20.2.14

Em tempo de avaliação externa

Ainda antes de confirmar que o FMI segue cartilha diferente da do Governo, comecei o dia a pensar em situações de dissonância.
Por exemplo, na capital portuguesa, há uma escola secundária que, em certos dias, quer ser básica, mas que, na verdade, se considera liceu.
Uma escola que acaba de recuperar o ESCUDO em tempo de EURO e que se prepara para continuar a substituir as janelas da fachada quando as fissuras se escancaram...
Uma escola onde há plátanos decíduos que impõem trabalhos forçados a funcionárias mal remuneradas...
Uma escola onde há avenidas de tílias, galerias sob beirais maltratados... uma escola onde a figueira de judas se esconde lá para os lados da horta ou será do horto?
Nesta escola que, orgulhosamente se considera liceu, há música nos intervalos e nos salões. E nas altas estantes há livros que ninguém folheia. E também  há alunas e alunos foliões e professores reduzidos a tostões...

Alheias a tudo, chegam as vassouras com a missão de desenhar uma saída limpa para a nação, e nós lá vamos dando uma mãozinha e dobrando a espinha.

19.2.14

Para todos

«Para todos a entrada na vida é a mesma, e a partida semelhante.» Palavras de Salomão

Escuto palavras arrogantes. Assisto a decisões unilaterais. Observo juízos viciosos. E penso se haverá alguma razoabilidade em tais comportamentos... 
Não tenho heróis, não sigo doutrinas, nem conheço a origem da inteligência. Desconfio, no entanto, que a luz nos cega de tal modo que preferimos a soberba à paciência, a vaidade à modéstia, a palavra ao silêncio...
Enlameados, esquecemos que a porta que atravessámos uma vez é a mesma a que regressaremos. Mas quando tal acontece, nada resta da soberba, da vaidade e da palavra...

Já não me oiço, a luz entra pela porta... e lembro que pensara escrever sob Job. Todavia, desisti de Job temendo que o Senhor lhe premiasse a paciência e, sobretudo, a autenticidade das suas palavras, pois não custa ser genuíno quando a Sabedoria nos põe de sobreaviso.  

18.2.14

As minhocas

Quando os campos estão alagados e o sol começa a aquecer, do torrão saltam, à má fé, as minhocas.
Sem crânio nem coluna vertebral, as minhocas avançam sorrateiramente. Relembro-as, longilíneas, onduladas e rosadas. Nunca percebi bem o que é que elas demandam. Sei, no entanto que, na sua teimosia, não se importam de ser esmagadas.
Diria, assim, que para as minhocas o problema da duração não se coloca. Satisfazem-se com a sua extensão, indiferentes aos vertebrados que ousam pensar e não se deixam conduzir por caprichos alucinatórios.

17.2.14

Salomão, vítima de um pregador anacrónico

«  Salomão prestou culto a Astarté, deusa dos sidónios, e a Melcom, idolo dos amonitas. Fez mal aos olhos do Senhor e não Lhe foi inteiramente fiel como seu pai David. Por esse tempo edificou Salomão sobre o monte, que está frente a Jerusalém, um lugar alto (templo) a Camos, deus de Moab, e a Moloc, abominação dos amonitas. E o mesmo fez para agradar a todas as suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e sacrificavam aos deuses. Então o Senhor irritou-se contra Salomão...» Primeiro Livro dos Reis

Estranha citação, mas necessária! 
Há dias entrei num templo cristão, católico, acabando por ouvir o pregador a condenar o rei Salomão por ter prestado culto aos ídolos estrangeiros. Habituado a venerar o Rei Salomão como sábio, justiceiro e grande arquiteto, fiquei inquieto com a condenação.
Já me era difícil imaginar que o Padre Eterno acusasse de devassidão as 700 esposas de sangue real e as 300 concubinas do Rei  - «e as mulheres perverteram o seu coração», quanto mais vê-Lo, sem qualquer rebuço, condenar Salomão só porque este era cortês com os reinos que subjugava, com as princesas que lhe enchiam o harém...
Em pleno século XXI, não é fácil ouvir pregar uma história xenófoba, machista e sem qualquer noção do espírito comunitário salomónico.
Ainda se o Senhor tivesse acusado Salomão de esbanjador de recursos, de luxúria talvez aquela homilia fizesse sentido. Assim não, até porque o Senhor, a propósito da edificação do Templo, lhe disse:
«Santifiquei esta casa que me construíste a fim de permanecer nela o Meu nome para sempre; os Meus olhos e o Meu coração estarão aí fixados perpetuamente.» 

16.2.14

Sob a canópia

De passagem pela exposição fotográfica ( de Ana Gaiaz e Márcia Lessa) realizada no âmbito do Programa de Renovação do Grande Auditório ( 15 de fevereiro a 2 de março), houve uma série de pormenores que despertaram a minha atenção, a começar pelo nome das fotógrafas. Algo me diz que há quem não goste dos patronímicos...
Por outro lado, na memória descritiva, surge o neologismo "canópia" para designar a "cobertura" ou a "abóbada" do Grande Auditório. Provavelmente,  não estou atualizado!  Parece-me que, também, aqui, a língua materna se vê afastada sem grande motivo. A ideia de que sem a língua inglesa não somos ninguém perturba-me, pois habituado fui a pensar que a identidade se exprime melhor na língua materna...
Nada disto teria grande significado para mim se o Dicionário Terminológico do Português não sofresse dos mesmos males: a origem e a história da língua são substituídos pelo modelo anglo-saxónico por quem há cerca de 40 anos eliminou os estudos clássicos e acabou por reduzir a quase nada as línguas novilatinas ou românicas...
E acrescento que também não gostei da exposição fotográfica: falta-lhe a sequência, apesar da datação. Parece que as fotógrafas chegaram já o estaleiro estava instalado e o espaço esventrado... 

15.2.14

40 anos de liberdade


Sem grilhetas, construímos retalhos bem elucidativos do caos mental que nos desgoverna. Oferecemos cravos, mas é o tojo que se dissemina. Corrompidos pelo poder e pelo euro, semeamos a miséria nos campos e nas cidades…
Em nome de falsas autonomias, gerimos a nosso belo prazer e propagandeamos que as atuais gerações são mais cultas, mais instruídas do que as anteriores… Sem vergonha o repetimos na cara dos mais velhos, dos trabalhadores, dos que têm menores habilitações académicas…, discriminando em nome de uma verdade néscia e sem pudor.

14.2.14

Manda quem pode!

Manda quem pode, obedece quem quer!

Este provérbio é expressão do saber popular. Todavia, nos dias que correm, parece que já só aplicamos a primeira parte. Logo pela manhã, passou por mim, com ar desalentado, uma senhora que exclamava: Manda quem pode!

De facto, todos os dias obedecemos não porque queremos, mas porque nos resignamos….

Até na natureza, a figueira, de judas ou não, obedece, apesar da chuva e do dia de cinza. Esta figueira, porém, salta o muro e foge do terreiro do seminário, mesmo que a espere a mão gulosa e o riso mofino.