22.1.18

O tic-tac

O tic-tac continua indiferente à presença ou à ausência...
É sempre o mesmo balanço! Não lhe pesam as pernas, nem o afligem as articulações. Passa adiante, sem querer saber se a chama continua mortiça ou se algum fulgor se eleva na hora do fim do dia... Nem quando a luz se apaga e a noite se inteiriça, o tic-tac deixa a cadência que, afinal, me preenche a alma ou a vontade que tenho de ter alma...
A alma do mito! Muito para além da história... só que fosse uma pétala que agitasse o jardim... ou este tic-tac que me possui...

20.1.18

O relógio

Não lhe toco. Passo dias sem o olhar...
Só quando me alheio do ruído, lhe oiço o balanço... e sei que ele não se preocupa que eu tenha deixado de reparar nas horas, como se só estivesse interessado em fazer-me companhia...
Sem deixar de o ouvir, verifico, de momento, que ele pouco se atrasa, mesmo sem ter que ir a qualquer lugar...
Nisso da pontualidade somos parecidos, só que, ao contrário de mim, ele parece não se incomodar.
Como eu gostava de ser ele!

19.1.18

O Último Profeta


«Se a imaginação e o mistério não estão connosco, não vale a pena escrever.» Maria Ondina Braga entrevistada por Mário Santos, Público, 9.12.1995

Foi certamente essa certeza que alimentou Fernando Pessoa ao escrever MENSAGEM!
Perante o desconchavo a que Portugal chegara, na ausência de feitos que pudesse imortalizar, Pessoa optou por imaginar um futuro que, de algum modo, fosse capaz de despertar os portugueses coevos da modorra em que jaziam.
Esqueceu a História e atirou-se ao Mito e, pelo caminho, assumiu o papel de último profeta do Quinto Império, procurando devolver a esperança e a vontade necessárias ao Sonho, sem o qual o Senhor acabaria por esquecer o povo eleito que unira o Mar, mas que não soubera preservar o Império... 
O último profeta (Screvo meu livro à beira-mágoa), mais do que a voz do Senhor, surge como seu interpelante, procurando, assim, que o último fôlego da Humanidade seja obra de Portugal - o verdadeiro herói de MENSAGEM.

18.1.18

Por estes dias

Saciada a fome, não resta nada. 
Nem a mortalha escapa à voragem.

Por estes dias, o mandarim repousa à espera que a Natureza o reintegre no jardim dos pássaros...

A tristeza que fica é a certeza de que nem a mortalha escapa à voragem...

17.1.18

Cabras sapadoras!?

O Governo vai avançar este ano com projectos-piloto de "cabras sapadoras" com rebanhos dedicados à gestão de combustível florestal na rede primária, anunciou esta quarta-feira o secretário de Estado das Florestas, destacando o reforço na prevenção de incêndios.
sapador - soldado de engenharia preparado para o assalto a fortificações.
sapa - pá para levantar a terra cavada.
sapar - executar trabalhos de sapa; minar.


Posso estar enganado, mas o senhor Miguel Freitas (Curriculum) não deve perceber nada de cabras. Consta que, caprichosas, as cabras se estão nas tintas para tudo o que não seja ruminar de estômago bem repleto... e eu só estou a falar das cabras, porque quanto aos bodes, esses há que poupá-los para que a espécie não se extinga.
Por outro lado, na velha tradição bucólica, o senhor secretário de estado bem poderia pensar em projetos-piloto alternativos de toupeiras, patos, porcos, vacas e até girafas se a União Europeia ainda autorizar a sua importação...
De qualquer modo, com tanta gente desempregada, o melhor é ordenar às cabras que retoucem, de acordo com o significado ainda em voga no interior do país, pois lá para o litoral algarvio há muito que o verbo deixou de ser transitivo...

15.1.18

Uma relação mal resolvida ou mal traduzida...

Com tanto estrangeiro embasbacado a fotografar a fachada, não resisti... até porque, de livro na mão, enregelava, à espera diante do nº 104...
Acabara de entrar no ensaio "L'inquietante étrangeté", de Freud e, tal como este, procurava uma tradução adequada, mas nenhuma me agradava, apesar da estranheza inquietante (angustiante) me parecer uma hipótese razoável...
Por seu turno, Freud ia gastando páginas atrás de páginas com o resultado das suas pesquisas sobre o significante nas diversas línguas europeias  correspondente a unheimlich, e parece que não encontrou, dando corpo à ideia de que as línguas guardam em si identidades (e mistérios) intraduzíveis!!!
Esta viagem linguística, a certa altura, revela-se deliciosa, quanto à tradução de unheimlich: « o italiano e o português parecem contentar-se  com palavras classificáveis como perífrases. No árabe e no hebreuunheimlich coincide com o demoníaco, o que provoca arrepios...» A tradução é minha e não é muito fiável, pois ainda faço fé no Luandino Vieira que não me contratou em 73/74 para as Edições 70, embora nunca me tenha explicado porquê...  
Daqui, talvez, se possa extrair que, para os portugueses, não há nada de verdadeiramente assustador e, muito menos, demoníaco... nem sequer a degradação das fachadas...
Em termos freudianos, resta saber quando é que esta familiaridade com a degradação terá tido início. Espero que não tenha sido uma relação mal resolvida entre D. Afonso Henriques e Dona Tareja, sua mãe, cujos vítimas terão sido os mouros despejados das amuradas...

14.1.18

Aliviado

Frequentemente, opto pelo silêncio. 
Hoje, no entanto, quero expressar o alívio que senti ao ouvir a confirmação de que Santana Lopes perdera as eleições...
O vedetismo do personagem não prometia nada de bom para o País.
De Rui Rio, espero que seja honesto e responsável - o que, afinal, espero de todos aqueles que abraçam a ação política... mas que não abusem dos abraços e da lamechice.