13.7.08

Casa em ruínas

São 4 os altivos cavaleiros que cobrem a entrada da misteriosa casa em ruínas que, postada do lado esquerdo da ruela, nos deixam a sonhar com os desaparecidos viventes que, há não muito tempo ainda, se imaginavam senhores do tempo, em Pedreiras, lugar descoberto, por mim neste fim de semana, bem perto de Porto de Mós.
Em Pedreiras, existe um belo parque de campismo, da responsabilidade da Junta de Freguesia. Um parque só para mim! Nenhum outro campista ou caravanista ousou entrar naquele cuidado recinto, ladeado por um circuito de manutenção e por um mini parque desportivo.
Ao sair daqui, talvez venha a compreender que, por um tempo, vivi do outro lado da vida, e ao passar junto da casa em ruínas não deixarei de dar uma olhadela respeitosa e agradecida aos majestosos quatro cedros.
PS: Se decidir passar por este parque de campismo, não se esqueça de passar pela mercearia.

9.7.08

O riso e o choro...

« Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.» Mia Couto, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, 2008

Este romance é de rir e de chorar mais. O argumento repleto de peripécias surpreende e encanta a cada momento: o segredo escapa a cada revelação, precipitando a verdade numa  vertiginosa cascata  que nos inunda de inesperadas emoções...

II

Todo o dia de hoje e, também, o de ontem me deu vontade de chorar: a vontade de servir e de dominar é tão forte que nem a lei escapa à vontade de a torcer: a DGRHE quer fazer o milagre de tornar o "avaliador" em supervisor pedagógico... como se pudessemos gerar milhares de supervisores em 22 horas de formação, como se os avaliados estivessem dispostos a reconhecer ao avaliador não só a competência de os classificar e de o seriar, como também a competência de os guiar, com base em três observações de aula... e numa lista interminável de itens. E tudo isto, de borla, e sem redução significativa da carga lectiva...

Infelizmente, já vimos esta forma de trabalhar. Basta lembrar o modo como foi lançada a "profissionalização em exercício". Quem se lembra? O efeito é sempro o mesmo: a degradação da qualidade pedagógica e o consequente empobrecimento do país...

Venenos de Deus, Remédios do Diabo! A metáfora absoluta, já  que como afirmou (?) Fontanier: no limite, todas as figuras são metáforas.

7.7.08

Resultados...

Afinal, estou um pouco acima da média nacional (9,7). A média dos "meus" 35 alunos que se apresentaram ao exame de Português - 1ª Fase - foi de 12,383.

Estes resultados, no entanto, para mim, não são convincentes: Alunos houve que foram prejudicados porque o seu trabalho não foi devidamente testado.

Olhando para os resultados da Matemática, não posso deixar de ficar perplexo. Sempre pensei que a Matemática beneficiava de um bom desempenho na disciplina de Português!

6.7.08

9,7

Português - 12º Ano - Média nacional de 9,7 na Prova 639, 1ª fase!

O Ministério reage, referindo que «importa equacionar medidas de reforço do trabalho dos alunos nesta disciplina, designadamente estendendo ao ensino secundário as dinâmicas do Plano Nacional de Leitura.» Mais um tiro no pé!

1º Esta  prova deveria ter testado os conteúdos leccionados e as competências desenvolvidas ao longo de 3 anos. Isso não aconteceu. Todos o sabemos. Não vale a pena fingir o contrário. A prova da 1ª fase é indefensável. Aplicados todos os critérios, nenhum aluno poderá ter obtido 20 valores. Nem mesmo 19!

2º A Gramática ou é trabalhada de forma sistemática ou as perguntas sobre o funcionamento da língua mais não serão que "exercícios" vazios e previsíveis. Foi o que aconteceu. O II Grupo, objectivamente, não testa as várias "gramáticas" que circulam na praça editorial. Salve-se o negócio!

3º Se pensarmos que os 65.000 alunos que se candidatam ao exame de Português, ao longo dos últimos três anos, leram, pelo menos, três livros, na modalidade de contrato de leitura ( literatura nacional e estrangeira), teremos 195.000 obras lidas e, provavelmente, apresentadas na sala de aula, pondo em destaque a oralidade e a escrita. A essa leitura, obrigatória de acordo com o Programa em vigor, a Prova de 1ª fase nada diz.

4º O Senhor Secretário de Estado, Valter Lemos, provavelmente nunca leu o Programa de Português. E é pena! Se o fizesse, quero crer que, de imediato, mandaria a Inspecção verificar por que motivo, a Prova 139 não respeita o trabalho dos professores e dos alunos. Por que motivo, sobre a leitura das obras "contratadas", não há uma pergunta aberta e de desenvolvimento. O GAVE ignora que a leitura é uma forma de descoberta essencial para o desenvolvimento das sociedades e, sobretudo, teme que a leitura se torne numa força "crítica" que arrase o espartilho a que este Gabinete de Avaliação submete alunos e professores, menorizando-os. 

5º Senhor Professor Valter Lemos, nas escolas, começou por haver uma dinâmica de leitura.  Quem a destruiu foi quem elaborou as provas! Hoje, qualquer professor perguntará: - investir no contrato de leitura para quê? Quem a destrói é quem manda elaborar as provas! Quem a destrói é quem prefere uma dinâmica de leitura exógena a uma dinâmica endógena. Quem a destrói é quem, no passado, queimou os autores da lusofonia, subverteu os programas, eliminando a leitura extensiva, para, finalmente, aniquilar a Literatura! Há muito que a leitura, em Portugal, foi entregue aos caprichos de alguns grupelhos que nada lêem.

6º Senhor Professor Valter Lemos, se tiver oportunidade (Garrett diria que essa é a obrigação do Governante) passe pela Fábrica de Braço de Prata: entre, olhe à sua volta e contemple o estado da cultura, o estado do livro, o estado da leitura - contemple a nação que, ainda há pouco, respirava no Bairro Alto e, agora, vegeta em Marvila, à espera da ordem de despejo... começo a lembrar-me de uma estalagem, lá para os lados do Cartaxo...

9,7 não corresponde à média nacional! Corresponde, sim, à média dos que ocupam os gabinetes do Ministério da Educação e arrasam todo o trabalho feito por aqueles que, diariamente, trabalham horas intermináveis para que os jovens não desistam da leitura e da escrita, não se acomodem nas poltronas da indiferença.

Como diria Pepetela: "O nosso país é bué" ou, concluindo a estória - "afinal, o nosso país não era assim tão bué como imaginara." Ver Contos de Morte, edições Nelson de Matos

Nota1: Esta última referência não é destinada ao Senhor Secretário de Estado, pois sei que não tem tempo para este tipo de leituras. É para algum aluno que ainda não tenha sido submetido ao Plano Nacional de Leitura e que queira compreender um pouco mais do mundo em que vivemos.

Nota 2: Amanhã, como todos os professores de Português, lá terei que fazer contas para saber se os meus alunos estão acima ou abaixo do 9,7!

Sim, porque um Senhor Secretário de Estado decidiu que a minha avaliação passasse a estar indexada a este mágico número: 9,7.

Resta saber se os serviços do Ministério não fizeram mal o cálculo, tal como aconteceu há dias com o Ministério da Saúde.

29.6.08

Ribeira de Ilhas

Assim a ribeira invisível se perde numa língua de areia que só chega ao mar se a maré estiver cheia. Surfista cansado, deslocado da imagem, procuro o que lá devia estar, mas só encontro estilhaços de uma pedra malvada que me lembra que, por maior que seja o esforço, há sempre um pedaço de asno capaz de nos acusar de soberba e vaidade...
A semana que termina rola, farta da pequenez e da mediocridade de pequenos diabretes, para a espuma enrolada de um oceano risível de imagens e de amálgamas audaciosas de um romance pós-colonial: Venenos de Deus, Remédios do Diabo, de Mia Couto. Uma escrita que, num humor refinado, nos penetra nas entranhas, deixando a nu a miséria mental humana, como se uma pedra da calçada nos estalasse o crânio, sem sabermos se definitivamente nos destrói a vontade.
/MCH

22.6.08

O escritor-operário...

Hoje, fui ao Palácio da Ajuda... À porta, o rei D. Carlos I, que antes de ter sido imolado pela revolução, nos teria devolvido à Europa... Quem diria?

Na Galeria de Pintura do Rei D. Luís I, para lá da consistência dos sonhos, encontrei um Saramago metódico e, sobretudo, operário. O escritor-operário, tal como acontecera com os escritores realistas e naturalistas... A leitura seus dos registos de leitura é preciosa para a compreensão do ofício do autor.

Por outro lado, encontrei a memória de um país mesquinho, onde Mafra simboliza (séculos XVIII e XX) a megalomania de um rei, a manha do clero,  o conflito entre moralistas conservadores e ideólogos estrangeirados...

Pareceu-me que as mulheres de Saramago foram esmagadas pela estrangeira Pílar. E que Ilda Reis foi injustamente atirada para a sombra, como se sua pujança atrofiasse o criador.

Ficou-me, também, a sensação de que a literatura crítica é modesta para a extensão da obra do nobel (1998).

Finalmente, a timidez e altivez, típicas do ribatejano, atravessam as imagens, como se Saramago tivesse descoberto como esconder a nudez da sua presença..., uma presença convicta e impaciente por saber o que o espera. Que bom que seria que, afinal, as mentiras fossem verdade!

21.6.08

O ardis de Camões...

Nas estâncias 89 a 91 do Canto IX de Os Lusíadas, o Poeta persuade o censor. Os deuses da Grécia e da Roma antiga mais não eram do que homens de "fraca carne humana" que, pela nobreza  das suas acções, se tinham visto imortalizadados na memória dos restantes humanos. Estes deuses que pareciam rivalizar com o Deus da cristandade, afinal eram "fingidos" pela emoção (ou pela razão?) humana. O censor terá compreendido a mensagem...

E por isso, sabendo o Poeta que o homem português procurava a "fama" / a glória, convida-o à acção, a imitar os homens da antiguidade, porque se o fizer, também, terá direito à imortalidade dos deuses. Apenas lhe impõe um limite: não ceder à cobiça. Para o censor, este travão era o ouro que faltava  para que a obra fosse libertada de qualquer suspeita...

E para nós, deveria significar que o Poeta era um homem ardiloso, capaz de nos limites da heresia, mostrar a face cristã quando, de facto, o homem ( a humanidade) era a sua crença escondida.

As estâncias 92 e 93 do Canto IX ajudam-nos a compreender como Camões fez passar os Lusíadas pelas malhas da censura...

Mas nada disto interessa aos modernos censores: a leitura, ontem como hoje, continua muito superficial...

E de repente, dou comigo a pensar na blindagem  a que estão submetidos os mediadores. No seu inesperado silêncio...