24.5.15

O RINOCERONTE na Escola Sec. de Camões

http://claleal.blogspot.pt/2011/11/
À medida que os rinocerontes se multiplicam, poucos são os homens que resistem!
Desta vez, a alegoria saiu das páginas do Rinoceronte (1960) de Eugène Ionesco (1909-1994), numa adaptação e encenação consistentes, com incidência nas personagens Berénger, Jean e Daisy.
O recurso ao intertexto (Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, e a imagens de situações contemporâneas de degradação do ser humano) permite iluminar o absurdo exposto por Ionesco.
Na Escola Secundária de Camões, as resistentes têm nome: Maria Clara Melo da Silva e Graça Gomes. Sem elas, o GTESC já estaria extinto há muito. A montante, o rio parece ter estagnado!
Em síntese, a peça denuncia o que está a ocorrer sob os nossos olhos, portas dentro... De parabéns, estão todos os que ousaram preparar e levar a cabo este espetáculo.

23.5.15

Carta a Luís Vaz de Camões

Prezado Camões,

Ultimamente, encarreguei uns tantos jovens de te escrever uma carta, no âmbito de uma homenagem a um poeta cujo patriotismo talvez tivesses apreciado - Vasco Graça Moura.
Estes jovens, em fase de conclusão dos estudos secundários, sentem-se um pouco constrangidos, mas lá vão cumprindo, mais por obrigação do que por gosto...

Bem sabes que pedir não custa, e por isso decidi  relembrar algum do tempo que contigo vivi. O primeiro grande trabalho "camoniano" foi me imposto por um professor de Português em terras do Ribatejo, em Almeirim, que tomara como missão obrigar os alunos a decorar, pelo menos, uns tantos sonetos, que ele diligentemente analisava, impondo-nos, também, a memorização da sua interpretação. O sucesso dependia, assim, da capacidade de memorização dos sonetos e da respetiva exegese. O meu resultado foi fraco, porque a minha memória, já testada nas aulas de botânica, sempre fora frágil... Se não compreendia, não memorizava; se compreendia, detestava o "ipsis verbis".
Um ou dois anos mais tarde, nas margens do Nabão, redescobri a beleza da memória, quando, certo dia, ouvi o professor Hernâni Cidade citar com propósito Os Lusíadas. Nesse dia, invejei-te; sobretudo, admirei aquele ilustre orador que, afinal, só solicitava o nosso entusiasmo para aquelas tuas sequências em que o homem luso derrubava os obstáculos e recebia "os beijos merecidos da verdade"...
À exceção destes dois professores, nunca mais encontrei pela frente nenhum verdadeiro entusiasta da tua excelsa obra. Claro que não esqueço, de os ler, António José Saraiva ou Jorge de Sena. Admirava-os porque nas palavras escritas pressentia a leitura rigorosa dos teus versos e, até, uma certa identificação na vida, como já acontecera, por exemplo, com Bocage. E essa admiração acabou por se estender ao Vasco Graça Moura, também ele um intérprete rigoroso dos teus desígnios...

De aluno a professor, acabei por me ver metido em trabalhos "camonianos". (Só os meus alunos saberão dizer se estive à altura da missão.) Posso, no entanto, confessar-te que um dia me senti bastante defraudado quando um ilustre camonista, especializado nas capas e nas ilustrações das tuas obras, deu ordens para que a cadeira de Estudos Camonianos se tornasse obrigatória, porque eu estaria a "roubar-lhe" os alunos... Isto no âmbito de uma insignificante cadeira de Literatura Portuguesa II, em que eu incentivava os alunos a lerem Sá de Miranda, António Ferreira, Luís Vaz de Camões, Fernão Mendes Pinto.

O meu crime sempre foi o de querer que te lessem, mas não só a ti... a todos os que contigo conviveram ao longo dos séculos... e foram uns alguns! Não tantos como se poderia imaginar... No entanto, não duvido que Vasco Graça Moura foi um desses leitores e, sobretudo, foi um grande promotor da leitura.

Prezado Camões, muito mais te poderia dizer mas não quero espantar a caça.

Um teu admirador!  

22.5.15

E eu não sorri na cave do IMT...

«Evite as filas de espera e utilize o prazo que a lei lhe concede, procedendo à revalidação da sua carta durante os 6 meses que antecedem o dia em que completa as idades obrigatórias. E tenha em atenção que o documento não pode ser renovado com mais de seis meses de antecedência.
Se deixar passar o prazo de renovação corre o risco de multa por circular com a carta de condução caducada. Após 2 anos sem que tenha revalidado a carta, terá de efectuar uma prova prática caso pretenda obter novo título de condução.» Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT, I.P.)

Em 21 de Maio de 2014, fui ao ACP e tratei do processo de renovação da carta de condução, 6 meses antes do prazo se esgotar. Cumpri todas as formalidades, paguei 85 euros, e fiquei à espera...
Entretanto, fui renovando a licença de condução até hoje, inclusive, data em que o ACP me recomendou que o melhor seria deslocar-me à Elias Garcia, nº 103, Lisboa, informando que ia da parte deles, ACP... Para tirar uma fotografia... Fiquei a pensar que já tinha uma fotografia no cartão de cidadão e se ela não seria válida para o IMT.

Na posse de tal informação, desloquei-me à Elias Garcia, dei a informação ao rececionista que, por sua vez, me entregou um papelinho com o seguinte dizer: F176. E apontou-me a cave a que devia dirigir-me. Desci, a cave estava repleta de FFFFs. Olhei à volta e percebi que o rebanho estava ali todo para o mesmo; a única saída seria ser proprietário de uma senha verde ou, então, B, D, T...

Verifiquei a hora: 13 horas; o mostrador de senhas estava desligado; uma ovelha informou-me que tinham acabado de chamar o F103... Decidi esperar. De tempos a tempos, uma ou outra velha exaltava-se, porque as fotografias estariam a sair muito lentamente; haveria até problemas com as assinaturas. Lembrava-me novamente do cartão de cidadão.

Finalmente, às 15 h 20, o F176 foi chamado. A suposta fotógrafa pediu-me desculpa por se estar a rir de um chinês que acabara de sair. Tinha-lhe pedido que sorrisse, e ele nada. Disparou a máquina, e ele desatou a rir... Entretanto, perguntou-me se era portador de B.I. ou cartão de cidadão. Puxei da carteira, e entreguei-lhe o documento. Pediu-me para assinar sobre uma superfície vítrea, o que fiz de me imediato e, desta vez, perguntou-me se eu gostava da fotografia do C.C. Acenei que, por mim, tudo bem.

A senhora voltou a sorrir e disse-me que, dentro de duas semanas, receberei a carta de condução em casa. Eram 15 h 24!

E eu não sorri! Também não pedi o Livro de Reclamações até porque ele não se encontrava naquela Cave.

21.5.15

Desfasado da vida

Gradiva
(...) «la démarche de Gradiva, telle que l'avait reproduite l'artiste, était-elle conforme à la vie?» Jensen, Gradiva

Norbert Hanold, fascinado por uma escultura, artisticamente mediana, batiza-a de Gradiva, em honra de Marte Gradivus, o deus da guerra avançando para o combate...
O que lhe interessa não é a vulgaridade da figura feminina, apesar de a imaginar de estirpe nobre, mas o movimento dos pés e, particularmente, comprovar se o movimento representado está conforme ao movimento dos pés de uma mulher real...

Há 40 anos li esta obra, no âmbito da cadeira de Literatura e Psicanálise. Como a maioria dos estudantes da época, fascinado pelas teses freudianas, que tudo explicavam, li de rajada a novela de Jensen, e, agora, percebo que dessa leitura nada ficou, a não ser, talvez, pulsões contraditórias que faziam bem ao ego e matavam definitivamente a alma.

Tal como Norbert Hanold, sinto que a arte  continua desfasada da vida, só que eu já desisti de procurar a conformidade entre ambas...
Doravante, vou seguir o esforço do arqueólogo, sabendo, de antemão, que o único prazer está em não trocar os pés... 

20.5.15

O lado obscuro da vida

Quero escrever  atos "subversivos" e começo por hesitar; paro em 'sub', indeciso quanto à sequência, ainda avanço para 'vers', mas algo me faz estancar: a imagem parece não corresponder à ordem mental, um pouco como se o cérebro desse uma ordem e a mão não soubesse como cumpri-la; numa fração de segundo que, no contexto, se assemelha a uma eternidade, corrijo e escrevo "revolucionários"...
Grande parte do grupo mantém o silêncio, talvez por compaixão; há, no entanto, um ou dois sorrisos espontâneos, rasteiros, daqueles que não perdoam...   

Vivemos num interminável ajuste de contas em que deixámos de ser capazes de dar valor à compaixão e apenas amplificamos o ruído em que, por vezes, somos obrigados a mergulhar...

Esse é o lado obscuro da vida, aquele que nos faz desistir como trapos atirados para bem longe. E o queixume de nada serve, porque já não compreendemos o valor dos 'atos subversivos'...

19.5.15

O Meu Irmão, um romance negro

« E é assim o interior de Portugal: uma imensa mulher feia e viúva fechada à janela do primeiro andar de uma velha casa, esperando sair à rua numa ocasião importante como o enterro do doente que nunca conheceu mas em relação ao qual sente alguma afinidade porque vivia na terra ao lado.» Afonso Reis Cabral, O Meu Irmão, pág. 265, Prémio Leya 2014

O leitor não escapa a um sentimento de tristeza. A incapacidade do irmão mais velho de compreender e aceitar o único verdadeiro prazer de Miguel - estar com Luciana - cresce até a um ponto em que a sanidade mental se esfuma por inteiro, tornando-se inseparável da violência que elimina o único objeto do desejo...
A patologia, neste romance, acaba por ser marca não de Miguel, de Luciana ou de Quim, mas, sim, de quem se considera "normal". 
Parece que este romance  procura exorcizar o lado obscuro do Portugal esclarecido, senhor do seu destino, mas não o consegue, porque a cegueira é o seu pecado original, seja no Tojal, no Porto ou em Lisboa...
Talvez por isso, o Eusebiozinho queirosiano tenha aflorado na página 279:

«As irmãs entregaram-mo semanas depois. Entraram na casa que eu alugara no Porto com ele pela mão, porém ligeiramente atrás como o Euzebiozinho nas saias da mamã.»

PS. Apesar de tudo, em Portugal, nem todas as mulheres são feias e, sobretudo, gordas. Este estereótipo parece-me excessivo.


   

18.5.15

Como é que nos deixamos enganar?

Como diria o Vicente (Felizmente, Há Luar!, de Luís Sttau Monteiro): «É simples: digo-lhes metade da verdade. Sonham com o Gomes Freire? Lembro-lhes que o Gomes Freire é general e falo-lhes da guerra. Haverá alguém que se não lembre da guerra? A vida tem sido uma guerra atrás de outra... Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire... // O que não lhe digo é que se ele não fosse estrangeirado era... era como os outros... era mais um senhor do Rossio...»

Olho as capas dos jornais, hoje, vermelhas, amanhã azuis ou verdes, tanto faz, e parece que o país entrou em delírio: um clube bicampeão, super juiz caça mil milhões, a Irina traída dezenas de vezes, professores contra a entrega de escolas às câmaras, o governo quer saber se a Azul cumpre regras, BASTA de Almada, digo, de Costa, o do PS, Fátima dá alento ao povo português, líder skinhead pensa em novo partido político...

E ainda há aquela notícia de que o presidente do conselho científico do IAVE critica o Crato. Acordou agora! Quantos meses faltam para as legislativas?
Apesar de tudo, o Vicente tinha mais carácter do que esta súcia que nos informa, do que esta súcia que nos avalia, do que esta súcia que nos governa...