22.8.17

A modesta pirâmide alentejana

Ainda espreitei a ver se avistava o corpo do Ricardo Reis, mas, na versão saramaguiana, faltou-lhe a coragem - preferiu enterrar-se n'Os Prazeres, ao lado do criador, sob o olhar furibundo da avó louca ...
N'O Ano da Morte de Ricardo Reis, a fantasia, umas vezes tétrica outras hilária, destapa a ascensão dos fascismos na Europa e, em particular, o início da guerra civil espanhola com repercussão na terra dos lusitos que arrogam para si um vanguardismo, deveras, provinciano...
O importante é perceber que Ricardo Reis é, apenas, uma lente deformada que arrasta o leitor para caminhos empoeirados como aqueles que acabo de percorrer junto da barragem de Santa Clara... nas proximidades de Santa Clara-a-Velha, donde extraí a modesta pirâmide alentejana...
Da leitura e da viagem, já só sobra pó, mas, ao contrário dos apóstolos, não consigo sacudi-lo das minhas sandálias. E se o conseguisse, o que é que ganharia com isso?

20.8.17

Porto de abrigo

Aqui, na Praia da Azenha do Mar, não há areia. No entanto, vale a pena o fim do caminho. Por isso, ofereço-vos este "porto de abrigo" das embarcações.
Quanto ao resto, eu, que nem gosto de calor, lá passei 3 horas na afamada Zambujeira do Mar a tentar reler O Ano da Morte de Ricardo Reis, o que não é fácil, pois naquele romance não para de chover e de ventar.
E comigo vai ficando a ideia de que é precisa muita paciência para seguir o "badameco" do José Saramago.
«Nos dias seguintes Ricardo Reis pôs-se à procura de casa. Saía de manhã, regressava à noite, almoçava e jantava fora do hotel, serviam-lhe de badameco as páginas de anúncios do Diário de Notícias...»
Falta, talvez, acrescentar o óbvio: a praia foi enchendo tal como a maré, mas o português não desiste... e o espanhol, o francês...

19.8.17

E sujeito-me...

Balde tem. Ainda não verifiquei se a cisterna tem água.
Asiáticos não faltam! Indianos? Paquistaneses? Indus? Muçulmanos? Vá lá saber-se!
Ocupados a pôr os motores em marcha... e parece que sabem da poda...
Eu por mim, observo.
E sujeito-me, mesmo sendo europeu...

17.8.17

Por dever de ofício

Por dever de ofício, decidi reler O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago. Neste caso, melhor será dizer ler, pois até parece que nunca li tal romance. De qualquer modo, o exemplar, já quebrado, que possuo corresponde à 3ª edição,  e foi me oferecido pelo Manuel Duarte Luís, amigo da década de 80..., como se os amigos pudessem ser datados e se calhar podem, pelo menos enquanto os não esquecemos...
Tê-lo-ei lido nessa época e certamente não terei perdido a oportunidade de o mencionar e de o recomendar aos meus alunos de Teoria da Literatura... (Eles saberão melhor do que eu a importância que atribuiria ao modo como Saramago recriava tempos e individualidades, fictícias ou não...
Agora que me obrigo a reler a obra, confirmo que a minha memória terá sofrido grande abalo nos últimos 20 anos, mas interrogo-me se esta leitura escolhida para os atuais alunos do 12º ano é a mais adequada...
Este romance requer um leitor paciente, verdadeiramente interessado em compreender o território, a situação política, cultural e socio-económica dos anos 30 e, sobretudo, capaz de lidar com um narrador, cujo humor é corrosivo. Já nem me refiro à ironia e a uma intertextualidade, muitas vezes, anacrónica para a atual geração...

16.8.17

Anfibologia descarada

Anfibologia: ambiguidade; duplo sentido de uma frase...


É a Justiça que é suspeita? Se fosse verdade, qual é o referente? O Ministério Público? Os Tribunais?

Quem é que suspeita? A Justiça? (Em abstrato?)

Velha PT? Quando é que a Senhora rejuvenesceu? Mas ainda existe?

Afinal, onde é que está a notícia?

15.8.17

A origem da tragédia nacional

Em primeiro lugar, a ignorância. Em segundo lugar, a ganância. Finalmente, a incompetência.
De forma abreviada, é esta a resposta para tanto desastre. 
Neste cenário, estamos a ser governados por incompetentes gananciosos que abusam da ignorância das populações rurais e urbanas e que, também, elas sonham vencer a vida a qualquer custo...
Por isso há tantos candidatos ao exercício do poder local e central. Infelizmente, falta-lhes quase tudo - em primeiro lugar, a sabedoria; em segundo lugar, o despojamento; finalmente, a competência...

Se o rio vai seco, espera-se que a chuva caia...
Se o mato arde, espera-se que chova e que a vegetação não volte a crescer...
Se as árvores escondem o vazio que as mata, espera-se que não tombem quando a festa decorre...
Se morre tanta gente, espera-se que o Senhor a acolha e a proteja dos fogos letais...

Agora até temos um Presidente que gasta os dias a correr para os cemitérios, como se tivesse sido contratado como carpideira...
  

14.8.17

O mal da escrita no reino do compadrio

(Este romancista ( o Poeta) bem tenta que o leitor lhe envie um sinal, mas sem o menor sucesso...)

O demónio que me aterrorizava, quando na minha horta substituía o pai que partira para os bidonvilles parisienses, não estava certamente à altura dos patrões franceses que humilharam o António quando este procurava viver com alguma dignidade o exílio a que se vira forçado por uma ditadura que condenava os seus filhos a uma morte precoce...
Talvez seja por isso que não encontro, em Palingenesiao pai do (autor) Silva Carvalho - a figura do pai surge diluída na figura do tirano, que tanto pode ser patrão, como seu substituto num universo capitalista nojento... (O leitor toma, no entanto, conhecimento que os pais lhe pagaram as propinas durante dois anos e o visitaram em Paris.)
Este autor ou, melhor, este homem que sonhava não ser pai, mas mãe, porque a mulher é a verdadeira criadora... e talvez seja por isso que a descoberta da sexualidade, à medida que o romance evolui, se torna mais humana, mais relacional, menos demoníaca... Este autor, afinal, só procura o diálogo...
Silva Carvalho escreve este romance não apenas para recriar o espírito da época, submetendo-o a uma abordagem diferente - o mal da escrita:

« O essencial, contudo, não me parece que seja escrever direitinho, mas, pelo contrário, aceitar o mal da escrita para que ela nos possa revelar o que a trabalha e assim nos acalenta, de uma forma ou de outra.»  op.cit, pág,238.

Terminada a leitura deste romance, espero ainda cumprir o reiterado desejo do Silva Carvalho:

«Lembrem-se, a intenção deste livro era chamar a atenção sobre a minha obra poética, onde penso que atingi a qualidade não só de obra mas também a de destino, como mais lídima manifestação do que ainda se chama de cultura.» op.cit. pág. 143.