24.1.14

No labirinto

Podia escrever sobre os 35 milhões de curdos a quem não é reconhecido o direito a constituir uma nação ou, em alternativa, sobre o glorioso déficit português que, ontem, era de 4,4% e, hoje, de 5,3%... e amanhã, provavelmente de 7% ...
Podia escrever sobre cata-ventos, dissimulados, hipocondríacos, avarentos, cabeçudos e idiotas, mas para quê?

Hoje, quero apenas assinalar que um automobilista que se atreva circular nas ruas laterais da Avenida da Liberdade, em Lisboa, deve estar preparado para ficar para sempre no labirinto. De facto, a CML não é amiga nem do automobilista, nem do ciclista, nem do peão, nem do ambiente...

23.1.14

Com três ou dez mais pequenas...

«É uma pedra só, por via destes e outros tolos orgulhos é que se vai disseminando o ludíbrio geral com suas formas nacionais e particulares...» José Saramago, Memorial do Convento

Nestes dias de glória governamental, relembro a lição da varanda do Convento de Mafra que não necessitava de uma pedra tão grande - « com três ou ou dez mais pequenas se faria do mesmo modo a varanda.»

De D. João V a Passos Coelho, sem esquecer Salazar, a glória do governante aumenta na exata proporção do empobrecimento do cidadão. Todos eles, homens fracos, procuram a glória através da humilhação da nação. Orgulhosamente sós ou bajuladores do estrangeiro, procuram o reconhecimento nos compêndios da História...por isso não espanta que uma das vítimas do aparelhismo que os serve seja o romance Memorial do Convento... 

22.1.14

Amanhã não pode ser pior...

A - Nos anos letivos de 2017/2018 e 2018/2019, a obra a estudar será, obrigatoriamente, O Ano da Morte de Ricardo Reis. Com esta indicação, pretende-se fomentar o conhecimento desta obra, tornando-a tão divulgada junto de professores e alunos quanto Memorial do Convento, permitindo que a opção por uma das obras, no futuro, seja mais sustentada.  Programa e Metas Curriculares de Português Ensino Secundário

B - Tão grande fora o sofrimento durante este arrastado dia, que todos diziam, Amanhã não pode ser pior, e no entanto sabiam que iria ser pior mil vezes. José Saramago, Memorial do Convento

Dá gosto ver o modo como o povo é suspenso por dois anos, sem recurso a julgamento.
Dá gosto pensar que os alunos, em 2019/2020, irão suspender a sua entrada no ensino superior para poder cotejar as duas obras de Saramago.
Dá gosto saber que os professores, em 2019/2020, vão livremente escolher um dos dois romances...

Todos sabemos que foi isso que aconteceu nos últimos 40 anos! Uma Abelha na Chuva , O Trigo e o Joio, Guerras de Alecrim e Manjerona, O Judeu, A Sibila,  Aparição continuam a ser objeto da maior atenção de professores e alunos...

21.1.14

Desfasado

Uma única palavra poderia dar conta do modo como me sinto. Desfasado.
Hoje, participei numa missa de 7º dia que, afinal, era de 8º dia! Durante a liturgia, o sacerdote explicou que o assunto era o martírio de S. Vicente, padroeiro da diocese de Lisboa, e que só deverá ser celebrado amanhã.
Uma missa instrutiva, pois o sacerdote explicou por que motivo S. Vicente já foi padroeiro da cidade de Lisboa... As relíquias tinham sido trazidas de Sagres (lugar sagrado) para Lisboa por ordem de D. Afonso Henriques para recompensar a precipitação dos seus cavaleiros que tinham degolado o bispo cristão do burgo... um bispo moçarabe. Na verdade, alguns cristãos, ao partilharem os costumes dos muçulmanos, davam origem a equívocos fatais!
Com o tempo, tudo o que tinha como seguro vai sendo questionado. O próprio grão lançado pelo semeador à terra, em vez de se enraizar e de florescer, deverá, para nosso bem, perecer... pois só assim renascerá. A ideia não me é estranha: o Pai envia o Filho à Terra para morrer às mãos dos seus, pois só deste modo pode ressuscitar e salvar-nos. 
Só o sofrimento nos traz consolo! 
Desfasado e desconsolado, começo agora a relembrar o Vicente de Torga e apetece-me imitá-lo.

20.1.14

Ainda oiço as vozes

Ainda oiço as vozes daqueles que a cada passo exclamavam: Salazar é um homem de contas certas! Salazar trouxe ordem às finanças e às famílias... Nunca compreendi os louvores ao homem exemplar e austero. Na aldeia, o povo era tão frugal na alimentação que a batata solitária era o sustento diário. Só ao domingo, o naco de toucinho saía da salgadeira dos mais abastados ou a petinga se misturava em tomatada com o já mencionado tubérculo...
Naquele tempo, os homens começaram a dar o salto. A clandestinidade popularizou-se, embora as razões políticas estivessem reservadas aos iniciados. Salazar, de tempos a tempos, deslocava-se a Santa Comba. Quando tal acontecia, a linha de caminho de ferro era antecipadamente policiada - um guarda aqui, outro mais acima - e as cortinas corridas das carruagens anunciavam que Sua Excelência estava em trânsito...
Outros aldeãos, mancebos, partiam para meses mais tarde regressarem em urna definitivamente fechada ao cemitério familiar. Na escola próxima, nós decorávamos e recitávamos "Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor.
De alma acanhada, sem saber o que era a poesia, deixava de ouvir as vozes e começava a pensar que o mundo deve ser um lugar muito pequeno em que o relógio parou...

19.1.14

Na Turquia, ainda há quem sorria...


Durante o dia, procurei informação sobre a situação política na Turquia e o resultado não foi nada positivo.
De acordo com as agências noticiosas, parece estar a decorrer uma purga que vai afastando todos aqueles que, de algum modo, lutam pela liberdade de expressão. 
Oficialmente, o afastamento de milhares de funcionários públicos visa combater a corrupção e a fuga de capitais...
A situação torna-se preocupante, entre outros motivos, porque o governo turco está a dificultar o acesso à Internet, designadamente às redes sociais... Apesar de tudo, por mais negra que seja a situação, ainda há por lá quem sorria...

18.1.14

O idiota e a mesura

Na corte, a etiqueta era essencial e por isso se dava espaço à cortesia. Ser cortês era uma forma de se diferenciar da plebe e, também, uma forma de marcar o território no interior da aristocracia. Na corte, o amor ganhou a cor da submissão e da reverência, ganhou paciência e até se tornou platónico, divino... E a plebe, entregue a si própria, só conhecia a lição da besta demoníaca... as fronteiras eram derrubadas sem qualquer etiqueta e cumprida a função cada um seguia o seu caminho. Da selva à corte parecia cavar-se uma distância intransponível.

Em democracia, a cortesia vê-se substituída pelo espírito democrático que exige que se seja cortês. Porém, o idiota de serviço reclama que o oiçam, mas despreza a resposta à pergunta que acaba de fazer. Ungido pelo sangue ou pela plebe, o idiota de serviço sente-se mandatado para tomar as decisões que bem lhe apetece e passa adiante, não sem antes ter humilhado e frequentemente destruído quem se lhe atravesse no caminho...

Como não há efeito sem causa, quero esclarecer que a razão deste excurso tem origem na quantidade de idiotas que exigem mesura, que se consideram democratas, mas que se estão nas tintas para a resposta obtida...