2.5.21

O canteiro

Em frente à casa, um canteiro irregular acolhia as tuas flores, por ti plantadas e regadas de acordo com as regras do Tempo. De vez em quando, colhias um lírio, um jarro, uma rosa, que colocavas num rústico jarrão na mesa da sala.. 
As sardinheiras nunca abandonavam o canteiro! Eram as primas-donas do lugar!
Ninguém comprava flores para te oferecer. Tu é que as oferecias ao senhor Jesus, à Virgem e a algum santo mais extremoso.
Hoje, no teu dia, não vou comprar flores para te oferecer, apenas relembro o canteiro irregular, por vezes, retouçado por caprichosas cabras que por ali passavam.
E não sei se o canteiro ainda perdura!

1.5.21

Muda o mês

Muda o mês, o inferno de abril continua… 
só o masoquismo explica porquê. 
Acrescentar o quê, se a vida é a mesma, chova ou faça sol…
Hoje foi dia de vacina, primeira dose da AstraZeneca. 
O rebanho submeteu-se sem alarido. 
só o masoquismo explica porquê.
As flores, essas, seguem o seu destino… 
um destes dias murcham e ninguém dará pela mudança. 
Não creio que as rosas sejam masoquistas.

29.4.21

Speculum

O canteiro, só, algo dirá do cuidador, sem curar do jardineiro. Lembra a criança que atravessou o espelho sem perceber a ilusão em que viverá desde o dia primordial, ao imaginar uma forma idealizada que, mais cedo mais tarde, se estilhaçará. Dia primordial a que se agarra para afirmar a sua presença - o EU
Não fossem, presentemente, as redes sociais, o canteiro, apesar de descuidado, teria mais significado, mesmo que o jardineiro tenha sido substituído por cuidadores avençados.

Esclarecimento:
Os canteiros não falam nem as crianças atravessam espelhos, felizmente!
O dia primordial não existe, porque varia conforme a intenção de quem recorda. Por seu turno, a presença é breve, mesmo que nos esforcemos por infernizá-la… Assim dito, parece que mais não somos do que espinhos deixados crescer por um jardineiro mal-humorado.

25.4.21

Neste 25 de abril de antanho


Tantos poetas
tantas rosas, meu Senhor!


E eles?... cravados na lapela dos espertos deste triste país
descem as avenidas, discursam em redondo a fé e o desespero
da bazuca que lhes há de pagar os cachuchos dos dias dourados…

A madrugada daquele dia foi única
fúnebre, o cortejo de hoje 

24.4.21

Coisas insignificantes

Do Jacques Lacan não me ficou nada, a não ser os livros na estante e uma vaga ideia de que o Osório Mateus o cultivava. Ou seria a Manuela Saraiva?
Ler Lacan por estes dias, apenas para verificar se já amadureci ou se nunca chegarei a compreendê-lo, por insuficiência minha, certamente.
Começo, e o significante é o único mestre... e eu o que serei? De repente, verifico que a persiana está corrida até baixo, o que me impede de ver o Tejo, se a maré sobe ou desce… Ainda não é desta que avanço nos Ècrits, o melhor é avançar para o almoço, já que tive o trabalho de o confecionar…
(...)
E depois? Voltei a ler a Lettre Volée, de Edgar Allan Poe, traduzida, em 1856, por Charles Baudelaire / La lettre volée (bibebook.com)

20.4.21

A planar


Assim andamos todos, mesmo que não o vejamos…

No caso, a ave procura a presa, e nós seguimos prisioneiros de convicções mal fundamentadas.

Por isso, deitamos fora as preocupações e mergulhamos nas rotinas anestesiantes.

Entretanto, anunciam-se eleições autárquicas e logo as aves justiceiras invadem os paços à procura de provas de negócios sujos, como se estes alguma vez tivessem sido limpos…

18.4.21

O que seria de nós?


 O que seria da infantaria sem infantes, mesmo se dizimados no campo de batalha?
O que seria da pátria sem patriotas, mesmo se falsos?
O que seria de nós se não partilhássemos o que de melhor e pior há em nós? 

Bem sei que estas interrogações parecem capciosas, mas não. São a expressão de uma inquietação antiga, avessa ao 'sacrifício' da vida humana, ao 'aproveitamento' da necessidade de proteção…

Afinal, o que será de cada um se tudo partilhar?

(Outrora, partilhavam-se propriedades, bens, ideias, valores, embora o saque fosse mais comum. E hoje?)