13.3.16

Da paixão, da morte, da vida

Nos anos 70, durante três anos e meio, desci e subi diariamente a Calçada do Combro (Lisboa). À época, as igrejas viviam envergonhadas...
Na sala de aula, por mais de uma vez, procurei explicar o que era a arte do Barroco, dando exemplos livrescos, quando poucos números acima se situava um dos expoentes do Barroco e do Rococó do séc. XVII - a Igreja de Santa Catarina ou a Igreja dos Paulistas.
À época, a sede do MRRP tinha mais influência na juventude que frequentava o Passos Manuel ou a Escola D. Maria I.
(..)
Hoje, regressei à Igreja de Santa Catarina para ouvir o CRAMOL (Grupo de Canto de Mulheres) interpretar um conjunto de polifonias e menodias tradicionais de mulheres, evocativo do tempo religioso dos mistérios da vida e da morte .
A execução foi primorosa e por isso merecedora de aplauso, até porque nos restitui cânticos do tempo rural, evitando a mistura tão do agrado das gerações urbanas.
A Igreja encheu, sobretudo, de mulheres, mas isso já são contas de outro rosário... e o prior não ficou a perder...

«A Senhora da Saúde
Tem uma rosa no rosto
Que lhe deram os romeiros
No dia 15 de Agosto»
Manhouce /Beira Alta

Pessoalmente, prefiro o título: Da vida, da paixão, da morte. No entanto, aceito que o lugar possa explicar a inversão... O que não quer dizer que compreenda.

12.3.16

Dois em um, na Ulmeiro

Passei pela Ulmeiro, no nº 13 da Avenida do Uruguai. Mais do que os livros, quem ali mais desperta a atenção é o gato, de que desconheço o nome, mas lembrou-me o velho Bonifácio d'Os Maias. Deitado ao sol na montra da livraria, parecia desprezar quem por ali se comprazia em apreciar o seu porte soalheiro em vez de se fixar na livralhada mais ou menos de teor religioso que ali dormitava...
Entrei, uma simpática senhora, um pouco mais velha do que eu próprio, prontificou-se a esclarecer alguma questão, embora de imediato remetesse para os identificadores afixados nas estantes...
(Sobre a guerra do Rift nunca ouvira falar e o proprietário (?) que se encontrava na penumbra nada disse, o que me levou a pensar que há certos acontecimentos, sobretudo os trágicos, que não interessam a ninguém - milhares de espanhóis, e não só, foram massacrados e, provavelmente, ficaram para sempre nas areias do deserto. Talvez, no entanto, não seja esta a única versão... se eu viajasse até Marrocos, e investigasse as relações do Magreb com as potências colonizadoras - Espanha e França - talvez encontrasse um outro livreiro capaz de me elucidar sobre o primeiro quartel do século XX...)

Como não gosto de entrar numa livraria e sair de mãos a abanar, virei a minha atenção para a estante que indicava Literaturas Africanas. Apenas 5 livros, e eu já os tinha todos... O mesmo sucedeu na estante Literatura Brasileira!
Acabei por encontrar um livrinho em bom estado do Mário Cláudio, que afinal, é dois em um, porque, de um lado, oferece prosa e do outro, poesia... O resto da livraria, não tive coragem de o percorrer...
Preferi visitar o cemitério do Lumiar, onde os ciprestes continuam perfilados e, hoje, visitados por aves que não consigo identificar - não eram corvos nem gaivotas! Talvez estivessem de passagem, como eu, e me seguissem até à Quinta das Conchas...
Ainda observei os eucaliptos, mas neles só poisavam os pombos e um ou outro melro.

11.3.16

Com a idade...

«O movimento não se confunde com o espaço percorrido. O espaço percorrido é passado, o movimento é presente, é o ato de percorrer.» Tese de Bergson

Com a idade, o espaço percorrido cresce, e na cabeça de certas pessoas incha de tal modo que pouco sobra para que o resto do corpo consiga mover-se...
Essas pessoas vivem num espelho que lhes reflete as frustrações e os delírios. Reclamam direitos por serviços prestados e detestam ser contrariadas.
O outro perde em autonomia e ganha em servidão... e à medida que serve vai pensando se não se enganou no caminho.
Desmeditando, está na hora de voltar a servir, que os deuses já se inclinam sobre a nossa insubordinação.

10.3.16

Marcelo, oficialmente, esqueceu Fernando Pessoa

Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa prestou homenagem a Vasco da Gama e a Luís Vaz de Camões. E, oficialmente, esqueceu Fernando Pessoa.
Esperemos que o "espírito" do Estado Novo não esteja de regresso. Há, no entanto, indicadores que perturbam: "venham a mim os pobres de espírito!"
Como diria José Rodrigues Miguéis, "o pão não cai do céu"... 

9.3.16

Sinto-me vilependiado...

A cortesia impôs que o presidente Cavaco fosse condecorado com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.
900 convidados deslocaram-se ao Palácio da Ajuda para assistir ao ato e cumprimentar o homenageado.
Na espera, foram petiscando e cavaqueando.

Em rodapé:
Numa só empresa, 500 trabalhadores estão a caminho do desemprego.
O Governo está obrigado a reduzir a despesa em 700 milhões ou a cobrar mais 700 milhões em impostos.
(...)
Nós pagamos a insígnia, os acepipes, o cavaco, o subsídio de desemprego, os palácios, os veículos de alta cilindrada,  os cortes nos vencimentos e nas reformas, na saúde e na educação; nós pagamos as taxas... e 5 presidentes.

Começo a pensar que não foi para isto que há mais de 100 anos a monarquia foi derrubada. A verdade é que me sinto vilipendiado, não com a cortesia de condecorar o Presidente Cavaco, mas com a atribuição do Grande Colar da Ordem da Liberdade. 

8.3.16

A desgraça dá lucro

«La guerre a enrichi les États-Unis.» in Le Monde Contemporain, page 120, Bouillon, Sorlin, Rudel, Bordas

Esta é a frase que não me sai da cabeça. A Grande Guerra (1914-1918) enriqueceu os Estados Unidos. 

A Guerra da Síria está a enriquecer a Turquia e, absurdamente, a Grécia não está a saber rendibilizar os milhares de refugiados que lhe entram portas dentro.

A afirmação pode parecer cruel, mas a desgraça alheia acaba por ser sempre lucrativa para alguém.

Maria Luís, ex-ministra da fazenda, sabe bem do que os credores são capazes, e como tal, a necessitar de pagar a mansão hipotecada, não perde tempo a colocar-se ao serviço de quem enriquece à nossa custa. Afinal, o Gaspar tinha seguido o mesmo caminho, e o ruído foi menor...

Aníbal Cavaco Silva deixa-nos amanhã, depois de condecorado pelos serviços prestados ao grande capital, e parte muito mais rico do que chegou. Como? Não sabemos. Arauto da austeridade, soube escolher o lado menos doloroso, ao contrário de muitos portugueses a quem essa opção foi sonegada.. 

A experiência ensina que a desgraça de muitos é a riqueza de poucos. Fundamental é não ter escrúpulos.

7.3.16

Todos temos opinião...

Todos temos opinião, embora desconheçamos a história do conceito, embora ignoremos o nome daqueles que lutaram até à morte pelo direito de deixar de ser escravo, de deixar de ser vassalo... O tempo era outro, aquele em que a única voz que se fazia ouvir era a do soberano, ou em nome do soberano...
Hoje, melhor seria que a voz de cada um fosse a expressão de um ponto de vista devidamente ancorado na realidade. Falta-nos a humildade de confessar a nossa miopia, ainda que transitória.
Ao ´ponto de vista´ preferimos a 'opinião', que dizemos ser nossa, como se esta não fosse de um grupo, de uma classe, de um rebanho. Preferimos  escondermo-nos no relativismo gratuito...
(...)
Infelizmente, as convicções são como as crenças, só com fé e muita liturgia é que as toleramos.... E uma pitada de ironia.