25.10.14

Eu prefiro mil vezes os números da DGO...

Nos dias em que estou mais cansado ou até deprimido, gosto de fazer uma pausa. Há quem dê um passeio a pé, quem vá até ao ginásio, quem veja um filme. Por mim, nada disso! Eu prefiro mil vezes os números da Direção-geral do Orçamento...  
Só de os contemplar, acalmo, deixo de tremer, de entaramelar as palavras.  E é o que acaba de me acontecer  ao ler no i a seguinte notícia:

«Segundo os valores avançados pela DGO, entre Janeiro e Setembro os contribuintes pagaram 4738 milhões de euros só em juros da dívida pública, mais 4,2% que até Setembro de 2013. São mais 192 milhões de euros, dos quais 151 milhões vieram do aumento do preço cobrado pelo FMI.»

Em particular, a informação de que o FMI nos aumentou a fatura  em 3% pela ajuda financeira tem o condão de me libertar da neurose e de me devolver ao trabalho. Ao trabalho forçado! 

Não quero ser acusado de preguiçoso pelo primeiro-ministro...

24.10.14

O Bem comum

No século XVI, para Camões, só eram dignos de ser postos "em memória" aqueles que servissem Deus, o Rei e o Bem comum. 
O Estado Novo leu à letra a lição camoniana e durante mais de 40 anos impôs o culto de Deus e da Pátria (feita de famílias) e descurou o Bem comum, embora doutrinariamente  apregoasse o contrário. 
Dessa tríade, hoje, na sociedade laica e global, já só resta virtualmente o Bem comum! 
De entre os valores, o Bem comum deveria ser o principal guia de ação de cada homem... 
Pelo menos, no que me concerne, os jovens que vou servindo, olham para mim como se eu fosse um extra-terrestre.
A cada dia que passa, ao Bem comum vamos antepondo o "próprio interesse". 

/MCG



23.10.14

Delírio


Abundantes, as palavras precipitam-se em cascata, desfiando doutrinas de rejeição, em nome da unidade divinamente inequívoca. Fora das palavras, o ar rareia e asfixia os ouvintes que, apenas, podem silabar monossílabos de aprovação ou, em alternativa, espreitar o melhor momento para sair do círculo de encantamento...
A fuga é, todavia, quase impossível porque, enquanto as palavras se convertem em aplausos da unidade, os braços arqueiam-se em balanços de avanço e recuo e, no movimento, as pernas parecem ganhar molas que lançam o corpo sobre a presa, esmagando-a...

A pena que eu tenho de não saber desenhar! Saberia, talvez, captar o momento no seu alongamento em direção à UNIDADE.
Se eu soubesse desenhar, estaria mais perto da unidade inicial, e creio mesmo que preferiria ser surdo-mudo.

22.10.14

Reuniões (intercalares)

18:45. Numa sala vazia espero impacientemente por uma reunião intercalar marcada para as 19:45. As luzes permaneceram acesas durante todo o dia, apesar da luz intensa, apenas coartada por persianas emperradas por falta de manutenção... Num armário, ainda é possível vislumbrar, alaranjados e noturnos, uns tantos livros de sumários...
(As mesas e as cadeiras, modernos espelhos de alma, refletem a cinza dos dias.)
Para lá do caixilho, outra sala, vazia, dois computadores piscam, um em tons azulados... Olho à volta, e os painéis mostram-me rotinas desnecessárias em tempo de desmaterialização da informação. Pela janela, as folhas outonais dos plátanos escondem os carros que, ininterruptamente, circulam deixando um ruído maligno, sobretudo, para quem chegou a esta sala às 8:00 da manhã.  

Evito pensar na reunião intercalar - para professores, pais e alunos - porque sempre que nela participo, me sinto num psicodrama. Uma daquelas sessões em que peões saltam do respetivo território para o do vizinho, sem qualquer incómodo, e desempenham a rábula da partilha e da busca de soluções para problemas mal equacionados. 
Nas reuniões intercalares, devemos encontrar soluções facilitadoras da aprendizagem e da relação. Numa hora e 30 minutos, salvamos o mundo. Depois se verá!
Claro que há reuniões intercalares que não deveriam começar, porque, à partida, já sabemos que acabam mal.
O que é válido para as reuniões intercalares serve para muitas outras reuniões! Porque reunir significa voltar a unir o que entretanto se separou (nalguns casos, se emancipou)... O que me leva a pensar no trauma da perda do cordão umbilical...E quando me coloco nesta perspetiva, compreendo melhor a razão porque continuo à espera da reunião intercalar... reunião que mais não é do que uma partilha de silêncios ruidosos...
Já só faltam 20 minutos... Talvez 20 minutos ou um pouco mais. Oficialmente, a reunião termina às 20:15. 

21.10.14

Tanto fastio já aborrece...


E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente.
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.


Camões, OS LUSÍADAS, Canto IX, estância 93.

Sem querer ofender o desconchavo de alguns jovens nem rejeitar o argumento de que, para eles, não faz qualquer sentido ler Camões, autor do longínquo século XVI, até porque já no tempo do Poeta o argumento parecia válido para os invejosos, não posso deixar de me interrogar sobre a razão de tal fastio.
A pedagogia recomenda que o professor se desdobre em estratégias, e existem umas tantas que estão para a leitura como a margarina está para a manteiga, eu insisto que não há leitura sem perceção visual (ou tátil, no caso dos invisuais).
Não é possível ler, sem livro, de livro fechado, na página errada, a conversar ininterruptamente com o parceiro do lado...
Parece-me, assim, que o problema do fastio é de natureza cultural, como já acontecia no tempo de Camões. É um problema de valores: de falta de valores ou de falsos valores...
Afinal, se já desistimos de combater os Serracenos, continuamos a desprezá-los e, sobretudo, vivemos mergulhados na cobiça, na ambição, na tirania, na vaidade, ESSE OURO PURO que corrompe o ESPÍRITO...

20.10.14

Burocratas ignorantes e prepotentes

Estou farto de burocratas ignorantes e prepotentes! Vou esperar pelo próximo episódio e depois vou a jogo.

(O arquiteto andou bem ao enquadrar o edifício. Há, no entanto, uns tantos gestores e burocratas que continuam à solta...)

19.10.14

O caso de Dustin Barca


É admirável ver Dustin Barca, que conta com o apoio de grandes nomes do surf mundial, como, por exemplo, Kelly Slater, arregaçar as mangas da forma que tem feito e pensar como é que o puto arruaceiro, que não hesitava em esmurrar pessoas sempre que surgia a oportunidade, se transformou num cidadão empenhado. “Fartei-me de ir parar à esquadra da polícia em Hanalei quando ainda só andava na escola primária. Era um miúdo muito problemático. Nunca tive pai, por isso não tinha quem me orientasse”, recorda.  Dustin Barca, em Entrevista ao Jornal i.

Barca é, em 2014, candidato independente, defendendo quatro áreas-chave: recuperar a cultura do Kauai, fomentar a agricultura sustentável, restaurar as hidrovias e combater o uso de drogas.

Para mim, esta foi notícia a que dei mais atenção neste dia, porque me faz pensar que os jovens podem encontrar o seu caminho, longe de tutores iluminados que não descansam enquanto não colocam sob a sua asa os jovens mais «prometedores» e não escorraçam para longe os «arruaceiros»; longe de pedopsiquiatras que tudo resolvem, receitando drogas aos adolescentes mais agressivos...
A leitura da entrevista faz-me pensar naqueles jovens que, todos os dias, entram a dormir nas salas de aulas e, assim, se mantêm por longo tempo... Dustin Barca desistiu do liceu no 10º ano porque queriam que tomasse Ritalin, medicamento usado para tratar a hiperatividade...
A explicação quanto à diferença de comportamento, reside na vontade. Na vontade de não ser dependente, subserviente e alienado. É esta vontade que pode gerar a contra-cultura  necessária à saída do marasmo e da abulia ou, então, à fuga do paternalismo tão frequente na nossa sociedade e, em particular, nas nossas escolas.