22.7.15

Sob a cortina flutuante

«Or les petits enfants, sous le rideau flottant / Parlent bas comme on fait dans une nuit obscure./ Rimbaud, Les Étrennes des Orphelins.

Onde é que esse tempo já vai!? Por mais que os dias sejam obscuros, as vozes elevam-se cada vez mais alto numa algaraviada inútil.
Acabo de saber que o Parlamento entrou de férias, breve sobressalto de acalmia... Só que o Presidente prepara-se para anunciar a data das próximas eleições legislativas - a expectativa de diminuição da infernal propaganda afunda-se definitivamente.

E eu que sempre amei o silêncio, vejo-me enredado na vertigem ruidosa que se eleva lá fora e, sobretudo, cá dentro... dentro de mim...

21.7.15

Continuo a juntar dados

Continuo a juntar dados do tempo em que parecia haver a intenção de criar uma comunidade lusófona liberta de preconceitos. Uma comunidade capaz de sarar as feridas do tempo da colonização e que, em simultâneo, se transformasse numa plataforma cultural e económica, pronta a libertar os seus membros de dependências demasiado asfixiantes...

A ideia tem vindo a definhar, antes de mais porque a opção portuguesa de integrar a União Europeia e, sobretudo, o euro, inviabiliza a prioridade lusófona. Portugal é hoje uma província periférica de um projeto alternativo daqueles que se apressaram a entregar as colónias aos grandes blocos políticos dos anos 70.

Esta persistência, na verdade, já não interessa a ninguém!

20.7.15

Afinal

Primeiro, plantam-se as árvores; depois, deixam-se secar...
Primeiro, enchem-se os lagos; depois, secos, ficam ao abandono... Parecem saídos de uma qualquer escavação arqueológica, entretanto, abandonada a céu aberto...

A educação é prioridade! Sem ela não há sucesso! Depois, valoriza-se o dinheiro fácil...O futuro é da juventude! Depois mostra-se-lhe a porta de saída...

Os credores amigos salvaram-nos da bancarrota! Quatro anos depois, a dívida aumentou cerca de 60.000 milhões de euros...

Afinal, se tivéssemos regado a floresta e os jardins, se não tivéssemos substituído os lagos pelas piscinas, se tivéssemos valorizado a inteligência e o trabalho, hoje, seríamos mais felizes e... menos pobres.

19.7.15

Degradação no Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases

«Possuidora de uma área de mata profusamente arborizada (cerca de dois terços da superfície total), a Quinta das Conchas encontra-se favorecida por diversas áreas de lazer, nomeadamente, um café/auditório, restaurante, parque infantil, parque de merendas, lago com pontão, bem como um circuito interno que permite a prática de actividades desportivas, como por exemplo, caminhada, corrida e/ou ciclismo. A norte do jardim, a Quinta dos Lilases complementa o espaço, sendo constituída por uma mansão de estilo colonial (a qual serviu de residência a Francisco Mantero), jardim e lago - com duas ilhas arborizadas ao centro.
Tendo sido alvo de obras de beneficiação e requalificação, o Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases foi "reinaugurado" ao público a 12 de Maio de 2005, sob a tutela do presidente da edilidade lisboeta à data, Pedro Santana Lopes. A secção de terreno que constitui a Quinta dos Lilases foi, por sua vez, reaberta ao público a 15 de Janeiro de 2007, presidindo António Carmona Rodrigues à Câmara Municipal de Lisboa à data.» 
Hoje, dia 19 de Julho de 2015, o Lago tropical encontra-se num estado que nem as pombas devem compreender. Porquê? Com tantos turistas na cidade de Lisboa, será assim tão difícil encontrar uma verba que reponha o projeto inicial e mate a sede às pombas?

18.7.15

Um classificador que nunca leu Rimbaud

O helicóptero interrompe-me o sono leve e, durante uma hora, afasta-se e regressa, sobrevoando o bairro: não sei se se desloca do aeroporto para o Parque das Nações ou para o Montijo. Chego a pensar que são os angolanos a desembarcar os diamantes...
Não oiço os sinos da igreja do Cristo Rei a convidar-me para as matinas! Ao alcance da mão, tenho, no entanto, Illuminations, de Rimbaud! E retomo a leitura: 

"Un Prince était vexé de ne pas s'être employé jamais qu'à la perfection des générosités vulgaires."

(Sem ser príncipe, também eu me sinto vexado por não ser capaz de ir além da generosidade vulgar. Talvez seja por esse motivo que continuo a dizer sim, quando deveria ocupar o meu tempo de forma mais construtiva.)

E assim, horas mais tarde, lá subi e desci a rua da Igreja com o Santo António alheado: Não havia por ali nem pássaros nem peixes a quem pudesse dirigir-se... E quando dali saí fiquei com a certeza de que não gosto da Padaria Portuguesa! Não há ali espaço para mim: Não é possível tomar um café ao balcão; há sempre duas filas distintas mas cujo atendimento é indistinto; e, na esplanada, as mesas estão tão próximas que pareço fazer parte duma nova família...

Finalmente, graças às virtudes da tecnologia, lá elaborei mais um parecer (gratuito) sobre a classificação  atribuída a uma prova de Português: 9,2 valores. Em três dias, já é o segundo 9,2 de que tomo conhecimento.
Quero acreditar que este classificador nunca leu Rimbaud, e que detestará a generosidade vulgar...


17.7.15

Em nome da Liberdade

Pouco tenho a acrescentar, mas tudo poderia ser mais fácil se ouvíssemos com mais atenção. Recordo que, no princípio da adolescência, me foi feito o diagnóstico de "dispersão". Oficialmente, não fui acusado de "desatenção", e sempre me pareceu que os dois termos não eram sinónimos...
A esta distância, creio que a causa da "dispersão" era a desadaptação. Afinal, fora arrancado à terra hostil, e atirado para uma redoma de piso encerado, decorada por extensos painéis de azulejos esventrados pelas baionetas francesas...
A cera substituía a poeira e os azulejos não davam conta nem dos espinhos nem dos buracos dos caminhos. Lá no fundo, o que mais me preocupava era saber quem é que tinha arrancado os olhos àqueles celestiais anjinhos... E apesar de estudar Latim e, sobretudo, Francês, não havia ninguém que me explicasse que, em nome da Liberdade, os oficiais e os soldados franceses tinham saqueado as igrejas, violado as virgens e as matronas, sem dar paz às velhas... e, finalmente, tinham fuzilado os anjinhos...
Em síntese, a desatenção não é coisa fácil de explicar, porque a atenção simplesmente está centrada noutro objeto. E a dispersão é filha das entranhas, isto é, da necessidade de explicar o que está para além dos nossos sentidos, mesmo que seja nas ilhas desafortunadas...

Nessas ilhas que, hoje, são vilipendiadas, em nome da Liberdade!

16.7.15

O predador cerca a criatura

Os últimos dias têm sido trabalhosos e, provavelmente, ineficazes. Não por falta de aplicação, mas porque tudo o que é feito é controlado em bastidores inacessíveis.
No palco, movem-se umas tantas criaturas mais ou menos taciturnas, que pensam que estão a dar o seu melhor. No entanto, o melhor não chega.
A autonomia da criatura é, afinal, propriedade do predador, que está presente em todas as áreas da ação humana...

O predador cerca a criatura, assedia-a e devora-a até ao osso mais recôndito. 

Outrora, a relação da criatura era com o criador; hoje, a relação da criatura é com o predador que se imagina Senhor...

Nesta esfera de ação, a criatura deve abster-se de exemplificar.