15.5.12

O rei de Argos

O Dia é da Latinidade, o Dia Internacional dos Museus!
Na praça central do Museu de S. Miguel de Odrinhas, o espaço Ágora – local de eleição do Mundo Antigo – o Grupo de Teatro Thíasos do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra representou, hoje, “As Suplicantes”, de Ésquilo. O público, maioritariamente escolar, enfrentou um inimigo para o qual não estava preparado – o Sol intenso. Tal como As Suplicantes, uma boa parte dos jovens encetou uma fuga que acabou por os distrair da representação e, também, de certo modo, desconcentrar os atores. Claro que os jovens não fugiram para Argos nem compreenderam por que motivo As suplicantes recusavam casar com os primos, filhos de Egito, irmão de Danao.
De qualquer modo, esta viagem à obra de Ésquilo permitiu-me confirmar as sábias palavras de Jorge Silva Melo (Ésquilo, Teatro Completo, editorial estampa, 1975): «Este livro não é bem um livro: é apenas uma ruína.» Palavras que poderemos aplicar à Grécia atual: « Esta Grécia não é bem a Grécia: é apenas uma ruína.» Permitiu-me também confirmar pela tradução ensaiada que «ruíram as palavras de uma língua que ninguém fala.»
No entanto, o rei de Argos surgiu-me, pelo menos na tradução de Virgílio Martinho (1975), como uma consciência apolínea: “Já disse antes que nada posso fazer sem ouvir o povo, mesmo que tenha poder para tomar uma resolução. Não quero que um dia o povo me diga, se por acaso uma tal desgraça acontecesse: «Para honrares a uns estrangeiros, levaste à cidade à perdição.»
O povo de Argos acabou por votar  o acolhimento d’As Suplicantes por unanimidade, apesar da ameaça de uma guerra que não era deles. Hoje, a Grécia decidiu voltar a ouvir o povo. E faz bem!

13.5.12

«O Crime de Aldeia Velha» pelo GTESC

Bernardo Santareno deixou-nos uma «aldeia» tão concentracionária que nela se move um Portugal inquisidor, sexista e endemoninhado. E nem uma igreja mais arejada pôde combater a histeria que, minuto a minuto, se apoderava das vozes das harpias!

A representação a que ontem assisti no Auditório Camões trouxe-me de volta as harpias da minha aldeia. E assim sendo só posso dar os parabéns ao coletivo do GTESC.

A aldeia, hoje global, mantém infelizmente as taras do passado. E neste tempo de crise profunda é cada vez mais fácil atear novas / velhas fogueiras!

Da luz às trevas, vai um passo bem pequeno!

11.5.12

O erro irreparável…

Paulo Freire (1995) propõe que mudemos a nossa atitude frente ao erro, considerando-o uma “forma provisória de saber”.
De tempos a tempos, surge um guru a proclamar a excelência do prazer, do sentimento e, mesmo, do erro. Em geral, proclama que nascemos desprovidos de disciplina e, sobretudo, de livre-arbítrio. No melhor dos casos, nascemos em graça. Nos restantes, filhos das trevas, caímos no erro do qual penosamente sairemos se acreditarmos num qualquer tipo de redenção.
Entrados na floresta, sem bússola ou GPS, rapidamente caímos em desespero, a não ser que, racionalmente, optemos por marcar o caminho percorrido ou por seguir o rasto de eventual pegada humana. Não consta que ninguém, em seu perfeito juízo, tenha decidido perder-se para que subitamente um mestre irrompesse  detrás de uma qualquer moita para conduzir o discípulo pelos caminhos da indagação reflexiva sobre as causas do engano…
Em vez de ensinar o caminho direito, o guru prefere experimentar o discípulo, fazendo-o correr riscos para que ele se torne refém duma situação que acentua a fragilidade da condição humana, apontando o acesso à consciência como o resultado de quem conseguiu desenvencilhar-se da floresta de enganos pela mediação do guru, do sacerdote, do professor, do psicanalista…
Se o erro é inevitável, nada devemos, no entanto, fazer para que ele se instale, porque, na maioria dos casos, ele é irreparável.

9.5.12

A riqueza dos países

 

Com ou sem memória, à natureza basta que chova para que a seiva jorre, o que me faz pensar que se os neurónios andassem mais à chuva teríamos mais soluções para os problemas que nos afectam.

Na verdade, a riqueza dos países mede-se mais pela quantidade de precipitação do que pela inteligência dos homens. Afinal, sabemos bem que os nórdicos não prescindem do guarda-chuva ou da gabardine… e nós, os do sul, o que fazemos? 

5.5.12

Cravos


Omnipresentes desde Abril 74, os cravos tornaram-se objeto de manipulação laboratorial. Aparentemente, vão perdendo a genuinidade, apesar dos enxertos sofridos desde tempos imemoriais.
“Genuíno”, “natural”, “legítimo”, “sem mistura”, mais não são que noções que revelam a incapacidade de aceitar a mudança, e essa é permanente não, em si, mas porque os homens são mortais.
Uma boa parte dos nossos problemas tem origem na visão desfocada, na cópia de um tempo cristalizado.
E por isso é necessário deixar morrer o que há muito está morto: a falência é um imperativo!  

3.5.12

1.5.12

Persistência

I - Até correu bem, a ida ao teatro. No geral, os alunos souberam respeitar o trabalho dos atores. O grupo A Barraca representou com sobriedade a peça de Luís Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar! O encenador privilegiou a palavra, em detrimento dos efeitos sonoros e visuais que, de certo modo, o texto dramático autoriza.

Em palco, para além do círculo da regência, multiplicaram-se os sinais do Estado Novo: figuras dúbias de gabardine e óculos escuros… E Matilde, esposa extremosa do General Gomes Freire de Andrade, cujos afetos hostilizam o desespero do povo, acaba por se consciencializar de que a esperança reside naqueles que conseguem ver para além das cinzas…

II – Maio surgiu, descontínuo e sombrio. No entanto, as amendoeiras e as nespereiras prometem colheita farta. As oliveiras e as vinhas, em flor… Longe, a retórica farta esgota-se em argumentos primários, incapaz de criar um posto de trabalho… A chuva ainda não desistiu de nós!