14.5.21

Ao perder as palavras

 

Não sei se as palavras podem rodar para direita ou para esquerda… As imagens podemos distorcê-las e até eliminá-las… 
O que sei é que chegamos sem elas e que, por um dom inexplicável, com elas vamos construindo a nossa realidade. ( Os poetas são os que melhor apuram esse dom!)

"C'est dans le don de la parole que réside toute la réalité de ses effets! Car c'est par la voie de ce don que toute réalité est venue à l'homme et par son acte continué qu'il la maintient." Jacques Lacan, Écrits I

O que pressinto é que se as começamos a distorcer, então o fim está próximo. Cada ser deixa de o ser ao perder as palavras. (Os poetas continuam a perder-se nas palavras e ainda bem!

11.5.21

A palavra secou

 

«Au-delà du mur, il n'y a rien qui ne soit pour nous ténèbres extérieures.» Jacques Lacan, Écrits I

Já me conformara com a ideia, só que agora as trevas mudaram-se para o lado cá. A linguagem depreciou-se de tal modo que a palavra secou.

E como tal, fiquemos por aqui antes que o muro desabe e tudo seja treva. 

(...) No entanto, a flores estão aí, indiferentes aos nossos dramas...

8.5.21

... a resposta do outro



«Ce qui je recherche dans la parole, c'est la réponse de l'autre.» Jacques Lacan, Écrits I

Escrever não para me dizer, mas para entender, ouvir o outro… como se fosse ave. Esta só canta porque procura uma resposta, caso contrário, entristece.
Infelizmente, o outro já não pode responder ou, em alternativa, deixou de estar atento, enredado nos traumas que vai inventando para não se comprometer.
O outro, por decisão ou por fatalidade, abdicou de ouvir, deixando que o eu se dilua em partículas dissonantes e vagabundas, matando, assim, a razão da escrita.

7.5.21

Em troca de perdão

O que não se chega a dizer… 
Confessá-lo em troca de perdão é vulgarizar a ação maldita, o sonho interdito, mesmo que o segredo tenha sido garantido…
Nos últimos tempos, dizer tudo, confessar tudo tornou-se o pasto de que se alimenta a turba. Mas quando se observa de perto, o pasto não tem seiva… é, apenas, uma pasta ressequida para alimentar omnívoros mesquinhos.
(...) ~
E depois há os que tudo confessam sem nada chegar a dizer... E não se importam de nos fazer descer aos infernos, lugar onde o perdão é desnecessário.

5.5.21

O dia da língua...


«C'est le monde des mots qui crée le monde des choses, d'abord confondues dans l'hic et nunc du tout en devenir...» Jacques Lacan, Écrits I

Celebramos a língua, a nossa… orgulhosos dos nossos feitos e, sobretudo, convencidos de que continuamos a ter uma missão a realizar e de que para tal há uns tantos povos dispostos a sacrificar as suas coisas…. sim, porque, ao abdicarem dos seus signos, deixam  que o futuro lhes fuja, que as suas coisas não cheguem a a dignificá-los.

Exagero, talvez. mas quantos povos se foram perdendo pelo imperial caminho? O sonho deste dia parece ser o da sua eliminação definitiva…, ao contrário do que se vai proclamando.

2.5.21

O canteiro

Em frente à casa, um canteiro irregular acolhia as tuas flores, por ti plantadas e regadas de acordo com as regras do Tempo. De vez em quando, colhias um lírio, um jarro, uma rosa, que colocavas num rústico jarrão na mesa da sala.. 
As sardinheiras nunca abandonavam o canteiro! Eram as primas-donas do lugar!
Ninguém comprava flores para te oferecer. Tu é que as oferecias ao senhor Jesus, à Virgem e a algum santo mais extremoso.
Hoje, no teu dia, não vou comprar flores para te oferecer, apenas relembro o canteiro irregular, por vezes, retouçado por caprichosas cabras que por ali passavam.
E não sei se o canteiro ainda perdura!

1.5.21

Muda o mês

Muda o mês, o inferno de abril continua… 
só o masoquismo explica porquê. 
Acrescentar o quê, se a vida é a mesma, chova ou faça sol…
Hoje foi dia de vacina, primeira dose da AstraZeneca. 
O rebanho submeteu-se sem alarido. 
só o masoquismo explica porquê.
As flores, essas, seguem o seu destino… 
um destes dias murcham e ninguém dará pela mudança. 
Não creio que as rosas sejam masoquistas.