feminina do Frei Luís de Sousa, sem o peso do sebastianismo. De certo modo, Almeida Garrett poderia ter baptizado o drama de O Pecado de Madalena, se não fosse a sua obsessão em libertar Portugal do jugo estrangeiro.

Fonseca Lobo recorre ao medo, à superstição, à maldição, aos dias fatídicos, ao mistério e à vítima angélica (Marília), preferindo, no entanto, o suicídio de Sofia à redenção… Quanto a Deus, este deixou de ser chamado e… o drama progressivamente encontra um desfecho simpático: a mãe que amaldiçoara as filhas, nascidas de um ventre que só gerara fêmeas, enlouquece; a filha, Sofia, que se deixara mover por um impulso amoroso e fatídico, suicida-se. Tudo em dois actos e um poço…

Em 1993, nada acontecia em Portugal. A crise não passava de uma questão de família!

De forma anódina…

O jornal Público promove um concurso de jornais escolares subordinado ao mote: Porque é que a política também é para nós? A iniciativa é digna de louvor, mas…

Ontem, anunciaram-nos, de forma anódina, que cada português deve 150 milhões de euros ao estrangeiro. Perante a enormidade da dívida, pensei, amanhã, o número de suicídios terá aumentado assustadoramente. É desta que o país desaparece! Mas não, hoje, Domingo, dia de descanso, tudo se mantém na mesma pasmaceira.

O que me trouxe à memória aquele(a) aluno(a) que, há uns meses, perante a dificuldade em interpretar os referentes históricos presentes num conto de Manuel Alegre, exclamou: – «se eu soubesse que o homem era político, não o  tinha escolhido como leitura

De facto, a política mediática tem afastado a juventude da causa pública; creio mesmo que nem os 150 milhões de dívida pessoal faz pensar…

Afinal, será que ainda nos sentimos filhos de uma nação?

12.2.09

A lição de Simônides de Céos

(Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira)

Sendo homem, não digas nunca o que acontece amanhã. E, se vires alguém feliz, quanto tempo o será. Rápida como o volver de asas de uma mosca, Assim é a mudança da fortuna.

Mais vale não esperar pelo amanhã. / Acreditar no amanhã é perder o dia de hoje. / Os adiados dias são desperdício inexorável./

Sentados / dedilhando /entediados / anseiam pelo amanhã / matam a Hora.

Apetece deixá-los /enredados /na desmedida…

10.2.09

Em tempo de anacronismos…

Há no ar uma enorme mistificação. À maneira romântica, constrói-se o anacronismo: depois do Salazar asceta, o Salazar libertino!

Vira-se o tempo do avesso e gera-se um Salazar ao gosto da nova plebe. Pra quê? Não deve ser só para captar receitas publicitárias!

A austeridade, o rigor, a sobriedade e a solidão do seminarista  dão lugar a um homem novo – mulherengo, intriguista e fútil…

A misoginia do ditador é substituída pela delinquência do homem medíocre…

Quem escreve o guião sabe bem a quem aproveita o anacronismo…

Ao desrespeito, à calúnia e à mentira…

7.2.09

Dá vontade de meter o malho no Santos Silva.

Num cuteleiro, de avental ao torno, / Um forjador maneja um malho, rubramente.” Cesário Verde, Sentimento dum Ocidental

Queria o Cesário explicar que malhar (o ferro, os cereais) é uma actividade produtiva, ao contrário, por exemplo, de uma certa sociologia de pacote que nos tem sido impingida desde o 25 de Abril, quando me entrou pela casa dentro um malhador, de mangual sonoro, a querer malhar em toda a gente, à sua direita e à sua esquerda…

Um malhador ministro!

Um malhador ex-ministro da Educação, ex-ministro da Cultura de que ninguém conhece obra.

Resta-me tentar convencer os meus alunos que um forjador é mais útil à Nação que um malhador letrado!

A talho de foice plebeia, confesso que nunca suportei as teses do académico Santos Silva: faltava-lhes conhecer o malho, isto é, lê-las era o mesmo que malhar em ferro frio!