16.11.14

Este fulgor baço…

«Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer…» / Fernando Pessoa
Temos rei e temos lei,
temos paz e temos guerra.
Todos sabemos o que queremos,
todos conhecemos quem somos.
(Temos peritos em ansiedade
e até já não há nevoeiro!)
De nada serve ser inteiro
desde que se possa
deitar a mão ao dinheiro…
(…)
Há quem floresça num canteiro
e queira ser quem não é
Não importa se espinho
se erva daninha…
(…)
Para ti
que, longe de ti,
procuras quem és,
cava
e em ti acharás
quem és…

15.11.14

Quando os Lobos Uivam

Se decidir ler Quando os Lobos Uivam (1959) de Aquilino Ribeiro, dê, também, atenção ao estudo de Dulce Freire, Os Baldios da Discórdia: As Comunidades Locais e o Estado, in Mundo Rural - Transformações e Resistência na Península Ibérica, 2004

Aquilino Ribeiro, mesmo que se por razões pessoais*, não enjeitou a hipótese de tratar literariamente um tema que, aparentemente, só dizia respeito a comunidades rurais conservadoras ciosas de preservar os baldios que cercavam os povoados e dos quais extraíam parte do seu sustento...
Para Aquilino, o problema não era "local", pois do outro lado estava o Estado, pronto a esburgar o povo de uma das últimas fontes de sobrevivência, em nome de uma 'moderna' política de florestação que, hoje, bem sabemos a quem aproveitou...
O povo 'retrógrado' sabía que a intervenção do Estado raramente o favorecia... Tal como Aquilino sabía que a Literatura ao ampliar o conflito, pode torná-lo bandeira de uma luta sem quartel contra o despotismo e contra o nepotismo do Estado.
E foi o que aconteceu à época: O romance vendeu 9.000 exemplares em três meses...; Aquilino teve de enfrentar a PIDE e a Censura, e o Estado Novo ficou mais desacreditado...


* Litígio pessoal com funcionário dos Serviços Florestais em Sernancelhe, Viseu, que o terá levado a ampliar os conflitos ocorridos na Serra de Leomil.

/Manuel C. Gomes

13.11.14

Trust me, não me parece...

Jeff Abbott is the New York Times bestselling, award-winning author of many mystery and suspense novels. He has been called “one of the best thriller writers in the business” (Washington Post). 
(...)
Nos últimos anos, tenho sido testemunha de uma verdadeira paixão pela leitura de autores 'anglossaxónicos'. Cada vez que me apresentam uma nova "descoberta", imagino que o fascínio não é muito diferente daquele que certos animais sentem pela fava seca: cai bem no estômago e aumenta a adrenalina. Durante umas horas, a adrenalina sobe e a cavalgadura fica eufórica; depois cai no abatimento até que nova dose lhe volte cair no cocho...

Nesta mesma semana, também me apresentaram "Os Emigrantes" (1928) de Ferreira de Castro. Fiquei feliz com a opção, mas creio que fui só eu e aquele jovem que encontrou aquele romance lá em casa e ousou lê-lo, porventura, porque saiba que eu gosto pouco de romances em que "são todos bons rapazes e boas raparigas», mesmo que não saibam interpretar o verso de Pessoa: «nem o que é mal nem o que é bem».
Talvez porque rejeite a aculturação ou, mais grave ainda, a leitura como forma de alienação, ao chegar a casa, "castiguei-me" com a tradução d'  UN APERÇU DE L'HISTOIRE DES KURDES, par Kendal NEZAN, Président de l'Institut kurde de Paris, com a conclusão da leitura do estudo "Mobilización campesiña, clientelismo politico e emigración de retorno, de Raúl Soutelo Vasquez, e com o retorno a 100 Cartas a Ferreira de Castro, edição da Câmara Municipal de Sintra, onde numa delas, a propósito da leitura do romance Sangue Negro (1923), Raul Brandão refere: «o senhor escreve sem se deter em pormenores inúteis e escolhe sempre para o assunto, ao contrário do que fazem para aí todos os fúteis, problemas cheios de grandeza e humanidade. É alguém.» Cit. por Alberto Moreira, A Carta é de L. Consiglieri Sá Pereira.
O sublinhado é meu!

11.11.14

Ler MENSAGEM

Nas palavras de António Quadros, Fernando Pessoa imprimiu em MENSAGEM «o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador.» Plural 12, pág.110

Hoje, procurei que os alunos percebessem o alcance de tal afirmação sem grande sucesso. Os poemas, escritos entre 1913 e 1934, visam despertar um povo descrente e adormecido para a necessidade de retomar a «esperança» e a «vontade» que, outrora, conduziram os portugueses à vitória sobre a NOITE e « o mar anterior a nós». Um povo que, perdido o Brasil, humilhado pelas potências europeias (Ultimatum), se vira a braços com a bancarrota  mais grave da nossa história; um povo que, depois de se ter vingado no Rei, acreditou por instantes na República que, rapidamente, o conduziu ao cadafalso em terras de África e de França, e à desagregação moral e social; um povo que se vê obrigado a emigrar e, ao mesmo tempo, assiste ao súbito enriquecimento de uns tantos...
É neste cenário que o Poeta, em nome de Portugal, terá impresso o «ideal patriótico, sebastianista e regenerador», tingindo a obra de esperança quanto à refundação da Pátria e quanto à regeneração do estado mental da nação, mas, deixando-se cair numa solução sebastianista que tão maus resultados viria a trazer ao País.
Para que a mudança pudesse ser alcançada, o Poeta entregou-se fervorosamente à mitificação dos heróis fundadores e refundadores da Pátria, já que, na sua perspetiva, em cada geração é necessário que Portugal se cumpra - Senhor, falta cumprir-se portugal
A novidade da obra reside, pois, no processo de mitificação que, partindo da lenda ( o NADA) ou da História ( o TUDO), transforma os heróis em exemplos «inteiros» para quem é apenas «metade de nada», mas aspira a libertar-se do «sono do ócio ignavo».
Ora, para Fernando Pessoa, 'aspirar' é sonhar, é ter vontade de compreender, de fazer, de mudar, de corrigir... o que, HOJE, parece continuar a faltar!

PS. Não é a primeira vez que CARUMA escreve sobre MENSAGEM: O Sonho e a Dor (15.11.2011); As mesmas âncoras (24.5.2011); A Pátria mesta (23.11.2013)... 

    

9.11.14

A leveza de Jorge Castanho no Centro de Arte Moderna Gulbenkian


« O fascínio dos homens e, consequentemente, da arte pela natureza acontece desde sempre, desde os animais gravados nas grutas de Lascaux, passando pelo bestiário medieval – que os desenhos de Jorge Castanho são herdeiros e as únicas obras expostas que não pertencem ao acervo do CAM…» Isabel Carlos e Patrícia Rosas, in Animalia e Natureza na Coleção do CAM, 17 de outubro 2014 a 31 de maio de 2015.

Não sei se o desenhador, Jorge Castanho, vive fascinado pelo bestiário medieval, parece-me, no entanto, que ele foge do peso dos homens porque, de tão adiposos, se torna difícil determinar os pontos a partir dos quais o traço ganha fôlego e, principalmente, ganha vida. Como se essa vida fosse o resultado de extensões longilíneas sensoriais!
Parece-me, assim, que o desenhador procura capturar a eclosão da vida sensitiva.
De notar que neste dia encontrei quatro jovens que, de fascinados pelos desenhos do Jorge Castanho, se sentaram no chão, procurando reproduzi-los nos seus blocos de desenho.
Entretanto, percorri  a restante exposição, concebida a partir do universo de António Dacosta (1914-1990), tendo concluído que vou voltar devido à qualidade do acervo. Mas só depois de ter relido La Tentation de Saint Antoine, de Gustave Flaubert…

8.11.14

O Bobo e o Velhaco

a) Nos últimos dias, o bobo deslocou-se à Assembleia da República. Ao serviço de sua majestade, armou em mestre-escola, e decidiu dar uma lição silabada a António Costa... Uma lição sobre o preço das camas da hotelaria ulissiponense...
Uma lição patética de um ministro cujo governo lança taxas sobre tudo quanto se move no reino.
b) Por coincidência, CARUMA acabara de gastar umas linhas a determinar o raio de ação do VELHACO e, de imediato, percebeu que o Bobo é necessariamente velhaco, nem que seja para esconder a real gulodice de sua majestade...
c) Claro que o Bobo usufrui de menos privilégios que o Velhaco. Por exemplo, um bobo nunca afirmaria, no final de uma viagem de negócios: - FOI UMA MISSÃO E PÊRAS!
d) Amanhã, dois milhões de alemães vão estar em Berlim para celebrar os 25 anos da queda do MURO e, por antecipação, CARUMA interroga-se se o VELHACO que provocou tal derrocada também lá estará...
e) Andam por aí uns rapazes, bobos, que pensam que têm ideias, como se tê-las fosse fácil! No fundo, não passam de uns velhacos prontos a fazer trapaça... Até um Bobo sabe que não pode abusar da bobice, pois corre o risco de indispor sua majestade, perdendo de uma assentada a cabeça e qualquer sombra de ideia que pudesse conceber...   

6.11.14

Velhacaria

Há palavras cuja origem se perde nos fumos do tempo. É o caso do termo 'velhaco'. Consta que a forma portuguesa resulta de um empréstimo espanhol que, por sua vez, o terá roubado ao provençal 'bacalar", deixado ficar por algum celta mais matreiro ou, caso contrário, mais ingénuo - bakallakos...
O certo é que esta manhã acordei com o 'velhaco' na ponta da língua. Nas primeiras horas do dia não me saiu do pensamento. De facto, há muito tempo que não oiço chamar 'velhaco' a ninguém, nem encontro tal termo em qualquer obra mais recente.
Perplexo, interroguei-me se conheceria algum velhaco ou alguma velhaca ou alguém capaz de cometer qualquer velhacaria, e a minha língua desarmou-me. Deixou de fazer qualquer movimento e, consequentemente, de se pronunciar sobre o assunto.
Retraído, regressei ao tempo em que havia velhacos a torto e a direito. Um tempo longínquo, rural, apesar de distante da raia espanhola. Nesse tempo, até eu, quando, atormentado por um molho de serralhas para os coelhos, o escondia sob um pedregulho - até eu - ao regressar a casa, era apelidado de velhaco, erva ruim...
Esta incompreensível fixação, logo que a língua se contentou com a evocação do passado, atirando-me para a galeria dos velhacos anónimos, levou-me, ao longo do dia, a contar a dois ou três amigos esta inesperada obsessão... Qualquer deles deve ter ficado a pensar que, definitivamente, estou senil... E se calhar, estou mesmo!