23.3.13

Ação e estesia

«Claro que há escritores que são homens de acção ou profissão intervalar: amorosos, caçadores, guerreiros, aventureiros, políticos, homens de negócios e/ou trapaças, etc., que agem sobretudo para ter o de que escrever, para rememorar gostosamente, íntima e demoradamente as acções que praticaram ou exerceram. A acção, neles, não é tanto um fim em si, como a escorva, espoleta ou detonante, o estímulo e nutriente da obra, que é, esta, o seu gozo secreto, autista, de evocação, contemplação e projecção au ralenti. A sua estesia suprema reside menos no agir do que no rememorar-escrever, no retrospecto e na análise, na digestão, ruminação ou solitária exploração das emoções…» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 33
 
A reflexão de José Rodrigues Miguéis é cativante, mas difícil de aceitar, pois, como diria Paul Ricoeur, in do texto à ação,  «agir significa, acima de tudo, operar uma mudança no mundo».
Para JRM, certos escritores envolver-se-iam na "vida" como «ação de base» para mais tarde terem o de que escrever, dando à estampa a expressão de uma sensibilidade assente no real, mas liberta das poeiras do caminho.
Ora, como «agir é fazer sempre alguma coisa de modo a que aconteça qualquer outra coisa no mundo» (P. Ricoeur, op.cit),  o homem de ação corre inevitavelmente riscos (mesmo, de vida) que não pode antecipar. Assim, não faz qualquer sentido, por exemplo, participar na guerra de libertação ou desertar das fileiras do exército colonial, como aconteceu, respetivamente com Pepetela e Manuel Alegre, para mais tarde poder construir uma obra literária que lhes traga gozos privados ou os faça perdurar além morte.
 
Outra ideia que decorre do pensamento de JRM é que haverá escritores que não são «homens de acção». Homens e mulheres que poderão escrever as suas obras, longe da vida. Homens e mulheres que conseguem escrever sem terem experiência da vida. E esse é outro problema! 
 
 

22.3.13

Óscar Lopes

(Breve apontamento)

Óscar Lopes (Nasceu a 2 de Outubro de 1917, em Leça da Palmeira numa família de músicos. Faleceu, hoje, 22 de Março de 2013). Irmão de Mécia, mulher de Jorge de Sena. Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Linguista, Historiador de Literatura. Membro do Comité Central do Partido Comunista Português, a que aderiu em 1945. Esteve ligado a todos os movimentos de resistência ilegal ou semilegal desde 1942. Foi companheiro de prisão de Agostinho Neto (A). Na Faculdade, teve colegas como Baltasar Lopes (CV).
Entre 1951 e 1957, fez crítica literária n’O Comércio do Porto. Em 1958 e 1959, não pôde usar o seu nome, por ordem da Censura. Passou a assinar «Luso de Freitas».
Entre 1974 e 1976, foi director da Faculdade de Letras do Porto, chegou mesmo a reitor, em regime de interinato, por ausência do reitor, prof. Ruy Luís Gomes.
Foi promovido a professor de catedrático, apesar de não ter um doutoramento formal, mediante o parecer de Vitorino Nemésio e de Jacinto Prado Coelho.
Comecei a conhecê-lo, a ele e a António José Saraiva, em 1971-72, através da História da Literatura Portuguesa. Nunca lhe perdi a vasta obra, sobretudo, a ensaística, com a qual aprendi a saber ler os sinais e os sentidos. E não só!
Parte mais um ilustre português cujo verticalidade nunca foi devidamente reconhecida.  

21.3.13

Em deformação

Comprometer-me, eu!?

- Cada macaco no seu galho!
- Senhora doutora, eu não quero saber de nada!
- A minha preocupação é evitar o ruído!
- É necessário simplificar!
- Eu não quero é que haja recursos!
- Eu sou uma pessoa cautelosa! Sempre fui assim!
- Agora estou aqui, amanhã posso estar aí!
- A sério, o que é preciso é conhecer o decreto regulamentar...

Sala polivalente, em anfiteatro, aberta sobre a cidade. Os olhos perdem-se longamente no casario que vai crescendo em direção à linha do horizonte, de forma que a serra e o mar se esfumam.
Os edifícios dispõem-se em pesados volumes horizontais, para, depois, se elevarem verticalmente como se quisessem fugir para o cinzento do céu.
Telhados e terraços escondem vidas sempre distantes e, aqui e acolá, um cedro sombrio, um abeto esbracejante e um pinheiro altivo assinalam outros tempos, outras gentes mais próximas do que estas, minhas irmãs, que insistem num diálogo impossível...
De tal modo, o olhar procurou o arquiteto que desenhou esta dimensão-duração que percebi que também estava em deformação.  
 
 

20.3.13

O blogueiro também é um Fala-Só!

O título é emprestado e serve para resumir o que acontece a quem escreve neste blogue - um Fala-Só. Mas nem sempre se está só. Quero acreditar que os verdadeiros escritores, mais do que narcisos comunicantes, são seres que se habituaram a dialogar silenciosamente com as vozes do quotidiano. Só que essas vozes ora lhe estão próximas ora distantes.
Os blogueiros não são, em regra, escritores, mas encaixam bem nas motivações e nos objetivos definidos por José Rodrigues Miguéis - blogueiro avant la lettre.
   
«O homem que escreve por imperiosa necessidade (…) é o que fala primariamente consigo e para si próprio, um Fala-Só, embora, com maior ou menor consciência disso, o faça para os outros também: a fim de se conhecer, revelar, surpreender, compreender, exprimir e comunicar, objectivar-se e justificar-se, supor-se ou confessar-se, disfarçar, mentir a si mesmo e aos outros (sobretudo), e enfim para convencer, mobilizar, catequizar ou proselitar os seus hipotéticos leitores. Quantas vezes, mesmo, simplesmente para gozar – ou sofrer!...

(…) É pois um narciso comunicante ou comungante a mirar-se nos outros: convive – a sós. Porque escrever é, antes de tudo, um acto de intimismo, de intimidade e confiança com e em si mesmo, de confidência: como o sonho e a quimera. Quem não tiver essa auto-intimidade, poderá escrever montanhas, que nunca será escritor!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 31, Do homem no escritor (e vice-versa)

19.3.13

Dissonâncias ambientais e resiliência

Ao ouvir um programa radiofónico (TSF) sobre o Parque Natural do Alvão não pude deixar de me surpreender com a repetição da expressão «dissonâncias ambientais». Inicialmente, pensei que a invernia estivesse a afetar o canto das aves. Mas, não!
O entrevistado explicou que encontrar um frigorífico no leito de um rio é um exemplo de «dissonância ambiental». O mesmo se poderá dizer de todo o tipo de entulho lançado para a floresta ou para o espaço...
Compreendi a ideia e fiquei a pensar na expressão.
Na mesma entrevista, fui surpreendido por outro significante - «naturalizar». No caso, como o agente é a Natureza, é-me mais fácil aceitar a inovação linguística: esta não só é capaz de integrar «as dissonâncias ambientais» como as transforma em novas formas de vida. 
De qualquer modo, fiquei sensibilizado com as iniciativas que visam uma educação ambiental capaz de pôr cobro às «dissonâncias ambientais».  
 
Não posso, no entanto, deixar de pensar noutras «dissonâncias», como a troika, a classe política europeia e nacional. E espero que não sejamos tão resilientes como a Natureza, até porque nos falta o tempo humano.
No que me diz respeito, sou totalmente contra a «naturalização» destas dissonâncias predadoras.
 
PS. Já andava há uns dias a querer utilizar o termo resiliência. Foi desta! Lembro que é um termo que todos deveríamos banalizar, pois explica a política do governo: propriedade de um corpo (um país) de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação ( memorando)...

18.3.13

Desenhar...

Diz Álvaro Siza Vieira: «Desenhar é um vício desde menino (...) porque permite o lançamento de hipóteses de uma forma muito expedita e muito maleável (...) porque passou a fazer parte de um método de trabalho e de um hábito mental que depende muito desta relação entre as mãos e a mente.» Expresso, 16.03.2013

Nunca consegui desenhar nada que se aproveite, embora, a espaços, tenha tentado. Sempre me considerei desajeitado, mas nunca pensei seriamente na relação entre as mãos e a mente, embora as veja como um prolongamento dependente do olhar.
À medida que envelheço, vou tomando consciência de que o desajustamento desta tríade - mente, olhos, mãos - me condiciona diariamente a ação, e creio, agora, que sempre me condicionou.
E como não acredito no inatismo, sou levado a pensar que conheço a causa, embora a não confesse. Porquê? Porque não faz sentido ajustar contas com o passado. No entanto, o recalcamento é o pior inimigo da harmonia necessária à coordenação da ´tríade - mente, olhos, mãos - e do desenvolvimento de automatismos mentais capazes de acrescentar e melhorar a realidade.
O tempo corre, e o desenho não surge. Agora, a tríade é outra: mente, ouvidos, pernas...


 

Urgências

Hospital de S. José, Lisboa
 
(Dezenas de doentes esperam pacientemente, e não é por Godot!)
 
Chegada às 18 horas.
Atendimento às 23 horas.
Duração da consulta: 40 minutos. Sempre a registar os sintomas declarados pelo paciente. Fica-se sem saber se o médico tem acesso ao longo historial do paciente no sistema nacional de saúde e, sobretudo, naquele hospital.
 
Os dados dos doentes estão ou não disponíveis numa base de dados nacional? Se estivessem a triagem decorreria obrigatoriamente de outro modo e o tempo de espera e de atendimento seria bem menor...
 
Conclusão: Não necessita de mais exames de diagnóstico, para além da incidência na tensão arterial e na reflexologia.
Taxa: 20 euros e 60 cêntimos!
 
Afinal, o que é que poderá ter levado o paciente à urgência? Certamente que não terá sido a vontade de  pagar 20€ e 60,  mais 6€ e 75 de estacionamento no bem frequentado parque do Martim Moniz.
À meia noite, a praça está entregue a si própria! As arcadas do Centro Comercial completamente lotadas de sem-abrigo, com a curiosidade de alguém ali ter instalado uma tenda de campismo!
Parece-me uma boa ideia! O António Costa ainda está a tempo de ali mandar instalar um parque de campismo, até porque o hospital de campanha já lá está...
 
Em síntese, os amadores continuam a dar cartas e a desperdiçar os escassos recursos do país!