27.10.22

Cito Natália Correia

Exercícios nucleares russos foram um ensaio para “obliterar” a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, garante responsável
(...)
EUA antecipam envio de bombas nucleares ‘melhoradas’ para as bases da NATO na Europa. Começam a chegar em dezembro

«Eu não tenho certezas, mas tenho convicções, e uma das minhas convicções mais firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa liberdade, esse caminho para a liberdade está ser cada vez mais obscurecido por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje. Nós chegamos a esta coisa terrível, o chamado equilíbrio nuclear, que é o jogo de escondidas de duas disponibilidades criminosas para suprimir a humanidade. A humanidade está hoje pronta (parece que está sempre pronta!) para pôr luto por si própria. Isto não é uma forma humana de viver.» Natália Correia, em entrevista do DN de 11-9-1983. 

25.10.22

Da sujidade

Caminho pela direita, a pé. Em sentido contrário, aproxima-se um indivíduo que vem na minha direção e não se desvia...
Fico a pensar que o cidadão, talvez,  seja originário das ilhas britânicas.
(...)
No lago a limpeza das águas continua já lá vão dois meses. O número de patos não diminui... mudaram-se para a margem oposta àquela em que os trabalhos decorrem.
(...)
As eleições decorrem no Brasil. O que é que leva os governantes lusitanos a interferirem na guerra política de outro o país?
(...)
Cá no prédio, há quem se entretenha a enviar os elevadores para o 12º andar com paragem em todos os pisos...
(...) E depois há a questão da 'bomba suja' ucraniana, queixam-se os russos. E que pensar da 'invasão suja' russa?

23.10.22

Adriano Moreira e a política de integração

(Adriano Moreira. Foi meu professor, no sentido mais absoluto da palavra, sem que nunca tenha ousado dirigir-lhe a palavra. Bastava ouvi-lo, lê-lo... Aqui ficam algumas notas de 1993-94 na Universidade Aberta.)

Política de Integração

  Adriano Moreira[1]:
 
                1. Emigração e povoamento[2]
                2. Integração Multirracial[3]
                3. Estatuto dos Indígenas
                4. Assimilados
                5. Regedorias rurais[4]
                6. O problema das terras[5]
 
                Legislação[6]
 
                Decreto de 18 de Nov. de 1869 pôs em vigor no Ultramar o Código Civil ... ressalvou os usos e costumes das regedorias, e ainda dos emigrantes orientais, como os baneanes, bátias, parses e mouros (velha prática de séculos).
                Ver a acção do ministro João Belo em 1926.
                Lei orgânica do Ultramar, de 27 de Junho de 1953 [ S. Tomé e Príncipe e Timor deixaram de estar abrangidas pelo estatuto dos indígenas, tal como sempre acontecera com o Estado da Índia, Macau e Cabo Verde ].
                Estatuto dos Indígenas - dec.-lei 39666 de 1954 [ estatuto do direito privado dependeria do estatuto político ].
                Revogação do estatuto dos indígenas - dec.-lei 43893, de 6091961
                Dec-lei 43894 de 6091961 - regulamento de ocupação e concessão de terrenos nas províncias ultramarinas.
                O Dec. Lei 43895 de 6091961 sobre o povoamento (...) "independentemente da modalidade de povoamento e seja autóctone, natural ou imigrante o elemento povoador."[7]
        Dec.-lei 43896 de 6091961 regulamenta a organização das regedorias: organizam-se as regedorias, de modo a fazer intervir na gestão dos interesses comuns, de acordo com os processos tradicionais pelos quais sempre manifestámos o maior respeito.[8]
                O Dec.-lei 43897 reconhece os usos e costumes locais.
                Dec.-lei 43898 de 6091961 sobre a ocupação judicial do território.
                O Dec.-lei 43899 de 6091961 legisla sobre os serviços de registo.
 
                Livros: 
            * Ensaios, de Adriano Moreira
            * Angola do meu coração, de João Falcato
         * Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos (Dr. Gilberto Freire; Prof. Damião Peres e Prof. Adriano Moreira)
           * Coleção Autores Ultramarinos (Lisboa)
           * Coleção Imbondeiro [9]
 
                Bibliografia:
           * Azeredo, Guilhermina de Brancos e Negros (1º prémio do concurso de Literatura ultramarina), 1955, A-G do Ultramar.
            Belchior, Manuel Dias ( prefácio pelo Dr. Marcelo Caetano), Compreendamos os Negros, 1951, A-G do Ultramar
                Cidade, Hernâni, A Literatura Portuguesa e a expansão ultramarina, 1943, A-G. do Ultramar
                Correia, Elias  História de Angola, 2 volumes, 1937, A-G do Ultramar
                Dias, Gastão Sousa, Os Portugueses em Angola, 1959, A-G. do Ultramar
                Galvão, Henrique, Dembos, col. "Pelo Império", nº3
                Guimarães, Pina, Campanha do Humbe, col. "Pelo Império", nº44
                Lavradio, Marquês do, A Campanha do Bailundo, col. "Pelo Império",nº2
                Monteiro, Armindo Governação de Angola, 1935, A-G. do Ultramar
                Morais, Belo, Operações militares de 1904 - o Bailundo, col. "Pelo Império", nº 91
                Oliveira, José Osório, Literatura Africana, 1944, A-G. do Ultramar
                Pires, António, Sangue Cuanhama, (1º prémio do concurso literatura colonial), 1949, A-G. do Ultramar                   
                Santos, Afonso Costa V. T., Angola, Coração do Império, 1945, Agência-Geral do Ultramar
                * Soares, Freitas, As operações militares no sul de Angola em 1914-1915, A-G. do Ultramar
                Soromenho, Castro, Sertanejos de Angola, col. " Pelo Império", nº98  
           

[9] - 0p.cit. p. 298, 299,300 (artigo de Mário António) - extensão do mundo que o Português criou [ o problema da definição de "cultura angolana" e da interpenetração de culturas ]
[1] - Moreira, Adriano, Política de Integração, in Boletim Geral do Ultramar, nº 434-435
[2] - "o povoamento constitui a melhor e a mais imprescindível das armas para que seja confirmada a missão de Portugal em África, a bem de todos os africanos."op. cit., p.217.
[3] - ver p. 221, op.cit.
[4] - Yaka, (Pepetela) p.69, 156,165 + a exemplaridade do Soba Moma
[5] - Yaka - p. 157 + Soba Moma
[6] - Boletim Geral do Ultramar, nº 434-435, Agosto-Setembro de 1961
[7] - "Por aqui se vê que o povoamento a realizar não se limita à instalação de europeus em áreas que oferecem condições de desenvolvimento intensivo. Abrange também a sedentarização organizada, a transferência cuidadosamente preparada, a assimilação mais rápida e eficaz de populações indígenas que se têm mantido à margem das formas de vida e trabalho da civilização." op. cit. 218
[8] - op.cit. p.213

21.10.22

S. Martinho

 
S. Martinho[1]
 
Pobre -------------- Tiago
Martinho ---------- Ricardo
Rainha Dona Leonor ---------
Fiéis ---------------
3 Pajens ----------- Marco e Pedro...
Morte ------------ Magda
Job --------------- Rui
Orvalho ----------
 
Local : Igreja das Caldas da Rainha
No dia do Corpus Christi de 1504
Adereços: capa; espada.
 
 À semelhança da representação do Auto da Índia penso que, devido à comodidade de representação e também devido à falta de recursos, se devia fazer um cenário completamente despojado e minimal.
No entanto os actores, principalmente o pobre, deviam estar um pouco mais cuidados para um maior realismo da peça.

 
O pobre encontra-se em frente à igreja do hospital das Caldas, no meio de uma multidão de devotos cristãos. Encontra-se quase sem roupa e coberto de chagas. Vai avançando e falando com diversas partes do seu corpo: mãos, pés...
 
Pobre:

Oh pernas minhas! Levai-me nem que seja mais um passo!
Mãos, peguem naquele pau e descansem, por um momento, as dores de tanta paixão.
Deixai-me passar por este caminho, para poder procurar o pão que alimente meu corpo doente até que venha a morte, que eu quero por minha companheira.
 
De seguida, e depois de ter interpelado algumas partes do seu corpo, dirige-se à assistência, que quer fazer participar na ação. A assistência representa, aqui, vários tipos de cristãos.
 
 Pobre:
 
Devotos cristãos, dai esmola a este desventurado,
Olhai como estou triste e magoado,
Olhai estes pés e estas mãos dilaceradas,
Contemplai estas chagas, que não têm cura;
São incuráveis para azar meu,
Ai que padeço de dores de morte!
E a vida que levo é contra natura!
 
Olhai mais uma vez o triste,
Que ainda antes de morrer é comido pelos vermes;
Olhai o mal servido de  pés e  mãos,
Olhai a miséria deste pecador;
Dai-me esmola por Aquele Senhor
Que vos protege de tantas dores;
Esmola bendita me dai, senhores;
Pois eu não a posso ganhar com o meu suor,
Tende compaixão deste pobre doente
Que, em tempos, foi um mancebo são e lúcido.
 
O pobre fala imaginariamente a entidades abstractas que poderão, ou não, ter corpos próprios.

Pobre:
 
Oh Mundo, a que tristes dias me trouxestes,
Eu que era vigoroso e valente,
Homem de bom semblante
Elogiado por toda a gente.
Oh Morte que tardas, quem te detém?
Eu já não me atrevo a ser mais paciente!
Oh paciência de Job,
Que queres que eu faça com tantos tormentos?
 Perdoa-me tu que os meus sofrimentos
 Não podem silenciar a miséria em que vivo!
 Fértil orvalho, que te fiz eu?
 Que as ervinhas florescem em Maio,
 E sobre as minhas carnes não lanças um saio[2] 
 Nem as dores deixam que eu o ganhe.
 
 
Pobre:
 
Morte,  deixa as meninas, as donas,
E as donzelas viver louçãs,
Deixa as aves cantar,
E deixa os rebanhos andar pelas penedias.
Leva-me a mim! Porque me desprezas
E matas quem merece a vida?
Tira-me a minha triste alma desta podre prisão,
Não queiras mais sinais.
 
O Pobre volta novamente a pedir.
 
Dai-me agora uma esmola pela paixão
Do filho de Deus que pobre se viu,
Daquele que por nós foi morto: ferido,
Flagelado e crucificado pela redenção.
Olhai, agora, ricos que bem me podeis
Dar os vossos bens, pois sois tesoureiros,
Sede, assim, bons despenseiros
E as vossas riquezas duplicarão.
 
O Pobre queixa-se das chagas, das dores e da fome. Entretanto, surge Martinho. O Martinho de Tours, o que reparte a capa... Martinho não é mais do que a máscara de Leonor.
 
Pobre:
 
Devoto senhor, real cavaleiro,
Volvei vossos olhos para tanta pobreza,
Que Deus vos recompense de vossa gentileza,
Dai-me  esmola, que eu morro de fome.
 
Martinho:
 
Irmão, agora não trago dinheiro.
 
E voltando-se para a sua escolta:
 
Vós outros trazeis dinheiro que possamos dar em nome de Deus?
 
Pajens:
 
Não, de modo nenhum.
 
Martinho:
 
Nenhum de vocês tem nada que dê a este romeiro?
 
Pobre:
 
Não há dor que eu não sinta,
Senhor, tende compaixão de meus males.
 
Martinho:
 
 Quem agora tivesse dessa paixão
A parte que mais te atormenta!
 
Pobre:
 
 Guarde-vos Deus de tão grande afronta,
 Deus vos dê riqueza e muita saúde,
 Dai-me esmola por vossa virtude,
 Que a minha grande pobreza não há quem a sinta.
 
Martinho:
 
Não te posso dar nada para as dores,
Nem aos teus males posso pôr cobro.
Pois não trago outra esmola,
Partamos, aqui, esta capa ao meio.
Rogo-te irmão que rezes por mim,
pois ao sofreres dores nesta triste vida,
A tua alma em glória será recebida
com doces cantares.
 
Enquanto com a espada corta a capa ao meio, Martinho canta o Lauda Sion Salvatore:
 
Laus et honor tibi sit rex Christe redemptor
Cum puerile decus prompsit hosanna pium.
Gloria, laus et honor...
 
Saem em procissão... do Corpus Christi
[1] - Adaptação do Auto de Gil Vicente "Martinho". Autores João Miranda ( 10º A) e  Manuel Gomes (2002-2003)
[2] - antiga veste larga e com abas e fraldão.

19.10.22

Água de Outubro

 

A moral é da Agustina Bessa-Luís. Roubei-a de uma crónica intitulada 'Água de Maio'... Um lavrador, de visita a um filho deslumbrado com a cultura cosmopolita, respondeu do seguinte modo à pergunta ' - Conhece alguma coisa que possa valer mais do que isto, meu pai?':
- Um dia de água em Maio, lá na terra, vale muito mais .

Hoje, chove com alguma intensidade, o que, de facto, vale mais do que todos os planos, todos os debates, todas as acusações que a classe política vai atirando ao vento...

Água de Outubro, em vez de mistificações de bolso...

17.10.22

A tristeza do mundo


Tenho aqui ao lado, em planos distintos,  A Alegria do Mundo, da Agustina Bessa-Luís. A leitura deixa-me a sensação de que o título é demasiado subjetivo. Naqueles anos, o mundo não seria assim tão alegre! No entanto, a autora conseguia recriar as ruínas de tempos esquecidos, imaginando, assim, que participava ativamente de uma alma que só na província permanecia viva... Talvez a Sibila lhe tivesse soprado ao ouvido que o pior ainda estava para vir...
De todas as imagens que hoje vi, apesar do espírito festivo de umas poucas, também elas paroquiais, só decorre malvadez e impunidade. 
Várias placas se movem na expetativa de aniquilar uma grande parte da humanidade, como se estivesse em curso uma grande limpeza cósmica ...

14.10.22

No tempo em que se lia A Sibila de Agustina...

Abertura: diálogo entre Germana e Bernardo - continuação do diálogo iniciado no cap. XIX. (234) Sob o olhar de Germa: o velório (o seu significado sociológico) de Quina, reacções de Augusto, ingénuo, puro e bronco; o contraste entre a atitude dos familiares e a atitude de Augusto - o papel do discurso directo; a impressão de vazio - de fim de um tempo - entrecortada pela alegre gaita de beiços de Custódio, a transformação física de Custódio - o retrato de Custódio / o “fascínio do olhar morto”, o desgosto de Custódio - a analepse referente ao “amortalhar” de Quina - as reacção de Inácio Lucas. O testamento (238), Germa, a herdeira absoluta, excepto do que Quina adquirira após a morte de Maria... Reflexão sobre a herança, como empréstimo e não como dávida (239)
Custódio, porém, não ficava deserdado... esbanjador... recusa abandonar a Vessada - a vida de Custódio após a morte de Quina (240). A morte de Estina no verão seguinte (?) o caminho de Inácio Lucas .... Tinham passado dois anos (245)
Este diálogo introduz a situação / caracterização destas personagens e a questão essencial colocada pela obra: Quem sou eu / Germana?
A resposta é nos dada pela história da família Teixeira.
(...)
Cap. XVIII: A morte de Quina - p. 233-234
Comentário detalhado, sobretudo, em termos ideológicos: a concepção animista da vida e da morte face às concepções trágica e dramática; a singularidade da personagem-herói. O “diálogo” de Quina (consciência e, sobretudo, sentidos auditivo e visual) com os “passos” - a presença fantasmática da morte que atravessa a casa na direcção de Quina; a chama da vela e o vento. O papel da questão de retórica ( as estratégias do narrador: o ponto de vista). A noite alta e a madrugada. A morte: passagem / regresso ao cosmos. O advérbio de modo; a escolha do léxico; as comparações e as metáforas; o simbolismo; o contraste / paradoxo... a descrição dinâmica...
(...)
Num dia de chuva intensa - Outono, o carteiro anuncia o nascimento de Germa. (95) Quina detestava que lhe escrevessem postais - a indelicadeza: comunicação sujeita à curiosidade. Quina embriaga o carteiro. Maria manda-o embora.
Este nascimento não as entusiasmou (98).
(...)

“ De resto, a morte dum velho não inspira dor a outro velho - inspira pânico.” (89)
A vaidade de Quina:” Invadia-a uma exultação. “Ele precisa de mim - pensava -, ele está calmo e não sabe que vai morrer só porque eu quis assim...” (91) / a jubilosa agonia de Quina / o tom postiço da voz de Quina / penetrada de exultante felicidade(93)
“Na morte não há irmãos, ele já não é mais nosso...” (93)
O velho morreu de madrugada
Domingas, viúva, amortalhadeira, atreita a amores... Quina detestava-a, “pois a sabia enredadeira e mentirosa.” Dominga era a única mulher que “bendizia os homens” (92)
O abade e a casa da Vessada (94-95): “O padre era-lhes venerável, ainda que a criatura humana fosse para elas cheia de misérias.”

Só quem por lá passou compreende como a vida pode ser postiça... o resto é presunção e muita água benta para afogar as indelicadezas ...