12.5.17

Só quer ser pastor...

Desconfio que só quer ser pastor quem o não é...
Por exemplo, Fernando Pessoa, que nunca guardou rebanhos, gastou a vida a ordenhar ideias, secando-as em tábuas de fingidas sensações. Até o sino da aldeia lhe surgiu no timbre do badalo, porque de chocalho nada entendia...
O que ele nunca soube é que, para além do rebanho interior, dele nasceria outro rebanho pronto a deixar-se conduzir pelos caminhos...
Em tempos ainda pensei que poderia ser pastor! Felizmente, faltou-me o rebanho... 

Dentro de poucos minutos, aterra em Monte Real o Pastor dos pastores. Não sei se ele terá algum dia guardado rebanhos, desconfio, contudo, que só a tenacidade o faz andar pelos caminhos... desta vez, da Serra de Aire... A única serra onde eu poderia ter sido pastor...
 

11.5.17

Perder a paz

"- Qu'est-ce qui sera difficile? - De nous donner une conscience. Nous ne sommes pas une classe. Tout juste un troupeau." Jean-Paul Sartre, La mort dans l'âme. Folio, pág. 271.

Contexto:  a verrerie de Baccarat transformada em campo de concentração (ainda no sentido literal) de soldados franceses na França derrotada pelos alemães em 1940.
Os soldados derrotados e desmoralizados esperam, assinado o Armistício de Compiègne, poder regressar a casa, embora não saibam como - a desonra condena-os ao mutismo...
Submissos e subservientes aceitam incondicionalmente a ordem alemã. Não compreendem como é que os vencedores de 18 se transformaram nos vencidos de 40...
Há, contudo, quem coloque a pergunta determinante: "Tu pourrais peut-être nous expliquer pourquoi que vous avez perdu la paix?" (ibidem, 268)

Perder a paz! Sim, esse é que é o grande perigo! (Claro que ainda continua a haver quem aconselhe: Si vis pacem, para bellum! / Se queres paz, prepara a guerra!)

Como, infelizmente, em tempo de paz abdicamos da consciência, mais não somos do que rebanhos dispersos pelas pradarias da vaidade, da inveja, da ostentação e da soberba.
O paradoxo é que são muitas vezes as mesmas ovelhas que se movem ritualmente em ondas de apelo à paz sob a condução do Pastor do Momento...

Afinal, faltou o anestesista

Afinal, faltou o anestesista!
O doente (in)paciente foi internado de véspera; estava tudo assegurado... Hoje, pelas 9 horas, teve alta.
Tudo em nome do direito à greve!

Quanto aos doentes, parece que só têm o direito de sofrer ou, em alternativa, de ir a Fátima...

10.5.17

Também é difícil...

Também é difícil passar meses à espera de uma intervenção cirúrgica considerada urgente, vê-la marcada para uma data em que já há pré-aviso de greve, não receber qualquer confirmação da sua realização ou do seu adiamento, ter de se deslocar para internamento... e ficar à espera até que algum funcionário mais zeloso possa esclarecer o paciente...
De qualquer modo, esperemos que o funcionário não seja enfermeiro, pois também este pode adiar o esclarecimento por ter iniciado greve de zelo por tempo indeterminado...

9.5.17

É difícil...

É difícil ajudar as pessoas, quando elas não querem que as ajudemos. Também é difícil ajudá-las quando a simpatia por elas diminui. E, provavelmente, a simpatia extingue-se à medida que perdemos a paciência...  Dir-se-á que a simpatia começa a desaparecer quando a autossuficiência se evidencia na relação diária e até ocasional.
Como reação, cria-se distância, o discurso torna-se cortês, como que a nos resguardar de uma súbita invasão do espaço pessoal - a zona de conforto que, também ela, varia de indivíduo para indivíduo, sendo essa diversidade propícia ao atrito manifesto ou latente...
Ultimamente,  avolumam-se os atritos manifestos, porque o tempo de adaptação diminui drasticamente... apesar de nos sentirmos forçados  a ser corteses com quem não simpatizamos, gerando, deste modo, relações artificiosas e postiças.

8.5.17

Cá nesta Babilónia...

Nesta Babilónia, qual é a versão que corresponde ao texto deixado pelo Poeta?
 (ver soneto Cá nesta Babilónia, donde mana)

cá, onde o mal se afina, e o bem se dana,
e pode mais que a honra a tirania;
cá, onde a errada e cega Monarquia
cuida que um nome vão a desengana;

cá, neste labirinto, onde a nobreza
com esforço e saber pedindo vão *
às portas da cobiça e da vileza;
Camões, Luís de, 1994. Rimas, Coimbra: Almedina


Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia 

Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza, 

O Valor e o Saber pedindo vão 
Às portas da Cobiça e da Vileza;
http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=624


* A ideia de que a Nobreza se preocupava com o Saber não se ajusta ao modo como Camões a retrata na epopeia.


CXCIV

Cá nesta Babilônia, onde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

Cá, onde o mal se afina, e o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza
O Valor e Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;

Cá neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!

© LUIZ VAZ DE CAMÕES
In Obras de Luíz de Camões (Vol. II), 1861
Pelo Visconde de Juromenha



SALMO 137

Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião.
 Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas harpas,
 porque aqueles que nos tinham deportado pediam-nos um cântico. Nossos opressores exigiam de nós um hino de alegria: Cantai-nos um dos cânticos de Sião.
 Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor em terra estranha?
 Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise!
Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias.
 Contra os filhos de Edom, lembrai-vos, Senhor, do dia da queda de Jerusalém, quando eles gritavam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces!
Ó filha de Babilônia, a devastadora, feliz aquele que te retribuir o mal que nos fizeste!
 Feliz aquele que se apoderar de teus filhinhos, para os esmagar contra o rochedo!


7.5.17

Désarroi

«Cent persiennes closes; un perron de trois marches accède à une porte cadenassée. À gauche du perron, à deux mètres de la caserne, on a édifié un petit rempart de briques haut d'un mètre et long de deux, Brunet s'en approche et s'y accote. La cour s'emplit, un courant continu tasse les premiers arrivés les uns contre les autres, les plaque contre le mur de la caserne; il en vient, il en vient toujours; tout d'un coup les lourds vantaux du portail tournent sur eux-mêmes et se ferment.»Jean-Paul Sartre, La mort dans l'âme, page 262, folio.

Este é um daqueles dias em que as luzes parecem extinguir-se. Provavelmente, muito franceses, confusos, não foram votar porque deixaram de acreditar na classe política - naqueles homens e mulheres que insistem em celebrar "os caminhos da liberdade", mas que tudo têm feito para os bloquear.
Este é um daqueles dias em que a França desrespeita os seus filhos, ceifados em guerras inúteis.
Este é um daqueles dias em que a razão se pode revelar efémera, pronta a cair às mãos de hordas irracionais que vão alastrando um pouco por toda a parte... e que avançam de olhos postos num qualquer milagre.