20.11.12

Dia XXXVII

A - Atos ilocutórios. A surpresa do conceito é suprida pela retoma dos conceitos de locução, locutor, interlocutor. E voltamos à relação de interlocução. Ao afirmar "Nós não trabalhamos.", o enunciado expõe um ato de fala em que o locutor envolve o interlocutor na constação de que a falha é coletiva (EU+TU). Ora este enunciado é um exemplo claro de um ato ilocutório assertivo. O mesmo enunciado pode tranformar-se num ato ilocutório expressivo "Nós não trabalhamos!" ou num ato ilocutório diretivo "Ponham-se a trabalhar!" ou num ato ilocutório compromissivo " Prometemos trabalhar."...  Só falta o ato ilocutório declarativo!
 Neste caso, surgiu a dúvida se o ato assertivo não seria declarativo - dúvida inteligente, resultante da tradicional tipologia da frase... Por outro lado, tornou-se também necessário distinguir FRASE de ENUNCIADO. A metáfora de serviço foi a seguinte: os ramos da árvore desenraizada correspondem à frase; por seu turno, os ramos da árvore enraizada correspondem ao enunciado. O que diferencia os ramos é a SEIVA (A VIDA). O enunciado tem vida. Em resposta à pergunta: - Para que servem os atos ilocutórios? A resposta saiu breve: PARA MUDAR O MUNDO. O enunciado pode mudar o mundo, ao contrário da frase que só ganha importância numa gramática descritiva e estéril.
B - Contrato de leitura. Apresentação oral de A Casa na Duna, de Carlos de Oliveira. A jovem aluna não teve qualquer pejo em declarar que não gosta da narrativa, mas, surpresa, revelou ter lido com muita atenção o romance, e soube dar conta dos aspetos mais importantes, selecionando excertos adequados.
C - Na aula de Literatura, os poemas em análise: Gozo e Dor; Ignoto Deo. E também excertos do poema em prosa SOLIDÃO e da ADVERTÊNCIA de FOLHAS CAÍDAS.
Em Gozo e Dor, a estratégia discursiva assenta no recurso à dramatização argumentativa em que à amorosa satisfação da mulher, o sujeito lírico discorda, não certamente porque  rejeite o "gozo", mas porque  a plenitude arrasta a "dor" - uma particular forma de alienação, de morte ou de loucura:
                                         Sinto que se exaure em mim / Ou a vida - ou a razão.

19.11.12

Requerimento

Decidi requerer a aposentação. Sem titubear, peguei no impresso, preenchi-o e disse, para comigo, já está! Mas porquê?
Manifestamente, porque há anos que estou a ser roubado e, sobretudo, porque pressinto que nos próximos anos serei espoliado quer esteja a trabalhar quer aposentado.
De quem é a culpa? Minha. Porque era minha obrigação separar o trigo do joio. E não o fiz! Há anos que somos governados por ervas daninhas...
Em nome da liberdade de Abril, a minha escola, magnâmina, acolheu todos, mas não soube gerar competência honesta, trabalho abnegado. E eu estava lá!
Ouvi lamúrias, calei desconchavos, suportei vaidades, pensei que era a adolescência da democracia! Mas não!
Hoje, estou sem paciência! E há alunos que não têm culpa de eu a ter perdido - ainda vejo nos seus olhos o brilho da curiosidade.
Latentemente, a culpa deste requerimento é daqueles que há anos separaram a língua da literatura e que, agora, mediaticamente, regressam a pretexto de uma comemoração e que, sem reconhecerem o erro, anunciam que, afinal, vamos todos ler Camilo. O Camilo de Amor de Perdição? E o outro Camilo, quem o lê?  
 
« - Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.» 
«- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.»
« - Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...»
 
                                                        Amor de Perdição, cap. I
 
 

Dia XXXVI

 ( Redação de um conto)
A hipótese de adoção de uma criança por um «casal de namorados» de um dia para o outro obriga a novo esclarecimento terminológico e cultural. A hipótese narrativa é inverosímil, pois socialmente os namorados não se podem candidatar à adoção...; por outro lado, estes processos são demorados. Assim, foram explicadas as noções de verosimilhança e de inverosimilhança como processos de validação do discurso, deixando de lado as noções de verdade e de mentira ( nos domínios: narrativa literária / narrativa cinematográfica).
Por outro lado, o termo "casal", também foi explicado em termos da formação CAS(A) + AL, tendo o sufixo o valor de "conjunto de casas"- aceção primeira; CASAR= CASA + AR, ação de juntar casas / património... o que torna inadequado que se refira um "casal de namorados". Em alternativa, teremos um " par de namorados", mas que não poderá canditar-se à adoção, entre outros motivos porque falta o património...
(Contrato de leitura: Em causa a apreciação crítica da Viagem do Elefante)
O que é que se espera do leitor? A atitude crítica pressupõe a capacidade de discriminar, de separar linhas de força: por exemplo, o milagre de um elefante que ajoelha ao passar defronte de uma igreja. Para o narrador, o gesto do paquiderme foi cuidadosamente preparado pelo cornaca que, posto à prova pelo clérigo, sabia que não podia falhar... E esse saber resulta da personagem ter sucessivamente atravessado diversas culturas, todas elas assentes numa ideia de superioridade de raiz divina... Vejamos, então, como é que o leitor reage a este tipo de personagem! Acompanha-a na denúncia da manipulação a que igreja católica submete o povo - alienando-o... Ou não pode fazê-lo porque a sua própria educação o confina a visão miraculosa do seu mundo?
No essencial, a apreciação crítica coloca em cena o leitor e a sua visão do mundo, pelo que não se justifica qualquer importação do pensamento alheio ( por exemplo da contracapa ou da badana!).    
 
De regresso às Folhas Caídas, de Almeida Garrett, foram dois os textos em análise; O Anjo Caído e Este Inferno de Amar. Apesar de líricos, os dois poemas obedecem a técnica de composição diferenciada: o primeiro de tipo narrativo; o segundo de modo dramático, senão argumentativo. O hibridismo de género literário é um dos traços do romantismo.
No Outono da vida ( folhas caídas), o sujeito lírico inesperadamente reencontra o amor no «anjo sem luz» ou nuns «olhos ardentes». E os poemas são cenário da divisão entre a consciência moral / o padrão cultural e o desejo, fruto do momento fulgurante que desenterra o sujeito para a VIDA... Mesmo no Outono da Vida, o amor é «esta chama que alenta e consome». Tudo é prazer, tudo é alegria, mesmo que o amor seja efémero... Vale a pena comparar a definição com a de Camões, traduzida de Petrarca: « o amor é fogo que arde sem se ver!»
                                                 (Da alegria no Outono da Vida - «Dava o Sol tanta luz!»)       
 

18.11.12

Interlúdio XI

Quando a leitura da narrativa de um acontecimento exige o conhecimento de um extenso referencial - caso do regicídio de 1 de fevereiro de1908 - a legibilidade impõe um esclarecimento detalhado das referências enunciadas, caso contrário, arriscamo-nos a perder o leitor.
Veja-se o texto de Raul Brandão (Manual Português 10, páginas 32-33). Em duas páginas, feito o levantamento das referências topográficas e históricas, surgem as seguintes zonas de penumbra: Livraria Ferreira; Fialho (de Almeida); Artur de Melo; Jorge O'Neill; Rua da Mouraria; Praça da Figueira; Armando Navarro; Malaquias de Lemos; Vila Viçosa; o Rei; o Príncipe; Ramalho (Ortigão); Duquesa de Palmela; João Franco; S. Carlos; Vasconcelos Porto; Arcada; Ministério do Reino; Fazenda; Rua de S. Julião; Buiça; Alfredo Costa; Francisco Figueira; Correia de Oliveira; Rainha...
Se o leitor for lisboeta, talvez não se perca na topografia da cidade. Mas fora da capital tudo será diferente!
Quanto ao conhecimento de História, sendo cada vez mais desprezado, não se vê como é que a memória poderá ajudar o leitor...
Bem sei que o texto foi selecionado como exemplo de memória! Mas que memória procuramos construir se deitarmos fora o autor, o leitor  e o referencial que os poderia alimentar? 

16.11.12

João de Mello Alvim.

O Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Fernando Seara, entregou,  ao final da tarde na Casa de Teatro - Chão de Oliva,  a medalha de mérito de grau ouro ao Dr. João de Mello Alvim. Esta distingue o jornalista, o professor e, sobretudo, o dinamizador da arte dramática no concelho, no dia que assinala os 25 anos da fundação da Associação Cultural CHÃO DE OLIVA.
A cerimónia foi singela e constituída por quatro momentos de encómio: a narrativa de vida; o encontro com a poesia dramática, mas, também, pessoal; a explanação formal dos méritos do homenageado; o agradecimento informal em três "parágrafos". 
Do agradecimento, não posso deixar de referir a evocação do professor José Luís Amaral.

(Caro João de Mello Alvim, tudo o que ouvi nesta sessão reforça a ideia de que ainda há homens que nasceram para servir a comunidade. Tu és um deles!)

15.11.12

Maravalhas!

«Se tudo são ramos, não é um sermão, são maravalhas.» Padre António Vieira

I - Em certas afasias, as referências (espaciais, temporais, interpessoais) vão-se extinguindo, deixando os signos desorientados. Talvez por isso, os discursos de hoje pareçam bolhas de sabão. Começam por enfunar para sorrateiramente desaparecer...
Um destes dias, alguém se referiu à visita da chancelarina alemã. Que eu tenha conhecimento, ninguém deu atenção ao termo! No entanto, como ele não me saía da cabeça, fui pensando que a senhora teria perdido importância, um pouco como a Chancelaria, lugar meu conhecido, sede de freguesia, situado entre a Maçaroca e o Pafarrão. Desconheço qual terá sido o chanceler que gerou tal topónimo, sabendo, contudo, que o termo tem mais proveito na Germânia que na Ibéria...
Não sei se o criador da chancelarina queria, na verdade, desvalorizar a chanceler por correr o mujimbo que não tinha sido convidado para nenhum dos encontros oficiais, mas pressinto que o facto de ser senhora  nascida na antiga República Democrática Alemã terá pesado na criação do neologismo.

II - Afinal, este blogue bem poderia ter como o título "Maravalhas"! Este termo estaria mais de acordo com o seu verdadeiro conteúdo - aparas de madeira; acendalha; caruma; bagatela... Tudo o que lenta, ou subitamente, perde importância e acaba por desaparecer...  



Dia XXXV

Contrato de leitura. Obras apresentadas: Amor de Perdição; Queda dum Anjo; A Viagem do Elefante. Camilo Castelo Branco e José Saramago. Estes alunos do 10º ano são audaciosos, apesar das dificuldades resultantes do desconhecimento da História. Por outro lado, a apresentação oral nem sempre é eficaz, pois os locutores continuam a ignorar os interlocutores - tom muito baixo; dicção sofrível.

De regresso ao Sermão da Sexagésima, hoje, o auditório foi constituído por 6 elementos. A sessão foi de leitura:
a) da matéria do sermão - da grande dúvida: «Pois se a palavra de Deus é tão poderosa, se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos nenhum fruto da palavra de Deus?»
b) da composição do sermão: «o sermão há-de ser de uma só cor, há-de de ter um só objecto, um só assunto, uma só matéria» 
A ÁRVORE é o ponto de partida e o ponto de chegada do sermão. O discurso torna-se progressivamente alegórico, chegando, no entanto, a momentos de desconstrução da própria alegoria: « Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar "árvore da vida"...»

(  Sob o freio da razão, a imaginação desfaz-se em preciosos conceitos, de tal modo que o auditório anteporá o deleite à censura...)