14.12.13

Nunca pensei

« - Se já sou civilizado, então o teatro só pode servir para me divertir.»
Leio e volto a ler e nem sei se hei de pegar pelo "civilizado", se pelo "teatro", se pelo "divertimento".

Vou começar pelo Orgulho que me esclarece que não necessito de educação. Já nasci sabedor e educado! Há uns tantos seres inferiores, que esses, sim, por mais educação que recebam, por mais formação que obtenham, jamais beneficiarão dos prazeres da civilização... 
Lá no fundo, repudio o Teatro porque, desde a origem, ele quis que os seres inferiores transpusessem o fosso que os separa dos civilizados. A teoria da catarse terá sido inventada por um rebelde que, ao contemplar a serenidade do seu Senhor, acreditou que havia uma porta - do terror e da compaixão - que levaria o escravo à superação da bestialidade, fazendo-o participar no banquete da luxúria e da soberba...
No meu Teatro não há dor nem trabalho, não há fado nem superação! Apenas divertimento, puro jogo, puro gozo, porque do meu Teatro eu contemplo o mundo inferior...

(Nunca pensei que tivesse nascido civilizado, nunca pensei que o Teatro fosse outra coisa que os olhos do mundo e, sobretudo, nunca pensei que ele se esgotasse no puro gozo do aviltamento do Outro..., mas há cada vez mais indícios do contrário!)  

13.12.13

As minhas freguesias


Nunca é tarde para enriquecer a identidade!
Com a bênção do menino Jesus, e por ação do sapientíssimo governo passei a viver na freguesia de Moscavide e Portela… Eu que nasci relutantemente na freguesia de S. Pedro, cresci na freguesia de Assentiz, me transferi por uns anos para a freguesia de S. Salvador, regressei à freguesia de Assentiz… para terminar a adolescência na freguesia de S. João Baptista. Um pouco antes da instauração do regime democrático, vivi transitoriamente na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, saltitando com Abril, entre a freguesia da Reboleira  e a de S. João da Pedreira, para depois me instalar duradouramente na freguesia de Algueirão-Mem Martins… Só que o destino não quis que ficasse por lá e acabei por me mudar para a freguesia da Portela… agora, por decisão do sapientíssimo governo,  Moscavide e Portela…
No meio de tanta freguesia, há um dado curioso: tenho vivido mais tempo em freguesias profanas!
Boas Festas!

12.12.13

Distorção e extorsão

A ordem dos termos não será aleatória!
Confesso que me choca que a classe política não dê conta de como a realidade económica e social do país é permanentemente distorcida. Os governantes parecem viver numa redoma, imunes à permanente manipulação da verdadeira situação financeira. Multimilionários afirmam que o  «país está teso». Na verdade os cofres do Estado podem estar vazios, mas os bolsos deles estão cheios! 
A distorção, alimentada por fundações, grandes empregadores, órgãos de propaganda de interesses empresariais,  políticos internos e externos, lança diariamente o anátema sobre os funcionários do Estado e sobre os pensionistas e reformados, reduzindo-lhes a capacidade de cumprir os compromissos que, ao longo da vida, foram assumindo...
Ao lado, milhões continuam as suas vidinhas como se nada estivesse a acontecer - banqueiros, fidalgotes, clérigos, empreendedores dúbios, especuladores e apostadores, usurários, desempregados, herdeiros, proxenetas, euro-burocratas, mercenários de toda a espécie...
São milhares de milhões de euros que se escondem e se mostram sem que o Estado se preocupe com a sua origem e com o seu destino!
Perante o desleixo, a impostura e a interesseira distorção, o Governo, através do Orçamento, lança da mão da EXTORSÃO contra os do costume: funcionários públicos, pensionistas, reformados e mais carenciados...
Como se sabe, o argumento é pobre porque falta a coragem ( não faltam os cientistas políticos, os sociólogos, os economistas, os gestores, os comentadores e os comendadores!) de avaliar a distribuição da riqueza, começando por distinguir o necessário do desnecessário, o razoável do desmesurado, o produtivo do supérfluo...

11.12.13

Suspensos...

(Sigo os radares à espera que Ancara te deixe dormir duas ou três horas antes que o Sol caia sobre a cidade.)
Apesar de tanta tecnologia, as viagens continuam condicionadas pelas intempéries... ficamos suspensos... e o futuro deixa de ser perscrutado no voo das aves.
Em terra, a linearidade do dia esfuma-se e as horas correm ansiosas... Na espera, os minutos arrastam-se, prolongam-se deixando que a duração nos asfixie... 

10.12.13

Na arena

Este dia alongou-se na chuva que terá aberto as portas do céu a Mandela, apesar da sua luta privilegiar o fim do apartheid na terra. À medida que a auréola cresce, os devotos abdicam da luz e mergulham no nevoeiro de um tempo que, ainda há pouco, era promissor...
Um aperto de mão por encenar repete o do milénio... o arame farpado ignora a auréola e o gesto...
Longe da arena, abafo o medo da diferença e, sobretudo, debato-me com a inconsistência das aprendizagens: em ourique, em aljubarrota, no magreb, no índico, o bravo e não facundo Nuno, aureolado, levanta a Excalibur ao serviço de hollywood. 

9.12.13

Eu não britei pedra com Mandela!

Eu não britei pedra com Mandela ... vivia num enorme corredor, ladeado de azulejos fuzilados por baionetas francesas!
Eu não gritei por Mandela ... orava para que a senhora de Fátima nos livrasse dos vermelhos, para que a guerra acabasse e angola fosse nossa!
Eu não me vesti de negro por Mandela ... redimia-me dos pecados que cometera contra Deus e os seus imaculados representantes na Terra!
Eu não chamei por Mandela... preferia ler elegias distantes e subservientes!
Eu não visitei Mandela ... percorria os lugares desertos e as metrópoles estonteantes! 
Eu não li com Mandela ... perdia-me em guerras de alecrim e manjerona!

Eu não morri com Mandela... estou refém no meu próprio labirinto!



8.12.13

A Ilusão da Água Lilás

Para sacudir o frio e o rosário de respostas quase iguais - triste exemplo de sucesso escolar -, subi A MONTANHA da ÁGUA LILÁS, de Pepetela, e por um tempo breve instalei-me na sua encosta, como se de regresso ao Calpe primordial.
A fábula, repartida por 16 "jornadas", situa-se num Morro de Poesia, habitado por «uns estranhos seres cor de laranja, diferentes de todos os outros da Terra». Repartiam-se por «cambutinhas do tamanho de coelhos», e «Lupis» que tinham a particularidade de «lupilar», isto é, expressavam o contentamento ou a tristeza através do grito «lupi-lupi-lupi»...
(...)
Pelo que se vê, os Lupi ainda estão entre nós, embora a sua história se tenha revelado inútil, tudo porque a «água lilás», apesar de lhes matar as carraças e de lhes alegrar os humores, se esgotou depois de ter sido objeto de longa disputa entre Jaculapis, Lupões e os animais da planície ( rinocerontes, leões, onças, hienas, lagartos, cobras...)
«E como toda a estória tem um fim», «a montanha de repente ficara seca de água lilás. Só os tanques vazios e um vago perfume que neles ficou mostrava que um dia, tinha existido ali.»
Desse tempo fabuloso, apenas restam o lupi-poeta e lupi-pensador que continuam «a lupilar, todos contentes com a alegria que dá aspirar o perfume da água lilás.
Só que ainda é cedo para a fazer sair!