17.10.14

Plagiadores de 2ª mão


«Isto apesar de a comunicação do secretário de Estado incluir uma bibliografia onde são citados cinco autores, sem que nenhum destes sejam Reis Monteiro ou João Pedro da Ponte.» Público, 17 out 2014.

Outrora plagiar exigia leitura e cópia manuscrita ou dactilografada. Exigia revisão para não defraudar o original. O Autor do plágio, querendo parecer original, era escrupuloso ao ponto de se esquecer das aspas... Houve até quem, à força de plagiar, aprendesse a imitar, embora sem «nunca igualar ou superar o original"... Neste momento, já devem ter reconhecido o intertexto! 

Hoje, o plagiador é mais um «ladrão que rouba a ladrão» sem se preocupar com o perdão. Falta-lhe a consciência religiosa: pouco lhe importa a salvação da alma!
Hoje, o plagiador "googla-se" e, num instante, descobre o que lhe convém. Em dois movimentos (copy and paste),transporta os excertos para o regaço da secretária que, de pronto, os alinha de modo a que sua Excelência possa brilhar em qualquer simpósio...

E eu conheço tantos plagiadores neste inefável país!


16.10.14

O oráculo

Não é possível!
O oráculo, certa tarde, inspirou fundo e proclamou: Dos 39 não passarás!
Este oráculo era médico... pelo menos, foi assim que mo apresentaram. Mandou-me despir, observou-me atentamente e exclamou: Dos 39 não passarás! Nunca soube o que viu em mim...
Desde aquele dia que me interrogo: Para quando o fim?
Já começo a ficar desencantado, pois a leitura dos clássicos ensinou-me que não é possível fugir ao vaticínio do oráculo. Édipo, por exemplo, por mais peregrino que se tivesse tornado, acabou cego às suas próprias mãos...
Ora eu não gostaria de acabar cego por minhas próprias mãos, até porque já me faltam pai e mãe. Reconheço que estou livre de nefandos crimes, mas não sei se suporto mais a desilusão da profecia por cumprir...
Quando volvo sobre mim, sinto que não tenho estado à altura daquilo que cada um sempre quis para mim... agora, vejo-me de regresso à sala de estudo e penso: - foi preciso chegar aos 60 para ali ficar acantonado. Até quando?

15.10.14

Uma virtuosa ministra, Maria Luís Albuquerque


A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, disse hoje que os impostos no Orçamento do Estado (OE) para 2015 referentes a tabaco e álcool visam desincentivar comportamentos negativos e apoiar campanhas contra esses mesmos comportamentos.
"Desincentivar comportamentos com consequências negativas para a saúde" é o objetivo maior dos referidos impostos, cuja receita financiará também, por via do ministério da Saúde, campanhas alertando para os perigos associados ao consumo de álcool e tabaco.

Eu não bebo, não fumo, circulo cada vez menos de carro, estou a substituir os sacos de plástico por cestos de vime, não pinto o cabelo nem vou à manicura, já não sei o que é um alfaiate nem um sapateiro, estou a pensar em abandonar os medicamentos, deixei de tomar café, não como coelho nem sushi nem linguado, muito menos caviar e frutos tropicais... Todos os dias me imponho a fuga a comportamentos com consequências negativas para a saúde e para as finanças. Por este andar, pouco falta para ocupar o lugar que mereço na Jerusalém celeste!

Temo, todavia, que S. Pedro me bata com a porta na cara, sob o pretexto de que não sou suficientemente solidário (e pecador!) com a minha virtuosa ministra das finanças. Afinal, para equilíbrio das contas públicas, para pagar os juros da dívida que não param de aumentar, ela necessita que eu peque...Peque!

Imagine-se o que aconteceria à Nação se todos os cidadãos seguissem o meu exemplo! Quero crer que a Senhora Ministra está a mentir... Mais uma vez! Só que desta vez, mentir não é pecado!

14.10.14

Cronopoemas de António Souto - Sonhos Sobrantes

Abri o livro do poeta e, para tal, suspendi o amigo e o colega de trabalho. Comecei por ler o prefácio e achei-o redutor. O poeta tutelado por Ricardo Reis sabia-me a pouco!
Avancei, não de forma linear. Atrevi-me a desrespeitar a composição. Conheço bem os malefícios da retórica!
E, de súbito, os poemas começaram a saber-me a tempo - um tempinho de luz -, o único tempo de plenitude que um poeta pode saborear.
E do longe e do perto, numa escrita límpida, depurada, foram despontando registos da mãe, sempre da mãe, da infância do menino de sua mãe - uma infância que perdura nos versos, mesmo quando o menino cresce, procura a cidade, descobre o Tejo e outra vida, também ela feita de tempo:
O tempo da leitura - Cesário, Pessoa, Negreiros, Lorca, Torga, Saramago e quantos outros por dizer...
O tempo de outrora e de agora, feito de minutos, de tardes e de noites, de dias, de ocasiões, de todas as estações... o tempo agora é o tempo do trabalho, das árvores que chilreiam - plátanos, jacarandás ou ipomeias -, de jovens sem tempo para o tempo, de colegas a quem o tempo levou ou o desenham em versos traçados...
(...)
Atrevo-me, assim, a propor ao poeta que, sempre que possível, se liberte do trabalho para que nos conceda mais um tempinho de luz...
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4.12.2014

Na Biblioteca Central da Escola Secundária de Camões, a professora Margarida Sérvulo Correia apresentou Sonhos Sobrantes. Fê-lo numa alocução sóbria, inteligente e bem fundamentada, iluminando os versos de memória do poeta António Souto.
O poeta, por seu turno, visivelmente orgulhoso, leu três belos poemas alusivos a Saramago, ao Natal e a Abril, e agradeceu, revelando os laços passados e presentes.
A Biblioteca estava cheia, sobretudo de alunos que tudo ouviram em silêncio, sem que, no entanto, tenham tido oportunidade de tomar a palavra...
A Margarida Souto (?) ficou sentada  à minha frente e tudo escutou. O que terá pensado? 

13.10.14

Não cantarei


Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!

Camões, Os Lusíadas, Canto VII, estância 85.


(Há, pelo menos, três ou quatro membros do Governo da Lusitânia a quem estes versos colam na perfeição!)

Consta que o Governo esteve reunido durante 18 horas para aprovar o OGE 2015. Nos mujimbos que circulam, não dou conta de que da Ordem de Trabalhos constassem duas leituras prévias: A Constituição da República Portuguesa e as reflexões do Poeta n' OS LUSÍADAS.

Perante esta lacuna, estou sem saber qual é o papel do Doutor Nuno Crato no Conselho de Ministros...

12.10.14

A morte de Sylvia

«Rupert e Frances desceram e entraram na sala onde Sylvia estava, de facto, mergulhada num sono de morte: estava morta.» Doris Lessing, O Sonho mais Doce, página 425, editorial Presença.

Num romance em que o SONHO vermelho vai construindo um espaço que só não é absurdo porque, ao alastrar, gera um conjunto de monstros iluminados que, em nome de ESTALINE, se propõem libertar os povos e, no entanto, os deixam morrer à míngua de água, de saúde, de ilustração, de paz... surge a doce e frágil Sylvia que mergulha no africano terreno saqueado e abandonado para libertar aquele povo da doença e da ignorância.
Sylvia tudo faz, tudo sofre, sem apoio dos libertadores, novos colonizadores, embora menos vermelhos, mais gordos e, sobretudo, mais ricos. Mais dependentes do Capital Global!
Sylvia, voluntária, cooperante, representa todos os que se entregam a uma Causa sem esperar mercês. 
Confesso que a morte de Sylvia me choca porque ela representa a morte de todos os que, desde a 2ª Guerra Mundial, se sacrificaram por construir um mundo mais justo e, na verdade, as desigualdades não param de aumentar. Não só a Sul mas, também, a Norte!

11.10.14

Dispersão


Cada vida deveria ter um rumo, mesmo se de médio prazo. No entanto, nos tempos que correm, ninguém se contenta com essa singularidade. Acredita-se que se pode ter vários rumos sem cair na dispersão...
De facto, essa dispersão é uma constante dos nossos dias, provocando desperdício e insucesso académico, profissional, familiar e pessoal. 
Estamos cada vez mais pobres!
Literariamente, a dispersão foi acantonada no modernismo. Creio, contudo, que a dispersão é filha do individualismo, em particular, do romântico.
Entrámos recentemente na Idade Global, mas ainda estamos longe de definir um rumo e de mantê-lo.