13.12.15

O sofrimento e a dor

Bion (1970*) considera que a dor é o que se instala quando o paciente não tem capacidade de sofrer.

Na minha perspetiva, a incapacidade de sofrer transforma em dor estados de morbidez que só poderão ser ultrapassados através da mudança de atitude.
De certo modo, tudo o que perturba o paciente é por ele atribuído à dor, procurando consequentemente um remédio imediato, o que explica o sucesso da indústria farmacêutica.
Sempre que entramos numa farmácia, verificamos que elas estão cheias, como se fossem um supermercado.
Em muitos casos, a conta da farmácia ultrapassa a do supermercado e ninguém se interroga sobre esta realidade.

O medicamento acaba por fazer parte do cabaz hedonista. O estoicismo tem cada vez menos seguidores.

* W. Bion, L'Attention et l 'Interprétation. Paris: Payot.

12.12.15

Os amigos da linha

Colocar um "post" de um blogue no facebook ou noutra rede social pouco acrescenta. Os amigos estão ocupados com imagens, sons, piadas de mau gosto e, sobretudo, com adulações de todo o tipo.
As hiperligações podem ser maçadoras e obrigam inevitavelmente a uma pausa que coloca os amigos fora de linha.
Hoje, já ninguém quer sair do radar!
Os amigos das redes sociais estão sempre à mão, mesmo quando ignoramos a sua presença, ou eles ignoram a nossa... provavelmente, eles já deixaram de nos ver há muito, mas nós sabemos que eles continuam por ali, em linha.

Estes são os amigos da linha, em regra, o nosso estatuto é medido pela quantidade e não pela partilha. Claro que há exceções! Mas esses têm memória... de alegrias, de dissabores, de encontros e de desencontros e, por vezes, de perdas.
Os amigos da linha ajudam-nos a compreender que a amizade está cada vez mais volatilizada.

11.12.15

Debaixo De Algum Céu

«A história é também muito que não vai contado, porque é fácil contar o que acontece, mas faltam palavras para o resto.» Debaixo de Algum Céu (2013), de Nuno Camarneiro

Neste como em qualquer outro romance, o ser aspira ao Céu, pouco importa se azul, divino, materno ou libidinal...
Nesta obra de Nuno Camarneiro, cada personagem procura a plenitude por mais anódina que ela possa parecer. Por vezes, a felicidade esconde-se na porta ao lado, na cave, nas areias do mar próximo ou na base de dados repleta de personagens capazes de transformar a vida...
O êxito, todavia, depende da vontade, da entrega, da partilha, e não do Céu que tudo cobre, mas se manifesta indiferente às penas humanas, começando pelas do padre Daniel que, de modo desesperado, vive uma vida dupla sob o olhar de Deus...
A ação, como o autor refere no preâmbulo, decorre «num prédio chegado à praia» - espaço fechado - durante oito dias, «os último sete de um ano e o primeiro de outro». E o «tempo é medido em medos, um a cada dia, o tempo certo para que homens tremam e mudem».

Em síntese, um romance que dá conta das agruras da vida portuguesa e que, não certamente por falta de palavras, passa ao lado das festas natalícias, embora o padre Daniel salve o "Menino" e, por algum tempo, o espírito de concórdia pareça sair vencedor.

Nome próprio

Mathieu Delaporte e Alexandre de La Patellière escreveram a peça Nom Propre em 2010. Esta peça deu origem ao filme franco-belga Le Prénon (2012) que obteve nesse ano um enorme sucesso.
Ontem, fui ver a adaptação portuguesa no Auditório dos Oceanos, representada por Ana Brito e Cunha, Joana Brandão, Aldo Lima, Francisco Menezes e José Pedro Gomes, numa encenação de Fernando Gomes.

Trata-se de uma comédia divertida sobre os equívocos da amizade, despoletada pelo nome próprio que um dos personagens finge atribuir ao filho (?) por nascer - Adolfo / Adolfe...
O jantar é de amigos que não perdem oportunidade de confrontarem os respectivos egoísmos, traições e, sobretudo, desencantos... Muitos são os momentos hilariantes, apesar do fel que alimenta os discursos de cada um...

Ontem, o público divertiu-se e deve ter saído a pensar que a fronteira que separa o palco da vida é muito estreita. No entanto, a vida continua: o Adolfo /Adolfe acabou por chamar-se Francisca ... e não era "ameixa"...
Num espaço cénico sóbrio, os atores estiveram no seu melhor, em particular a Ana Brito e Cunha e o José Pedro Gomes.

10.12.15

No tempo e lugar errados

Parece-me que estou a viver no tempo e lugar errados. Por mais que fuja ou explique, não consigo evitar o stresse provocado pelo ruído. Bem sei que a minha perceção auditiva pode parecer exagerada, no entanto sinto-me permanentemente agredido: na rua, na sala de aula, no cinema e até em casa.
Uma porta que range, um parafuso que se precipita, o som da rádio e da televisão, uma voz que se eleva levam-me a um estado de desconforto tal, que, por vezes, me apetece esconder-me. Mas onde?
(...)
Bom seria que na agenda da defesa do planeta e do homem, a poluição sonora não fosse esquecida. O problema é que a maioria (?) parece viver bem neste desconcerto...

9.12.15

O caos citadino

Em dezembro, o trânsito lisboeta é caótico. Descrédito dos transportes públicos, combustível mais barato, pressa de regressar a casa e, ainda, as compras natalícias... O dinheiro parece não faltar, apesar da austeridade.
Por outro lado, para que o caos seja completo, na Lisboa antiga, as obras de recuperação de imóveis não olham a meios - com o apoio das autoridades, os empreiteiros bloqueiam as ruas com camiões e todo o tipo de máquinas. Sinalização nem vê-la!
Avenidas há cujas faixas se veem reduzidas pelo simples facto das cargas e descargas ocorrerem a qualquer hora...

8.12.15

Adab

Agora que o Estado Islâmico reivindica a reconstrução de antigos califados, o melhor seria começar por conhecer a história da literatura árabe humanista. No que me diz respeito, confesso o meu preconceito, embora matizado,  e deploro o meu contributo para a hostilização da cultura árabe, sobretudo porque reconheço que a História e a Literatura me formataram nesse sentido...

(...) 

«La palabra árabe usada para literatura es adab, que deriva de una palabra que significa "invitar a alguien a comer" y que implica matices de cortesía, cultura y enriquecimiento personal

Literatura árabe

«El término adab designa, en una de sus acepciones más comunes, a un género literario bien conocido de la literatura árabe medieval, familiar no sólo para los especialistas sino también para cualquiera que se haya iniciado mínimamente en esta literatura. Sin embargo, esta familiaridad con el termiño no supone un conocimiento preciso de su contenido, y menos aún una correcta valoración de su sentido. Y ahora no ya para los estudiantes o estudiosos ocasionales, sino para los especialistas que se han dedicado a su estudio.» FRANCISCO RUIZ GÍRELA,  La literatura de adab: tratados de Paremiología in extenso.


«El esfuerzo más importante hecho para precisar el contenido de dicho término es seguramente el que realizó el Profesor Carlo-Alfonso Nallíno en un espléndido estudio que presentó como introducción a un curso de Literatura Árabe que dictó en la Universidad de El Cairo a comienzos de este siglo, en 1901. Supone, siguiendo a Vollers, que, etimológicamente, adab deriva de la raíz «d-'-b», que aparece en el Corán en cinco ocasiones, con un sentido único y claramente perceptible en todas ellas: «forma habitual de actuación, costumbre».

«L'adab est une forme prise para la pensée arabo-islamique pour constituer un humanisme qui ne doive point tout au Coran et à la Loi qui en derive.» (Blachère, apud Wiet, 1966: 55).