22.11.16

Da variante africana da língua portuguesa

Na questão das variantes da língua portuguesa, começo a interrogar-me se fará sentido ensinar que há uma variante africana, designação tão genérica que pouca informação nos conseguirá dar sobre o verdadeiro resultado do contacto do português com as línguas locais.
Em territórios extensos e distantes, polvilhados de culturas diferentes, só um estado despótico poderia realizar a homogeneização da expressão dos cidadãos... Como bem sabemos, nem em todos os territórios, tradicionalmente, considerados de expressão portuguesa, há estados, democráticos ou despóticos, capazes  de assegurar a escolarização das populações...   
E mesmo que cada estado conseguisse definir uma política da língua, nunca o faria em nome de uma entidade abstrata, no caso a variante africana.
(...)
Entretanto, em Portugal, os jovens de 15 / 16 anos, que supostamente dominam a variante europeia, vão confessando, por exemplo, ao ler Ondjaki, que compreendem e falam quotidianamente a língua d' "Os Da Minha Rua"...
O que me deixa a pensar que a distante e polvilhada rua africana desagua cada vez mais nas nossas escolas, europeias e portuguesas, sem ser necessário pisar solo africano. Mas fá-lo num registo muito empobrecedor!
(...) Quanto à variante brasileira, o melhor é começar a gravar os «papos» nos centros comerciais, nos cabeleireiros, nos bares e nas fachadas dos prédios...

21.11.16

Nem sei como explicá-lo

Nem sei como explicá-lo, mas é como se o  tempo pudesse ser representado por uma casca espessa, cheia de nós cada vez mais difíceis de interpretar e, em simultâneo, por uma película tão fina que não suporta qualquer enraizamento...
Por mais que se insista que a árvore tem raízes milenares, que é necessário observar o seu crescimento e ramificação, a verdade, mesmo se provisória, é que a folha se move ao sabor da chuva e do vento, à mercê do frio e do calor.
Por um instante, a película parece ganhar consistência, mas rapidamente se perde na confusão dos dias.
Li, há uns minutos, um queixume sobre o ocaso dos amigos, e não pude deixar de pensar que a história de cada vida se assemelha ao curso da folha que já nem o rouxinol ousa travar.  

20.11.16

Impossível, hoje!

«As viagens são consideradas geralmente como sendo uma deslocação no espaço. É pouco. Uma viagem inscreve-se simultaneamente no espaço, no tempo e na hierarquia social.» Claude Lévi Strauss, Tristes Trópicos

A sucessão de lugares, a vertigem do percurso, o tempo insuficiente para encurtar a distância, como se os intervalos nada pudessem contar, apenas dourados estéreis fastidiosos - a viagem...
O espaço só ganhava consistência se houvesse um pouco mais de tempo - raro. Impossível, hoje! E quando espaço e tempo confluíam, isso significava, por um lado, mais folga financeira e, por outro lado, descoberta de desnivelamento social - de desigualdade.
Por aqui, é a bananeira que expõe um cacho de bananas contra a chuva e contra o frio, insistindo numa viagem condenada ao malogro...
Acolá, é a Fundação Calouste Gulbenkian que mostra As Linhas do Tempo que a regem, como se a viagem pudesse ser nossa (1986-1956-2016). A entrada é livre e gratuita!
O difícil é ficar indiferente à riqueza que permite este festim do gosto que inebria e que convida à viagem...
Por mim, hoje, o meu pensamento está com a bananeira...

19.11.16

Na praça José Fontana

O projeto assenta em 38 turmas. Hoje, as turmas são 42. O espaço é o mesmo - consequência: as salas vão aumentar de área, podendo, assim, aumentar o número de alunos... ou, pelo, contrário, as salas vão diminuir de área, de modo a criar gabinetes de trabalho...
Diz-se que o investimento é de 12 milhões de euros para escorar o edifício, modernizá-lo e, pelos vistos, deitar umas salas abaixo. Ou não será nada disto?
Há uns anos, o investimento era de 20 milhões para escorar o edifício, acrescentá-lo, em pisos e salas. O acréscimo não causava problema, o que incomodou muita gente foi a vintena de plátanos que insistem em florescer nos pátios...
Desconfio que daqui a uns anos, nada disto será problema. O tempo tudo cura!   

18.11.16

O Deus deste dia é brasileiro!


Para que diacho fui eu colocar-me "entre ruínas"?
Deus não perdoa! Na sua sapiência infinita, entra por este blogue e provoca-me, acusando-me de não o acolher devidamente - afinal, ele espera que eu lhe solicite ajuda...
Desconfio que o Deus deste dia é brasileiro: os pronomes não enganam (você / seu)... sem esquecer o "relacionamento".
Pessoalmente, preferia estar numa 'relação' com um Deus que me ajudasse desinteressadamente. Afinal, não sou eu que o impeço de cumprir a sua missão.

17.11.16

Por entre ruínas

«A verdade é sempre provisória.» José Fernandes Fafe, A colonização portuguesa e a emergência do Brasil, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2010.

Se a verdade é sempre provisória, o que dizer da mentira?
Provavelmente que, com o tempo, o que era certo deixa de o ser.
Talvez tenha sido por isso que inventaram as religiões - a melhor maneira de contrariar a ideia de que a "morte é certa"...
Dizem-me que os Estados Unidos da América prosperaram porque a religião calvinista admitia que o capital seria a chave da redenção do indivíduo...
Dizem-me, também, que o Brasil se atrasou na redenção capitalista, porque a religião católica sempre foi um entrave ao sucesso da pessoa, porque esta vivia vigiada pelo dogma de fonte divina... isto é, romana...
Por mim, que nada sei, espanta-me que, em 2017, Estados Unidos e Brasil possam vir a viver em convulsão permanente, como parecem anunciar os apelos à guarda pretoriana.

E nós, por aqui, na boca do túnel, por entre ruínas...

16.11.16

Os professores bestiais são raros!

«Basta que (...) para que, nas carteiras, os olhos adquiram outro brilho e o silêncio se torne explicitamente natural e fecundo.» Mário Dionísio
 
Já não basta que o professor se afaste do conteúdo a memorizar ou da resposta a dar!
Logo que as raízes procure explicitar, a interrupção é inevitável " mas isso é história", "mas isso é português antigo ou nem isso - latim, talvez!".
Logo que procure explicar que o nome próprio contém uma história por achar, uma responsabilidade acrescida, um sentido de pertença a não alienar, o silêncio que nunca chegou a ser desfaz-se em grunhidos e em sorrisos gulosos...
Logo que pressinta que tem que voltar a explicar que a comparação são dois termos em que a substância do segundo serve para dar conta da bestialidade do primeiro, alvoroçam-se as mochilas e vão "sa via"  / ou à sua vidinha.
(...)
Para tudo há uma explicação: - os professores bestiais são raros!
 

15.11.16

Nos 100 anos de Mário Dionísio

Para que não se construa o futuro sem memória!

Nos  100 anos de Mário Dionísio, exposição cedida pela Casa da Achada.






Esta exposição pode ser visitada até ao dia 24 de Novembro nas Caves da Escola Secundária de Camões.




14.11.16

Os campos de jogos


Abandonados há anos, os campos de jogos tiveram um custo. Qual? Ninguém quer saber.
Desaproveitados há anos, os jovens não podem exercitar-se ao ar livre, o que também tem um custo. Qual? Pouco interessa se a Higiene e Saúde são descuradas!
Ao longo dos tempos foram identificadas as razões para tal abandono. Não sei se hoje ainda são as mesmas, a verdade é que os arbustos ocupam, imperturbados, os campos de jogos... e os responsáveis dormem, também eles, o sono dos justos.
Com o decorrer dos dias, o assunto vai caindo no esquecimento, e a natureza agradece!


13.11.16

Breve

Não gosto do título "Carta aberta ao Marcelo" do Diretor do DN, Paulo Baldaia! (DN, 13.11.2016)
Embora no artigo, Paulo Baldaia se dirija sempre ao Exmo. Senhor Presidente, a familiaridade do título banaliza a função do presidente da República portuguesa...
Talvez Paulo Baldaia se tenha deixado arrastar pela imagem do presidente da República a estender roupa para as televisões na Cova da Moura...
Neste caso, Paulo Baldaia transforma o DN num jornaleco. Ao Diretor do DN exige-se mais decência...

12.11.16

Por uma escola decente!

Não sei se o senhor ministro da educação faz ideia do nível de língua dominante nas escolas portuguesas. Nem sei se tal preocupação existe... A verdade é que surgem todos os dias testemunhos da pobreza linguística em que a comunidade escolar mergulhou...
A informalidade popular assentou arraiais escorada num único pilar - o calão - linguajar universal tão banalizado que os locutores nem consciência têm do que vão papagueando. De qualquer modo, a promoção do indivíduo (que não da pessoa!) estriba-se na força ilocutória do palavrão...
Já lá vai o tempo em que se defendia uma 'escola participativa'; agora, refere-se muito a 'escola de qualidade'.
Creio, no entanto, que a escola de hoje é o lugar da indecência, da bufoneria... uma escola que aliena, porque favorece o 'indivíduo' em detrimento da 'pessoa'...
Como eu gostaria de estar enganado!

11.11.16

Lição menor

«Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos; sede, pois prudente como as serpentes e simples como as pombas. Tende cuidado com os homens...» São Mateus, Livro II

Embora entenda a mensagem, tenho cada vez mais dificuldade em aplicá-la, pois já não sei como distinguir as serpentes das pombas.
Por outro lado, se observarmos de perto verificaremos que pombas e serpentes se movem pelo interesse que, para simplificarmos, designamos por instinto...
Em conclusão, a prudência também nos pode defraudar.

10.11.16

Dispersei-me mais uma vez!

Dispersar: Fazer ir para diferentes partes.
Dispersão biológica: conjunto dos processos que possibilitam a fixação de indivíduos de uma espécie num local diferente daquele onde viviam os progenitores.


Hoje, fui acusado de dispersão!
Lembrei-me, de imediato, do professor e comunicador Vitorino Nemésio. Não podendo ombrear com tal referência da cultura lusófona, pus-me a pensar se a acusação não teria origem numa qualquer doença do espírito... Consultei três dicionários, um de Filosofia, outro de Psicologia e, finalmente, um de Psicanálise. Nenhum deles aborda a "dispersão" como doença mental...
Insatisfeito, ainda pensei nas recentes neurociências, mas sem resultado... até que dei comigo a magicar nos processos migratórios e, em particular, nos degredos a que foram condenados milhões de homens, mulheres e crianças na Alemanha, na URSS e na China ( ver 'Gulag'), só para me situar no séc. XX.
Neste momento, dou conta que já entrei em dispersão, embora sem vítimas, penso...
Não sei se desista, porém apercebo-me que a acusação é a expressão do desprezo absoluto do que de positivo e de negativo a História oferece - um desprezo gerado pelo sistema de ensino que, alguns, ainda designam por 'sistema educativo'...

Sem saberem, os acusadores acusaram-me de os 'querer fazer sair' do habitat em que se sentem confortáveis - a caverna da alegoria... de Platão. A minha luz está a apontar-me o dedo " não digas nada, esquece Platão, a caverna, e nunca pronuncies a palavra 'alegoria'... limita-te ao Pavlov, mas nunca o cites".

Peço desculpa! Dispersei-me mais uma vez. Vou regressar à caverna... E acabar com as hiperligações!

9.11.16

A consequência

«Quem semeia ventos, colhe tempestades.» provérbio

Acordei cedo e esbarrei na incerteza.
No entanto, o resultado já não oferecia dúvida.
E pensei: - O que é que irei dizer aos meus jovens alunos sobre o futuro determinado por estas eleições americanas?

De súbito, o provérbio esclareceu-me a resposta. Donald Trump abateu-se sobre todos nós como uma tempestade. Esta, porém, mais não é do que a consequência. De nada serve querer, agora, exorcizá-la.  
Porquê?
Porque não há consequência sem causa, ou seja, o problema foi criado por todos aqueles que, nas últimas décadas, soltaram os ventos da desigualdade e da iliteracia... ( as dinastias, as oligarquias, as plutocracias...)
Por enquanto, vou esperar que depois da tempestade surja a bonança... e que não seja necessário elevar uma forca em cada praça...

8.11.16

As eleições nos Estados Unidos

A imprudência é um comportamento que, creio, deve ser imputado à ignorância. Ora, nos países mais ricos, dominados pelas elites mais esclarecidas, servidos por tecnologias de ponta e por armamento cada vez mais sofisticado e destruidor, há cada vez mais pobres cujo acesso à escola não vai além dos rudimentos necessários à sua identificação.
Identificação que não identidade! Estes ostracizados têm em comum o desprezo absoluto pelo cosmopolitismo e pelo liberalismo, pois este encontrou meios de os marginalizar, amputando a liberdade a todos prometida...  Liberdade, em termos de sucesso individual no seio da comunidade, apenas reservada aos acumuladores de riqueza.
Aquilo a que estamos a assistir nos Estados Unidos é à destruição da democracia através da subversão total do conceito de liberdade.
Depois do acentuar das desigualdades, do colapso das doutrinas da fraternidade, laicas ou religiosas, entrámos num tempo em que, através do voto, a imprudência pode tornar-se um instrumento de terror e de caos.
A questão já não está em saber quem ganha as eleições, mas em perceber se a partir de amanhã restará de pé algum pilar do sistema democrático. Ou seja, se não iremos assistir ao enterro dos pais fundadores...   

7.11.16

Da imprudência

«Na sociedade estado-unidense reina a liberdade de culto e não há religião de Estado. Porém, com os que não professam nenhuma religião essa tolerância diminui. Porque a sociedade é fundamentalmente e esmagadoramente religiosa (desta ou daquela Igreja, desta ou daquela seita). Daí que, se um negro pode ser presidente dos Estados Unidos, um ateu ou um agnóstico... pomos dúvidas.»  José Fernandes Fafe (2010), A Colonização Portuguesa e a Emergência do Brasil, pág. 63, Temas e Debates / Círculo de Leitores.

Se, amanhã, Donald Trump ganhar as eleições, as fronteiras elevar-se-ão no interior da União. O grande império americano chegará ao fim, à semelhança do que aconteceu com a URSS.
E nós, ficaremos à mercê dos ventos da discórdia...
Por hoje, resta-me a esperança de que José Fernandes Fafe tenha razão, pois não conheço o Deus de Trump, embora pressinta que os fundamentalismos o sirvam fielmente.

6.11.16

O pai foi em viagem de negócios

Emir Kusturica nasceu a 24 de novembro de 1954, já no final do período informbiro (1948-1955), tempo em que Tito rompeu com Staline... A palavra informbiro designa o modo pelo qual os Jugoslavos se referiam ao Cominform, uma abreviação para "Secretariado  de Informações".
É dessa época que Kusturica extrai o argumento do filme "Otac na Sluzbenom Putu"  (O pai foi em viagem de negócios), realizado em 1985.
Quem nos conta a história é o pequeno Malik que, de início, acredita que a ausência do pai se deve a negócios, mas que, com o tempo, perceberá que a razão é outra. O pai, apesar de deportado pela polícia política ... foi vítima de cupidez.
Malik conta-nos, assim, a odisseia da família num cenário político de traição e convenção, em que o dinheiro acabará por ser o único valor.

5.11.16

Afinal, eu não sou geek!

Chamada de “Davos para Geeks”, a Web Summit realiza-se entre 7 e 10 de novembro no Meo Arena e Feira Internacional de Lisboa (FIL), e traz consigo vários eventos paralelos que juntarão os mais institucionais e os mais informais, em momentos de discussão, mas também de descontração, como a Night Summit e os Pub Crawls ou a Surf Summit, que arranca hoje na Ericeira.
Os bilhetes para a Web Summit custavam 900 euros cada um. Para jovens entre 16 e 23 anos, a organização vendeu ainda milhares de bilhetes promocionais a nove euros.

Afinal, eu não sou 'geek'! Estou fora do padrão de peculiaridade ou de excentricidade  que carateriza estas 'pessoas'. Tenho bem mais de 23 anos e o que ganho não me permite adquirir um bilhete por 900 euros para este evento... Provavelmente, esta minha ausência acabará por significar que eu sou qualquer coisa como 'uma não pessoa', fazendo, desde já, parte da 'peste grisalha', que não merece qualquer respeito... até porque na Web Summit pouco restará da língua portuguesa.
Há, no entanto, algo que eu posso assegurar é que, de 7 a 10 de novembro, ninguém me apanha no Parque das Nações...  

Geek (pronúncia no IPA: [ˈgiːk]) é um anglicismo e uma gíria inglesa que se refere a pessoas peculiares ou excêntricas, fãs de tecnologia, eletrônica, jogos ...

4.11.16

Ser diretivo

Depois de tanto tempo a desconstruir, decidi que, doravante, serei muito mais diretivo...
O que é que isto significa?
É simples! A construção do 'novo' círculo esgotou-se - a liberdade extravasou de tal modo que a comunicação definhou...
O anseio voltou a ser de clausura - eliminação da razão e aposta em tarefas que matem qualquer tempo de partilha construtiva...
É como se a consciência se tivesse esfumado ou a ciência tivesse perdido o sentido da sua edificação.

Ser diretivo é levar a cabo um processo de robotização.

3.11.16

Operação Zeus

Vivir a la ocasión. El governar, el discurrir, todo ha de ser al caso. Querer quando se puede, que la sazón y el tiempo a nadie aguardan. Baltasar Gracian, Oráculo manual y arte de prudencia.

Tudo leva a crer que chegámos a um ponto em que a ocasião faz o ladrão. Não há dia em que não decorra uma investigação a crimes de corrupção ativa e passiva. Desta vez, está em curso 'a operação Zeus'. Pobre Zeus!
Lá vai o tempo em que a honestidade (a honra) determinava os limites à ação humana, exigindo uma resposta rápida e adequada a cada situação, e na medida do saber e do poder de cada indivíduo.
Desprezados o saber e a honestidade, cada um deita a mão ao que pode, uns de forma discreta, outros à tripa forra.

2.11.16

A circunstância

Hay a veces entre un hombre y otro casi otra tanta distancia como entre el hombre y la bestia, si no en la substancia, en la circunstancia; si no en la vitalidad, en el ejercicio de ella.
                           Gracián, Baltasar: El discreto

A diferença não se encontra na substância, mas, sim, na circunstância. Um ditador na Venezuela, na Guiné Equatorial, na Turquia, na Síria, na Coreia do Norte, na Rússia ou a caminho da Casa Branca, não se distingue, em substância, dos condenados à morte, ao desemprego, à pobreza - à miséria, tout court.
De facto, é a circunstância que permite que uns tantos se apropriem do poder - não interessa, aqui, a sua natureza - para esmagar as restantes criaturas... E a circunstância, como se sabe, é feita de espaço e de tempo de que o ditador se vai apropriando para melhor gerir a sua bestialidade, apesar de, neste caso, a propriedade nada dever a quem carrega o peso da falta de alma...

31.10.16

Os Frutos da Terra, de Knut Hamsun

Embora haja quem o considere o autor europeu mais influente em 1920, ano em que lhe foi atribuído o prémio Nobel de Literatura, a verdade é que, até esta data, eu nunca lera nada do norueguês Knut Hamsun (1859-1952).
Acabo de ler Os Frutos da Terra (1917), romance que me foi oferecido com uma menção que me deixou perplexo - esta narrativa corresponderia ao meu rosto... Li-o, assim, na perspetiva do margrave Isak, o colono que ousou desbravar terras norueguesas inóspitas próximas da Suécia...
Esclareça-se desde já que desconhecia por inteiro o termo "margrave" e, sobretudo, que significa "título dado outrora aos príncipes soberanos de certos estados fronteiriços da Alemanha." Quanto ao título, não vejo razão para que alguém me considere "margrave", apesar de, por vezes, me sentir posto à margem, e não senhor da "margem", relembrando, agora, que um dia distante, Maria de Lurdes Pintasilgo me terá dito que toda a margem tem um centro...
De qualquer modo, li as 382 páginas em muito pouco tempo, pois a narração é suficientemente diversificada para, a partir de um núcleo - Sellanraa - se dispersar por vários caminhos que põem diante do leitor: a apologia da sociedade agrícola, a fraqueza do dinheiro, a precariedade da vida urbana e principalmente dos valores em que esta assenta, sem esquecer a fogosidade da mulher, capaz de incensar o companheiro, mas também de o desprezar e de matar os próprios filhos...
O romance termina com a vitória do modelo rural sobre a modernidade, abrindo caminho a um certo de tipo de sociedade patriarcal que tantos estragos viria a provocar na primeira metade do século XX... o que, talvez, explique a simpatia de Knut Hamsun pelo regime nazi...
Enfim, apesar de publicado em 1917, não encontrei qualquer referência à Primeira Grande Guerra. Explosões só as resultantes da extração de azurite - pedra ideal para eliminar os obstáculos que se nos atravessam na vida.

30.10.16

Uma alfarrobeira!


Uma alfarrobeira! Esta situa-se na Portela.
Há anos que a observo, um pouco surpreendido pois não vislumbro outra por perto...
O nome árabe começou por designar "vagem", depois o povo encarregou-se de misturar as línguas, por um processo bem simples... Se a árvore se distinguia pela suas vagens, nada impedia que com um prefixo árabe e um sufixo comum "eira", o compósito designasse o todo.  Nada que eu não descubra em mim próprio: nascido com algum "cabelo", logo houve quem lhe acrescentasse o sufixo "eira". Esqueceram-se, no entanto, do prefixo "al", provavelmente porque a Inquisição andava mais ocupada em acabar com os judeus...
Nada disto fará sentido. Todavia, um destes dias, a alfarrobeira interpelou-me: o cheiro que ela libertava era tão intenso que, de súbito, me ocorreu que na minha aldeia (terra de figueiras) também terá existido uma alfarrobeira... e ao cheiro associei um sabor adocicado. Só não sei onde é que crescia tal alfarrobeira! Talvez no adro da capela de Nossa Senhora da Luz!  

29.10.16

Da Biblioteca Nacional ao C.C. Vasco da Gama

Durante a manhã, entrei na Biblioteca Nacional, em Lisboa. O objetivo era ver a exposição sobre Vergílio Ferreira, nascido em 1916. Situada na "sala de referência", a exposição ocupa uma parede, não toda, porque ainda há espaço para expor o acervo traduzido de Bob Dylan, recente prémio nobel da literatura, que Vergílio bem gostaria de ter recebido... De tudo o que observei, fica-me na retina a letra miudinha do autor, homem certamente tímido e introvertido. E também a máquina fotográfica, ferramenta imprescindível ao "realismo" do escritor...
O espaço silencioso daquela sala convida a que se revisite os catálogos e por entre eles acabei por descobrir o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), com inevitável alusão ao Prólogo, mas o que, desta vez, despertou a minha atenção foi o volumoso in-fólio inquisitorial, onde o Censor dá prova de atenta leitura, ao apontar de forma minuciosa as passagens que teriam de ser cortadas.
Sem querer referir todas as pequenas "celebrações", convém, no entanto, não perder a exposição Da Feliz Lusitânia à Felix Belém.
Em síntese, talvez por ser sábado, fiquei com a sensação de que a BN já terá sido um lugar mais procurado - havia 10 leitores na Sala de Leitura Principal.

Durante a tarde, desloquei-me ao Centro Comercial Vasco da Gama. O bulício era tal que cheguei a pensar que o Natal estaria à porta.

28.10.16

Na morte

Na morte, aplaudimos.
Selecionamos os lugares, as ações, os acontecimentos em que tudo foi harmonia, entrega, paixão e amor ao próximo.
Na morte, somos filhos do único deus que nos concebeu sem mácula, que proibiu as fraquezas...
Na morte, estamos todos de acordo.

Em vida, a inveja cega. O interesse esmaga. A vaidade despreza...

Na morte, batemos palmas. Não se sabe é a quem...

27.10.16

O problema de José Sócrates

Mas o que torna uma liderança carismática? Sócrates responde. “As lideranças carismáticas são, muitas vezes, um produto das crises. As pessoas revelam-se nessas alturas de crise. O carisma é sempre algo de excecional, de fora do comum. O maior inimigo do carisma é a rotina”. Em entrevista à TVI

Carisma. S.m. 1. Força divina conferida a uma pessoa mas em vista da necessidade ou utilidade da comunidade religiosa. 2. Epilepsia (v. carismático*). 3. Atribuição a outrem de qualidades especiais de liderança, derivadas de sanção divina, mágica, diabólica, ou apenas de individualidade excecional. 4. O conjunto dessas qualidades.

José Sócrates tudo faz para vender o novo livro, escrito a quatro, seis mãos...
Ataca agora António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa porque lhes falta CARISMA. Ainda bem!
Ele, sim, é um líder carismático porque soube enfrentar a crise. Será que alguém duvida do seu contributo para a solução dos problemas dos portugueses? Ele está convencido de que é nos momentos de crise que se revelam os líderes carismáticos. Eu também, acredito que a liderança pode afirmar-se nessa situação.
Só que dispenso o "carisma", pois se há alguém que se tornou «popular» e "célebre" durante e após a crise foi ele, José Sócrates. E porquê? Porque lhe faltou a necessária educação para destrinçar  o que é do interesse público do que é do interesse pessoal... e seus amigos.
O problema de José Sócrates é um problema axiológico. E já é tarde para aprender que nem todos os meios justificam os fins. Dir-se-á que Sócrates nunca leu Maquiavel ou, pior, não sabe lê-lo! 

26.10.16

Só vejo deseducação...

« In rem omnem diligentia.» Cíc. Fam.

Hiperatividade. Déficit de atenção. Estes conceitos dominam o discurso de pedagogos, psicólogos, pais e docentes.
Tempos houve que bastava a noção de desatenção. Dispersão.
Avesso a modas, fui observando os comportamentos e dei conta de que a indisciplina  se ia instalando - primeiro combateu-se a disciplina do Estado Novo, e, mais tarde, a vontade democrática passou a ordenar...
Entretanto, com a instalação do pântano democrático e o consequente desmoronamento dos valores, a hiperatividade e o déficit de atenção instalaram-se...
Quanto mim, só vejo deseducação.

Os Antigos bem sabiam que o sucesso  só  estava ao alcance de quem se concentrava totalmente no objetivo.

25.10.16

A arte e a bestialidade humana

Conhecer o território? Compreender as migrações, forçadas ou não, e o seu contributo para a dignificação, por exemplo, da mulher nas cortes do nordeste peninsular? Perceber que a cortesia ( o amor cortês) foi essencial para a elevação da condição feminina na Idade Média pouca interessa...
Afinal, em termos civilizacionais, a arte parece ser pouco mais do que um ato gratuito, fruto da ociosidade de alguns, privilegiados, ou um serviço prestado a um mecenas, ávido de glória terrena e de reconhecimento eterno.
E mesmo que assim fosse, a boçalidade reinante é tão impulsiva que falta o tempo para olhar o passado como lugar e tempo de aprendizagem... Porém, sobra tempo para dar expressão a tudo aquilo que a Arte, desde sempre, procurou combater: a bestialidade humana.

(Este apontamento assinala os hiatos em que a voz se cala para ouvir as verdades babélicas que crescem sem qualquer freio... Se as deixarmos à solta, a Torre acabará por ruir.)

24.10.16

Das palavras, hoje

Umas são caras, outras raras, sem esquecer as feias - as palavras.
Hoje, aprendi que "discípulo" é uma palavra feia.
Ontem, descobri que há palavras inefáveis, de tão raras. Por exemplo, "polissénantica"!
Há dois dias, soube que 'obsceno' é o termo adequado ao nível lexical da "oratória".
Há até palavras que mudam de fatiota de acordo com a essência do locutor: "incenscial", "icensial", "incensial"
- Que tal vai a mixórdia? Numa versão de última hora: - Que tal vai a "michórdia"?

23.10.16

No museu de Cerâmica de Sacavém


Por mais que o queiramos ignorar, a verdade é que envelhecemos, o que não quer dizer que o tempo passe e, sobretudo, que tudo possa desculpar, em particular, a mistificação.
No Museu de Cerâmica de Sacavém, duas exposições a não perder: uma sobre os móveis OLAIO, empresa que não conseguiu sobreviver aos ventos democráticos; outra sobre a Fábrica de Loiça de Sacavém, definitivamente perdida, no dia em que as FP25 assassinaram o administrador, Diamantino Bernardo Monteiro Pereira. 
A visita a estas duas exposições é um bom testemunho do que aconteceu em Portugal com o desmantelamento de muitas empresas, apesar do slogan de Abril SACAVÉM EM LIBERDADE É OUTRA LOIÇA!... 

22.10.16

Woody Allen, 2016

Resultado de imagem para Café SocietyNovo filme, bem realizado, simpático, com os temas de sempre, embora com um ajuste de contas entre Hollywood e Nova Iorque. Os judeus noviorquinos, para o bem e para o mal, superam a artificialidade hollywoodesca.
Claro que há outras contas por ajustar entre o judaísmo e o cristianismo, entre a identidade e a alteridade...
E, principalmente, na música e nos amores, o que predomina é a autorreferencialidade, mesmo que o  realizador já tenha dobrado o cabo dos 80 anos...

Quanto ao público, na maioria, já dobrara os 60 anos... e continua a rir, como sempre... Por vezes, parece que ri de si próprio.  

21.10.16

Sibilas ressabiadas

"Vem aí mau tempo. Inundações e cheias nos próximos dias" - diz a notícia... que prevê. Outrora, a notícia informava.

E nós, indiferentes ao oráculo! E nós, desconfiados do oráculo, pois este só anuncia a catástrofe quando pode tirar proveito ou, pelo menos, tomar partido...
No que me concerne, detesto a astrologia, sobretudo, porque ela passou a ditar os acontecimentos que bem podiam ser diferentes se não lhes dessemos tanta atenção.
As notícias são cada vez mais promessas de sibilas ressabiadas. A comunicação social está pejada dessa espécie satânica, e o mal que provoca é incalculável...

20.10.16

Viva a Propaganda!

Mário Draghi: «...são necessárias reformas ambiciosas e o governo português sabe disso

Há anos que, por esta altura, surge este estribilho. É o momento em que se apresenta e debate o OGE.
Mudam os Governos e o estribilho regressa. O que me intriga é que ninguém explicita quais são as reformas adequadas ao país... e na verdade, nos últimos anos, não foi feita qualquer reforma, a não ser cortar nas reformas e... adiar as reformas... 

O resto é propaganda! Finge-se que se repõem vencimentos e reformas, mas não é possível repor o que se perdeu ou o que se não progrediu, até porque, em simultâneo, as taxas e as multas multiplicam-se... O que diminuiu foi o consumo, embora se persista em insistir no contrário...
Entretanto, em finais de 2016, seremos menos 0,4%!

PS. Reposto o vencimento de  2011, aplicadas as deduções referentes à ADSE, CGA e IRS, acabo de verificar que passei a receber menos. Viva a Propaganda!

19.10.16

Riem em coro...

Eles não sabem, nem sei se algum dia chegarão a saber, mas deste modo não irão a lado nenhum... O esforço é mínimo, a convicção máxima; já pouco lhes resta por aprender.
Provavelmente, argumentarão que já não há onde ir, e que eu há muito o devia saber - o país já foi; resta uma múmia para turista visitar.
Entretanto, riem em coro, não sabendo porquê, talvez do que 'acham' ver: ninguém pensa, imagina, estima, acredita, crê... apenas 'acha', e 'acham' a todas as horas, em todos os lugares, independentemente da situação, porque estas são todas iguais, as situações...
Alinhados, lembram-me os periquitos de colar, uma espécie exótica que esvoaça ruidosamente sempre que um espectro se move na copa dos plátanos...
O que parece gratuito e absurdo é, afinal, consistente e lógico!

18.10.16

E eu nada posso!

Agora que a persiana voltou a subir, a luz dilui-se na fachada, e, por cima do prédio, as nuvens cinzentas imobilizam-se numa promessa ambígua, apesar do braço do Tejo, sequioso, serpentear o verde aluvião resultante do desleixo humano...
A fachada divide-se, agora, em duas, e no topo, a luz torna-se mais solar; por seu turno, o rio escurece à espera que a nuvem cumpra o seu destino.
Os olhos distraem-se da atenção do dia - ruas cheias de manjedouras, intermináveis filas de carros, leituras cruzadas na sala de aula -, perscrutando quatro parabólicas de antanho, esquecidas ou que, talvez, esperem captar um qualquer sinal extraterrestre...
Entretanto, a luz continua a subir a fachada, deixando as persianas na sombra... as nuvens estão, agora, numa fase de diluimento, alongando a toalha, ambígua, sobre o Tejo, à esquerda...
E eu nada posso! 

17.10.16

O gesto absurdo

É quase noite! Ou melhor, a luz solar vai diminuindo... de súbito, quando decidira verificar se a luz artificial se anunciava, a persiana baixou, indiferente ao desejo, absurdo.
Segundos antes, pensara que aos leitores só interessam as primeiras palavras, e não querendo ceder à gulodice, caio na dúvida se o sentido ainda existe, absurdo.
Nesse intervalo, relembro o gesto, absurdo, em plena rotunda do relógio - abro a porta, verifico se o cinto ficara preso, ou talvez a aba do casaco, azul às riscas, vinte anos, vestido pela primeira vez na defesa de uma leitura imagológica, absurda como o tempo se encarregou de provar... afinal, a senhora, a mando do marido, queria saber para que lado ficava o aeroporto.
Do outro lado da rotunda, ainda avistei uma interminável fila de taxistas da semana anterior, absurda - só eu é que a via; o casal não queria saber da luta, só queria as chegadas ou, melhor ainda, as partidas...
Se a alvorada fosse minha, teria partido em vez de ficar a pensar no gesto absurdo, pois o que a senhora queria de mim era que eu baixasse o vidro naquele semáforo que, entretanto, passara a verde, indiferente ao casaco absurdo que um dia fora comprado para celebrar uma iniciação absurda...
Se o leitor chegasse ao absurdo do dia que anoitece, cerraria as pálpebras e, no absurdo, ficaria até que o semáforo se esfumasse.  

16.10.16

Costureira, me confesso

Se cada ano fosse apenas um dia, estaria, hoje, a iniciar o sexagésimo segundo dia - um trilho cuja duração não parece ter sido definida à partida, isto contrariando o Diderot, para quem tudo estado está escrito "lá-haut, dans le grand rouleau"... Claro que este dia incluiria a noite, a grande mistificadora...
Às voltas com um PC que, a cada passo, interrompe a elaboração de um qualquer teste, porque lhe apetece ou porque entende que eu, hoje, deveria entrar em modo de pausa... concentro-me numa afirmação, para mim, inesperada de Claude Lévi-Strauss e relembro o Sartre e, em particular, o Vergílio Ferreira:

«Quanto à corrente de pensamento que iria expandir-se com o existencialismo, parecia-me que representava o contrário de uma reflexão válida em virtude da complacência que demonstrava relativamente às ilusões da subjetividade. Essa promoção das preocupações pessoais à dignidade de problemas filosóficos implica um risco de desembocar numa espécie de metafísica para costureiras...»
                             Claude Lévi-Strauss, Os Tristes Trópicos.

A verdade é que, não sendo capaz de formular um problema filosófico em que eu não participe, me vejo, ao sexagésimo segundo dia, incapaz de vislumbrar o fim do trilho, caindo, assim, numa abordagem própria de uma exemplar costureira que só dá a obra por terminada quando o fio se quebra...

15.10.16

Até amanhã!

Depois da estranheza do prémio nobel de literatura atribuído a Bob Dylan, da morte de José Lello, da apresentação do orçamento recheado de "toma e tira" para que o poder não lhes fuja... exposição de orquídeas na Estufa Fria (só até amanhã!), e assim como quem não quer saber do que se está a  passar em Alepo, uma hora e quarenta e seis minutos na Sala Manoel de Oliveira - 17ª Festa do Cinema Francês - também só até amanhã!
"Les Malheurs de Sophie" (ou Les Désastres de Sophie?), uma comédia dramática, por vezes hilariante, mas um pouco violenta para crianças de seis ou sete anos. Bien sûr, a culpa é da madrasta! Eu acabei por sair cansado...
Até amanhã!