24.11.14

Dentro de momentos...


O filme segue «dentro de momentos». São 20 horas e 45 minutos e há mais de duas horas que o País espera por uma decisão... 
Provavelmente, a culpa é da mediatização!
No entanto, resta saber se são os media os culpados desta espera inclassificável ou se é o Ministério Público o verdadeiro responsável por este atraso 'colossal'.

Enquanto espero, vou ler a peça de Samuel Beckett, En attendand Godot. Esta peça foi criada no dia 5 de Janeiro de 1953 no Teatro Babilónia...


VLADIMIR. - Que faire pour fêter cette réunion? (Il réfléchit.) Lève-toi que je t'embrasse. (Il tend la main à Estragon.)
ESTRAGON ( avec irritation). - Tout à l'heure, toute à l'heure.
                                                                                                       Silence.
VLADIMIR (froissé, froidement). Peut-on savoir où monsieur a passé la nuit?
ESTRAGON. - Dans un fossé.
VLADIMIR (épaté). - Un fossé! Où ça?
ESTRAGON (sans geste). - Par là.
VLADIMIR. - Et on ne t'a pas battu?
ESTRAGON. - Si... Pas trop.
VLADIMIR. - Toujours les mêmes?
ESTRAGON. - Les mêmes? Je ne sais pas.

                                                                                                      Silence. 

Dentro de momentos!
Já são 21 horas e cinquenta e cinco minutos.

Decisão: José Sócrates em prisão preventiva! - A medida de coação mais gravosa.

                                                                                                      SILÊNCIO.

23.11.14

É todo um país que espera!


Não sei se Sócrates é culpado ou não!
Sei, no entanto, que os indícios devem ser fracos, caso contrário já todos teríamos conhecimento da decisão judicial...
Nesta situação, não são apenas quatro detidos que esperam. É todo o país que espera.

E, amanhã, o país merecia regressar ao trabalho, tranquilo, convencido de que a Justiça é nobre, não cedendo à tentação de humilhar o suspeito, seja ele quem for. No caso, José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal.

22.11.14

Argumentar contra a violência doméstica

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1949), Art. 1º


Nas escolas, os alunos são convidados a escrever textos argumentativos, mas, em geral, não o conseguem porque, em primeiro lugar, não dominam o assunto e, principalmente, não o enquadram nem o aprofundam. Acreditam que basta pegar numa folha de papel e aplicar uma qualquer receita. Claro que a maioria fracassa!

O que aqui registo são meia dúzia de ideias que dirijo a aluna desesperada que não consegue escrever um texto argumentativo:

Todos nascemos iguais, mas não crescemos livres e iguais em dignidade e direitos.

Tradicionalmente, a maioria das mulheres vivia numa situação de tal dependência económica do marido ou, mesmo, do pai, que os direitos humanos não se lhes aplicavam, designadamente o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
Depois da segunda Guerra mundial, as mulheres desempenharam um papel importante na reconstrução dos países. As mulheres passaram a estudar e, sobretudo, passaram a ter uma carreira profissional, o que lhes trouxe independência económica.
No entanto, a independência económica da mulher não lhe garante a igualdade de direitos no agregado familiar, porque o homem (e a mulher) não foi educado para uma relação diferente da que vivera na família em que nascera… (uma das causas da violência)
Entretanto, a globalização trouxe o consumismo e a precariedade no emprego e na vida quotidiana. Uma precariedade que passou a atingir ambos os sexos.
É neste novo contexto que a insatisfação pessoal e familiar cresce, trazendo de volta o autoritarismo e a violência do mais forte contra o mais fraco.
Volta a colocar-se a questão de saber como combater a violência doméstica, ela própria fruto da desigualdade social, económica…

Assim, pode defender-se que a educação é uma das soluções contra a violência. Deste modo, é preciso alterar radicalmente o paradigma educativo.

A escola atual não satisfaz minimamente este objetivo. Basta pensar nos casos em que os namorados consideram normal agredir as namoradas,com a bênção paterna e materna, ou em que os alunos agridem as professoras com a cumplicidade dos pais… e das mães.   
..

20.11.14

O Homem de Cristo tira mais um coelho da cartola


«Não quero com isto dizer que temos de ser como os franceses. Apenas digo que temos margem para tornar o nosso acesso ao ensino superior mais justo. Seja por via de acesso livre (entram todos os que concluírem o secundário) ou por via de dar às instituições autonomia para escolher os alunos (o que me parece mais exequível).» 
Artigo de A.H.C.:E se as notas não contassem para entrar na Universidade?

Gosto imenso de ler as reflexões deste cavo pensador, sobretudo quando estou aborrecido e desligo o televisor para não ter de esbarrar com o PP ou o PC ou a ML ou a PTC , isto sem falar dos comentadores ajumentados ( peço desculpa, se soar a jumentos...)
Desta vez, por um instante, concordei com o Homem: - Para quê exames de acesso à Universidade? Que maçada! Entram todos e pronto... ou será prontos?
Passado o devaneio, dei comigo a pensar que o Homem de Cristo (!) poderia ter apresentado um argumento ainda mais convincente: - Para quê exames de acesso à Universidade se, à saída da mesma, as classificações e os diplomas obtidos não servem para nada?
Como se teima no Ensino Secundário, para um bom argumento é necessário um exemplo certeiro! Ora que melhor exemplo que o do Ministro Crato que se está borrifando para as classificações de mestrados e doutoramentos e já marcou a data do próximo exame para 20 de dezembro, precisamente nas mesmíssimas universidades que tanto despreza!

Há, no entanto, um lado positivo, na proposta cartesiana deste cavo pensador: Acaba o desemprego docente no ensino superior. Ou será inferior? 





19.11.14

Nem sempre vemos as fontes...

Para o caso de haver quem acredite na originalidade e não compreenda o que é a intertextualidade, vou citar Gonçallo Anes, de alcunha o Bandarra, que terá vivido na primeira metade do século XVI, no reinado de D. João III, o qual, entre 1530 e 1540, compôs um conjunto de trovas sobre a decadência dos costumes e os futuros destinos de Portugal.*

(...)
Forte nome he Portugal,
Um nome tão excellente,
He Rei de cabo poente,
Sobre todos principal.
Não se acha vosso igual
Rei de tal merecimento:
Não se acha, segun sento,
Do Poento ao Oriental.

Portugal he nome inteiro,
Nome de macho, se queres:
Os outros Reinos mulheres,
Como ferro sem azeiro;
E senão olha primeiro,
Portugal tem a fronteira,
Todos mudão a carreira
Com medo do seu rafeiro.

Portugal tem a bandeira
Com cinco Quinas no meio,
E segundo vejo, e creio,
Este he a cabeceira
E porá a sua cimeira,
Que em Calvário lhe foi dada,
E será Rei da manada
Que vem de longa carreira.

Este Rei tem tal nobreza,
Qual eu nunca vi em Rei:
Este guarda bem a lei
Da justiça, e da grandeza
Senhorea Sua Alteza
Todos os portos, e viagens,
Porque he Rei das passagens
Do Mar, e sua riqueza.

Este Rei tão excellente,
De quem tomei minha teima,
Não he de casta Goleima,
Mas de Reis primo, e parente.
Vem de mui alta semente
De todos quatro costados,
Todos Reis de primos grados
De Levante até ao Poente.

Serão os Reis concorrentes,
Quatro serão, e não mais;
Todos quatro principaes
Do Levante ao Poente. 
Os outros Reis mui contentes
De o verem Imperador,
E havido por Senhor
Não por davidas, nem presentes.

Comendadores, Prelados,
Que as Igrejas comeis,
Traçareis, e volvereis
Por honra dos Tres Estados.
E os mais serão taxados;
Todos contribuirão
E haverá grande confusão
Em toda a sorte de estados.

Já o Leão he experto
Mui alerto,
Já acordou, anda caminho,
Tirará cedo do ninho
O porco, e he mui certo,
Fugirá para o deserto,
Do Leão, e seu bramido,
Demonstra que vai ferido
Desse bom Rei Encuberto.
(...)

Para o caso de haver quem acredite na originalidade de Camões e de Pessoa, vale a pena  olhar à volta e, sobretudo, não desprezar a tradição. Nem sempre as fontes estão à vista ou, melhor, nem sempre vemos as fontes porque porque vivemos de olhos fechados...

* Consultar: António Machado Pires, D. Sebastião e O Encoberto, Fundação Calouste Gulbenkian.

17.11.14

Que farei eu com esta espada?

A pergunta é do Conde D. Henrique: À espada em tuas mãos achada/ Teu olhar desce. / «Que farei eu com esta espada?» // Ergueste-a, e fez-se.»

É a primeira vez que a guerra surge em Mensagem, apesar da 1ª parte - Brasão - surgir sob o lema BELLUM SINE BELLO.
A guerra é um dos fios condutores da obra. Um fio místico, redentor, eivado das novelas de cavalaria medievais, do messianismo de Vieira e do sebastianismo do século XIX...
Vale a pena tomar nota que os cavaleiros-heróis são transformados em mitos, prontos a alimentar a ideologia do Estado Novo:

D. Afonso Henriques, o PAI: (...) a bênção como espada / A espada como bênção!

D. Fernando, o Infante de Portugal, o FILHO: «Dá-me Deus o seu gládio, por que eu faça / a sua santa guerra (...) E eu vou, e a luz do gládio erguido dá / em minha face calma

Nun' Álvares Pereira, o CAVALEIRO: «Que auréola te cerca? / É a espada (...) / Mas que espada é que, erguida, / Faz esse halo no céu? / É Excalibur, a ungida, / Que o Rei Artur te deu. // Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!» 

Na 2ª parte, Mar Português, apesar das vitórias não há sinal de espada, de gládio ou de Excalibur!

Só na 3ª parte, O Encoberto, surge O Desejado: Mestre de Paz, ergue o teu gládio ungido/ Excalibur do Fim, em jeito tal/ Que a sua luz ao mundo dividido / Revele o Santo Graal

Embora a obra termine com a exortação - É a hora! - o Poeta parece estar muito próximo do Apocalipse, abraçando o mito do Quinto Império de Vieira, pois ao AÇO sempre preferiu a LUZ...


16.11.14

Este fulgor baço…

«Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer…» / Fernando Pessoa
Temos rei e temos lei,
temos paz e temos guerra.
Todos sabemos o que queremos,
todos conhecemos quem somos.
(Temos peritos em ansiedade
e até já não há nevoeiro!)
De nada serve ser inteiro
desde que se possa
deitar a mão ao dinheiro…
(…)
Há quem floresça num canteiro
e queira ser quem não é
Não importa se espinho
se erva daninha…
(…)
Para ti
que, longe de ti,
procuras quem és,
cava
e em ti acharás
quem és…