24.12.18

Inconfidência de natal

Desde cedo habituei-me a viver com a distância. Escrevo 'habituei...', mas, olhando para trás, prefiro 'aprendi...' com a distância… 
A proximidade tornara-se mais dolorosa do que a distância. Partir tornou-se natural por necessidade. Ficar era adiar qualquer forma de ser.
Se na partida havia dor, não sei especificá-la, pois não correspondia a qualquer tipo de saudade… o que havia era uma necessidade de me adaptar à viagem, ao espaço em que acabaria por me encontrar.
Adaptar-me, não para ficar, mas para ser, o que poderia significar partir de novo… 
Ao contrário dos que voltam, felizes, o regresso foi sempre uma forma de capitulação…
Talvez seja por tudo isto que em qualquer partida antevejo um sorriso, mesmo que esta possa ser a derradeira…
Ficar é adiar, regressar é capitular…

23.12.18

Nunca escrevi uma estória de natal

Faltam-me as personagens capazes de gerar uma nova intriga milenar.
Não é que o tempo seja diferente daquele que o menino encontrou nas praças, nos mercados e nos templos. O próprio espaço, de mais opaco, poderia favorecer o anonimato do novo herói…
Vejo-me, no entanto, condenado ao fracasso - o menino ao abandonar a cruz, tornou-se caixeiro-viajante…
Por estes dias, relembro a estória antiga.

Jesus entrou no Templo, expulsou dali todos os que nele vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas e as bancas dos vendedores de pombas, dizendo-lhes: «Está escrito. A minha casa há de chamar-se casa de oração, mas vós fazeis dela um covil de ladrões.»

22.12.18

Não sei falar camponês

«- Estamos aqui sentados debaixo da árvore sagrada do seu quintal. Pode dizer-me qual o nome dessa árvore?
- Porquê?
- Porque gosto de conhecer os nomes da árvores.
- O senhor devia saber é o nome que a árvore lhe dá a si.»
       Mia Couto, Conversas em camponês

Eu nasci e cresci no campo, mas não sei falar camponês. Nem sabia que se podia falar essa língua, até porque a escola cedo me ensinou que eu não sabia falar nem escrever… 
Agora, compreendo que me mandaram à escola para aprender uma outra língua muito distante da do meu país - uma língua artificial e artificiosa, em que a minha voz se sumia paulatinamente para ecoar outras vozes… (por lá tenho andado este tempo todo, e já cansado vou rasgando velhos e inúteis papéis de quem também nunca soube falar camponês, embora insistam no contrário...
Nessa escola primeira, criaram um 'doutor' que, em língua de camponês, soava a insulto revelador de traição.
Com o tempo, esqueci os camponeses e comecei a recordar as árvores e as aves, sentindo que as não conhecia suficientemente; não lhes aprendera os nomes e as vozes, pois não faço ideia do que é que elas sabem de mim…

21.12.18

Essas errâncias

«As coisas mais importantes são outras… essas errâncias.» Mia Couto entrevistado por Teresa Roza d'Oliveira, in Letras & Letras, 3 março 1993

ouvir só ouvir 
falar por falar
ler sem querer
escrever para além do ver
caminhar sem correr
ser sem ter

20.12.18

Só que os satanhocos têm um desígnio

O que parece é que anda por aí muita gente sem rumo, cujo movimento se esgota no momento…

Nos últimos dias, a classe política gulosa tem passado a mão pelo lombo do satanhoco… O que ela não entende é que o satanhoco sempre foi avesso à democracia, tendo como principal intuito escorraçá-la.

Pois, talvez pudesse parecer que… só que os satanhocos têm um desígnio…

19.12.18

Se vamos...

"Vamos Parar Portugal como forma de Protesto"
Como é que se pode parar o que já está parado?
Há incongruências miméticas difíceis de aceitar…

Se vamos, se nos movemos, é porque queremos percorrer um caminho, traçado o rumo…
O que parece é que anda por aí muita gente sem rumo, cujo movimento se esgota no momento…

18.12.18

Duas nótulas

Escola Sec. de Camões
- O que é que estes livros fazem atrás das grades?
(Há ali toda uma biblioteca sem leitores! Já nem sequer a Dona Olinda lhes limpa a poeira… Que desperdício!)

Teixeira de Pascoaes faleceu a 14 de dezembro de 1952, dado que não me ocorrera… até que, nos últimos dias, desatei a ler velhos artigos de jornais dos anos 80 do século passado, vá lá saber-se porquê. Serei o único?