13.11.12

Dia XXXIII

Por vezes, os dias são enfadonhos! Hoje, no entanto, há acontecimento. Três alunos apresentaram oralmente obras de épocas distintas, mas significativas: O Auto da Alma (1518), de Gil Vicente; A Birra do Morto (1973), de Vicente Sanches; De Profundis Valsa Lenta (1997), de José Cardoso Pires . As duas primeiras no âmbito do contrato de leitura; a última no âmbito do projeto individual de leitura.
Sem qualquer ajuste prévio, as três tratam da vida e da morte, cada uma à sua maneira. Para a primeira, alegórica, a morte feliz é um lugar que deve ser metodicamente  preparado, apoiando-se na Igreja e nos seus Doutores ( os pilares da  estalagem); para a segunda, burlesca, a morte deve ser evitada a todo o custo mesmo que os regulamentos sejam taxativos quanto ao destino de quem, por erro, seja oficialmente declarado morto; para a terceira, é possível regressar da morte e, sobretudo, através da escrita parece possível reconstruir a memória de um tempo sem retorno... e esse renascimento é de lenta aprendizagem...
(Os leitores - Eduardo, João e Diana - estão de parabéns porque deram conta do prazer que a leitura lhes despertou e porque conseguiram cativar os respetivos auditórios.)
    

12.11.12

Dia XXXII

I - A referência deítica. Volta a ser necessário clarificar o significado de deítico como apontador, indicador para o exterior da linguagem ( do signo linguístico: significado+ significante) - o referente. Também este último termo oferece resistência, embora o princípio esteja no objeto, na coisa (res). Afinal, na família de palavra, encontramos: referir, referir-se a, referente, referência, referencial... O jogo de palavra acabou por  gerar uma comparação com docência, docente / ensino, professor, ensinar... Falta, no entanto, o verbo docere
II - Novo problema terminológico: distinguir o valor deítico do valor anafórico de certos termos. E abstive-me de problematizar o significado do vocábulo valor. E a dificuldade começa com a necessidade de recapitular o significado de anáfora (retórica, tropologia, estilística) - figura de repetição de palavra ou expressão no início de verso ou de frase...

III - Na Literatura, a dificuldade resulta da falta de atenção, (alheamento quase involuntário, estado de alma intermitente). Mas lá caminhámos lentamente do neoclassicismo das duas arcádias (Arcádia Lusitana e Nova Arcádia) que apostavam no lema inutilia truncat (objeto: barroco) para Almeida Garrett que, embora formado como árcade, vai rompendo com o rigor da mimesis clássica para um terreno mais popular, mais intuitivo e mais sensorial. Claro que foi necessário regressar à educação de Garrett, mas também voltar a explicar a importância ideológica e literária de um projeto como o Romanceiro. Esta mistura do arcadismo com a oratura torna-se explosiva!
E por isso nos ficámos no poema "Sine nomine corpus" / Corpo Despido. E também a interpretação se torna penosa, fundamentalmente porque, em termos de composição, Garrett apostou numa comparação, e o intérprete continua sem perceber que a comparação supõe dois termos e que, neste caso, o primeiro termo serve o segundo. O romântico fala da sua tristeza, da sua desilusão e para melhor explicar como chegou a esse ponto recorre à comparação com a árvore abrasada pelo fogo do estio, como se a intensidade da paixão acabasse por ser a causa do seu apagamento... e por isso o poema começa por "Qual tronco despido (...) Assim ao prazer, /À dor indif'rente, /Vão-me horas de vida..."
Talvez amanhã enxerguemos o árcade que habita nas Flores sem Fruto!

11.11.12

Duas ideias a propósito do futuro

«Quando o passado foi um pesadelo escuro / quem é fiel ao passado atraiçoa o futuro.» Os versos são de Tomás Ribeiro Colaço (1899-1965), citado por Maria Archer (1899-1982) num artigo intitulado A Gente Nova e a Emigração, Cadernos Coloniais, nº 32.

A - O atual partido socialista necessita de, uma vez por todas, romper com o passado recente, mesmo que pressinta / saiba que a situação que vivemos não resulta apenas de cegueira ou excessivo optimismo de anteriores governantes. O PS não pode continuar a viver na ambiguidade! Se este partido não separar as águas arrisca-se a ter o destino do partido socialista grego... e o país ficará à deriva.

B - Quanto ao futuro da gente nova, nas palavras esclarecidas de Maria Archer, só fará sentido emigrar se levar consigo «mais do que braços obreiros e boca faminta». Pelo menos, esta gente nova necessita de conhecimento e de técnica. « Quem emigrar confiando apenas no arrimo dos braços procura o coval das suas esperanças.»




Interlúdio X

I - De modo a preparar a leitura do texto " 1 de Fevereiro de 1908", de Raul Brandão (Manual 32-33), clica nos seguintes links:
http://histeblog.blogspot.pt/2010/11/o-regicidio.html
http://www.youtube.com/watch?v=GCcCEC8YGPg

8.11.12

Do trabalho

Por razões que para o caso pouco interessam, em 1998, interrompi uma linha de investigação que, agora, retomo. Seguia à época um caminho de leitura centrado no continente africano e, sobretudo, nas imagens construídas pelos africanos e pelos europeus. Exercitava, então, um tipo de leitura que considerei imagológica.
Nos Cadernos Coloniais, editorial Cosmos, Lisboa, 1936, é possível identificar muitas dessas imagens que ajudaram a desenhar o imaginário do colonizador, mas também o daqueles que, desde cedo, combateram o colonialismo.
O Caderno nº 31 é constituído por um conjunto de artigos da responsabilidade do Padre Alves Correia (1886-1951). Vale a pena, creio, indicar aqui os títulos: a) Processos educativos, antigos e modernos, nas Missões religiosas portuguesas; b) Na evangelização da África; c) Na Índia  Japão e China; d) Processos peculiares em Solor e Timor; e) Brasil coroa do nosso apostolado; f) Nas missões ressuscitadas / Processos Novos.
Fácil é perceber que os agentes da missionação não aplicaram o mesmo modelo de educação /evangelização no terreno e que a doutrina era condicionado pela imagem que as ordens religiosas tinham do outro e, consequentemente, do lugar que poderiam ocupar no futuro dos territórios.
E quanto à visão do outro (do mundo) do Padre Alves Correia basta ler o seguinte excerto:

«Hoje está assente, entre todos os missionários do mundo, que a civilização cristã deve basear-se na organização do trabalho total do homem evangelizado; que a catequese doutrinal é pouco menos que inútil, se não se tiverem formado hábitos de trabalho nos catequizados; elevação do nível da vida, necessidades morais provenientes desta elevação, meios de satisfazer tais necessidades promovidos pelo exercício da actividade física e desejo crescente de instrução, que leva o homem à educação da inteligência, do coração, como do próprio corpo.»

Ora, parece que, atualmente, os nossos governantes têm fraca imagem do trabalho! E insistem em destruí-lo, sem perceber que é muito mais fácil destruir do que construir.


XXXI

I
a) Nós, hoje, estamos desconfiados dos deíticos!
b) Eles desconfiam dos deíticos.

Em a) considerando que a ação verbal decorre na sala de aula, o locutor envolve o interlocutor numa atitude de desconfiança em relação ao objeto. A situação de comunicação é partilhada devido à novidade e à utilidade do conceito.
Uma observação atenta do enunciado a) cria nos interlocutores uma relação de cumplicidade muito diferente     da que é exposta em b) O facto só nos interessa em termos de informação, não nos envolve.

Em termos esquemáticos, o enunciado a) é constituído por dois deíticos temporais: "hoje" /"estamos" advérbio - presente do indicativo, e por dois deíticos pessoais "nós" e -mos" - pronome pessoal e morfema verbal.

II - Na aula de Literatura (apoio), não houve qualquer cumplicidade: sem interlocutor.

III - A análise do discurso da sala aula, se rigorosa, acaba por mostrar que em simultâneo com o discurso institucional se desenvolvem discursos privados, sujeitos às mesmas regras que, no entanto, mais não são que formas de "ruído".

7.11.12

Dia XXX

I - No teste de Literatura, para além da pouca leitura, surge o problema do incumprimento das instruções. Não se trata de incompreensão, mas de desleixe.
 
II - Com metade da turma em visita de estudo, os restantes foram confrontados com a biografia do autor, de modo a procurar a presença da vida na obra. No caso, a presença da mulher no poema " A Minha Rosa".
Na nota biográfica do autor, é dito que, em 1846, Garrett conhece Rosa Montufar, Viscondessa da Luz... (Será o poema A Minha Rosa anterior ao conhecimento de Rosa Montufar?)
Por outro lado, a nota biográfica regista a vida, a obra e faz alguma referência ao romantismo (introdução)... o que permitiu atentar nos títulos, como, por exemplo, Dona Branca (1826) e Romanceiro (1843/1851)... 
E ao fazê-lo, abriu-se a porta à particularidade do Romanceiro corresponder a um projeto ideológico de fixação da oratura e da traditio, mas que teve forte influência na técnica compositiva do autor. ( Não sei por que motivo se insiste em literatura oral ou tradicional em vez de oratura!)  
O século XIX, romântico, acaba por simultaneamente valorizar os romanceiros e redescobrir os cancioneiros, tudo em nome do génio popular!
A leitura, fragmentada, da nota biográfica levou a que, sumariamente, fosse chamada a atenção para outra mulher na vida do autor - Adelaide Pastor (1837 - 1841). Dessa relação nasceu Maria Adelaide, que acabará por assombrar, por exemplo, Frei Luís de Sousa (1843) - a infeliz Maria... Tudo porque, afinal, Garrett, embora separado, ainda estaria casado com Luísa Midosi (1822)...