24.5.16

Ainda se o professor pudesse aplicar a extrema unção!

Esbaforido, só lhe importa saber quando é que pode realizar os testes em atraso. Não se importa de fazê-lo por atacado.
Outro, nem sequer aparece, mas manda mensagem ao colega para que ele coloque a mesma pergunta. Neste caso, respondo sempre do mesmo modo ao mediador: - Veremos!
Claro que ainda há aqueles que não aparecem nem dão qualquer explicação com ou sem recurso a mediador - colega, diretor de turma. Um destes dias, irão aparecer com o ar mais cândido, justificando que estiveram doentes e que já é tarde para realizar qualquer tipo de tarefa... 

Na escola pública, o professor, como o médico ou o confessor, tem de estar sempre disponível. Ainda se o professor pudesse aplicar a extrema unção! Não consta que algum moribundo tenha sido obrigado a prestar uma derradeira prova, a não ser a do temor de que o confessor possa estar farto de água benta... e chegue fora de horas...

Estes incidentes, noutros tempos, eram críticos, agora não passam de contratempos. 
Qualquer semelhança com a realidade é pura fantasia de quem se enganou na vocação.

23.5.16

O que dói

O que dói é saber.
O que dói
é a pátria que nos divide e mata
antes de se morrer.
Eugénio de Andrade, setembro 72

O que dói
é não querer saber
ou fingir não saber
que as pátrias nos dividem e nos matam
antes de se morrer.

O que dói
é haver quem pense que matar é um ato figurado
e que, a ter ocorrido, foi noutro tempo...
e noutro lugar.

O que dói
é haver quem pense que se morre
apenas quando tiver de ser...

O que dói
não é sofrer o que tem de ser.
O que dói
é saber que há quem nos impeça de viver.

22.5.16

Solilóquio? Creio que sim...

Solilóquio? Creio que sim. 
O solilóquio é uma fala que alguém dirige a si próprio. De certo modo, esta fala não pode ser considerada réplica, pois esta pressupõe a existência de um diálogo ou, pelo menos, um colóquio. Como alguns querem, ando muito longe da interação.
Eu bem gostava de interagir, mas lá, no fundo, sinto que de mim só querem conformidade. 
(...) 
E o solilóquio arrasta-me para a ataraxia de Demócrito - a tranquilidade de alma, a ausência de perturbação - bem próxima da apatia dos estóicos...
No entanto, por mais que me esforce, há sempre alguém a desassossegar-me. E os caminhos do desassossego são tantos que, em certos momentos, me apetece acabar com o próprio solilóquio... 

Bem sei que os Poetas sabem como resolver o problema, mas eu não. Nunca fui poeta! Tolo, sim!

21.5.16

O binómio de Cesário Verde irrita-me

Binómio é uma noção cujo termo é composto pelo prefixo bi e por um vocábulo grego que se pode traduzir como “parte” ou “porção”. Isto significa que um binómio é formado por duas partes.

Há binómios irritantes! Um deles é o famoso binómio de Cesário Verde. Não há manual - sebenta, aluno ou professor - que não fale do binómio 'cidade-campo' na poesia de Cesário Verde. O único que nunca usou tal termo foi o Poeta.
No essencial, Cesário Verde foi reduzido a esse binómio. Independentemente da pergunta, as respostas começam todas pelo binómio: o poeta, cansado da cidade, refugia-se no campo...
Embora o Poeta tenha introduzido a modernidade, no sentido baudelairiano do termo, na literatura portuguesa, isto é, tenha deslocado o olhar do campo para a cidade, descrevendo-a, à luz do sol e da iluminação pública, nas suas 24 horas, tenha desenhado os tipos sociais que  a povoavam e, em particular, as desigualdades, tenha condenado a injustiça e celebrado o trabalho, a verdade é que a imagem que dele se vulgarizou coloca no mesmo patamar o campo. 
E fá-lo sem sequer se dar ao trabalho de assinalar que o campo de Cesário é totalmente diferente daquele que durante centenas de anos suportou a literatura ocidental. O campo de Cesário é um campo produtivo, ao contrário do campo do classicismo e do romantismo, onde nada acontecia a não ser algumas cenas cinegéticas, piscatórias... sem esquecer as amorosas, felizes ou trágicas...
O campo de Cesário não é um espaço de evasão, mas um território que continua o espaço do trabalho citadino, apesar de mais eufórico...
De qualquer modo, a novidade que Cesário nos trouxe foi a CIDADE - a Modernidade com todas as suas contradições.  

20.5.16

O triângulo virtuoso pode ter nascido defeituoso...

Gaiola garrafão
Por uma qualquer razão genética, nunca fui capaz de desenhar o que quer que fosse que merecesse a minha aprovação, o que, sempre que necessário, disfarcei com o recurso a uma régua, um esquadro e, em certos casos, um compasso... embora este último sempre exigisse de mim um rigor que não estava ao meu alcance e, principalmente, de quem sonhasse pertencer à confraria dos pedreiros-livres. 
Portanto, condenado à imperfeição, lá vou recorrendo às figuras geométricas. Mas não sou o único!

Acabo de ler um artigo de Carlos Moedas, "O desafio dos desafios na UE: recuperar o otimismo", publicado no DN de 15 de maio de 2016, em  que o Comissário europeu para a investigação, ciência e inovação revela uma nova visão da geometria / geografia europeia:

«Ora, a estratégia da Comissão para promover o crescimento económico baseia-se num triângulo virtuoso: investimento, reformas estruturais e responsabilidade orçamental

Tenho estado a dar voltas ao triângulo, porém não consigo perceber como é que esta estratégia pode ser aplicada em Portugal. Parece-me que este triângulo deve ter nascido com defeito...

19.5.16

As vacas portuguesas estão prontas a voar

Ainda a propósito do esmagamento da soberania portuguesa, expus a um grupo de jovens a minha preocupação sobre a indiferença de que davam mostras.
Procurei convencê-los de que o teatro de forma épica visa questionar o leitor /espectador sobre o seu próprio tempo e não sobre o tempo da fábula. Por exemplo, a peça Felizmente Há Luar estabelece um nítido paralelismo entre 1817 e 1961, no que concerne à ação do antigo regime e à ocupação estrangeira. Expliquei que compreendo que não queiram aprofundar a História desta apagada pátria; no entanto, disse-lhes que não entendo que ignorem que as nossas decisões políticas de pouco servem, pois quem nos governa é a União Europeia e os seus tentáculos no terreno... apesar de, hoje, o primeiro ministro ter prometido que as vacas portuguesas, proibidas de nos darem mais leite e derivados, estão prontas a voar.
Quem diria?

18.5.16

A juventude portuguesa ignora a questão da soberania

«Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
(É ainda dado ao cálculo dum lance
Pra a efeito horas depois)
É ainda entregue ao jogo predilecto
Dos grandes indif'rentes
Fernando Pessoa / Ricardo Reis 


Batem-se pela independência pessoal desde cedo mas, paradoxalmente, não dão qualquer importância à soberania coletiva.
O cânone literário - de Fernão Lopes a Camões, passando por Vieira, Garrett, Eça, Cesário, Pessoa, Sttau Monteiro,  Saramago - retoma reiteradamente a questão da soberania nacional.
O resultado prático é uma farsa gigantesca, pois há muito que a competência de leitura se degradou e, sobretudo, o desinteresse pelo futuro coletivo se instalou.

Quando a Comissão Europeia trata Portugal como uma colónia, estou sem compreender qual é causa do comportamento da juventude portuguesa.
Por vezes, chego a pensar que Portugal mais não é do que uma invenção de meia dúzia de iluminados que nunca olharam à sua volta...