25.8.17

Maré baixa

Fixo-me. Há aqui de tudo.
Pode parecer insuficiente, mas creio que, se alterar o ponto de vista, perderei o sossego.
Aqui posso fechar os olhos e voltar a abri-los sem que nada se altere.
Faltam poucos dias para que a maré suba e, quando ela chegar, deixarei de poder cerrar os olhos, porque nunca se sabe quando os gambozinos nos fazem perder o pé.
Aqui, até parece que o tempo se imobilizou...

24.8.17

Estórias incompletas

Eis o que sobra de um hotel dos anos 50/60, nunca concluído. O proprietário, embora não visasse chegar ao Céu, queria simplesmente ver o Atlântico.
Segundo o que me contaram, faltam 7 metros. Por ora, vai servindo de alojamento a alguns imigrantes...
Quanto ao rapaz do cesto, parece não ter tamanha ambição. Observa. O quê? Não encontrei ninguém que ousasse falar-me das suas observações...

Eu próprio não me importava nada de ficar ali sentado, mesmo se a noite chegasse... Talvez me limitasse a ouvir o galo que cacareja mesmo que não oiça qualquer resposta...
Ou serei eu que a não oiço?

23.8.17

Forasteiro em terra de imigrantes

Ordenadas as embarcações, pouco mais há a fazer. Dos pescadores, nem sombra. Ainda pensei que as ali tivessem colocado para que eu pudesse imaginar o Cais de onde partiram os primeiros batéis. Pensamento absurdo!
Tão irrealista como a abordagem daqueles forasteiros que me perguntaram se eu sabia onde mora(va) um tal de... (não lhe cheguei a conhecer o nome!). Mas é (ou foi) alguém que se distinguiu por ter sido proprietário do parque de campismo de Zambujeira do Mar...
Pensando melhor, embora o não saibam, talvez pudesse descontar certas atenuantes àquele casal de forasteiros: durante muito tempo, acampei em parques de campismo - conheci um bom número, apesar de raramente chegar à fala com os donos, sobretudo se nacionais; por outro lado, se pesquisasse na Internet  (...).

Ora o que encontrei entronca melhor na minha surpresa ao percorrer as ruas de São Teotónio:

A freguesia de São Teotónio tem uma população de 5500 habitantes. Quase metade são estrangeiros. Para além da comunidade búlgara (mais de 1000, muçulmanos) José António Guerreiro diz que residem na terra "cerca de 300 tailandeses e, em menor número, brasileiros, moldavos, argelinos, marroquinos, romenos, húngaros e outros". (Público, 28.05.2013)

Não sei se, em 2017, estes dados estão corretos, no entanto a presença de imigrantes é enorme. Talvez, o senhor presidente da República, admirador de São Teotónio, pudesse visitar esta localidade para avaliar as condições de vida destas comunidades, que me parecem miseráveis...
Quanto aos meus interlocutores, terão de ficar sem resposta, pois na pesquisa efetuada não encontrei resposta que lhes pudesse servir...

22.8.17

A modesta pirâmide alentejana

Ainda espreitei a ver se avistava o corpo do Ricardo Reis, mas, na versão saramaguiana, faltou-lhe a coragem - preferiu enterrar-se n'Os Prazeres, ao lado do criador, sob o olhar furibundo da avó louca ...
N'O Ano da Morte de Ricardo Reis, a fantasia, umas vezes tétrica outras hilária, destapa a ascensão dos fascismos na Europa e, em particular, o início da guerra civil espanhola com repercussão na terra dos lusitos que arrogam para si um vanguardismo, deveras, provinciano...
O importante é perceber que Ricardo Reis é, apenas, uma lente deformada que arrasta o leitor para caminhos empoeirados como aqueles que acabo de percorrer junto da barragem de Santa Clara... nas proximidades de Santa Clara-a-Velha, donde extraí a modesta pirâmide alentejana...
Da leitura e da viagem, já só sobra pó, mas, ao contrário dos apóstolos, não consigo sacudi-lo das minhas sandálias. E se o conseguisse, o que é que ganharia com isso?

20.8.17

Porto de abrigo

Aqui, na Praia da Azenha do Mar, não há areia. No entanto, vale a pena o fim do caminho. Por isso, ofereço-vos este "porto de abrigo" das embarcações.
Quanto ao resto, eu, que nem gosto de calor, lá passei 3 horas na afamada Zambujeira do Mar a tentar reler O Ano da Morte de Ricardo Reis, o que não é fácil, pois naquele romance não para de chover e de ventar.
E comigo vai ficando a ideia de que é precisa muita paciência para seguir o "badameco" do José Saramago.
«Nos dias seguintes Ricardo Reis pôs-se à procura de casa. Saía de manhã, regressava à noite, almoçava e jantava fora do hotel, serviam-lhe de badameco as páginas de anúncios do Diário de Notícias...»
Falta, talvez, acrescentar o óbvio: a praia foi enchendo tal como a maré, mas o português não desiste... e o espanhol, o francês...

19.8.17

E sujeito-me...

Balde tem. Ainda não verifiquei se a cisterna tem água.
Asiáticos não faltam! Indianos? Paquistaneses? Indus? Muçulmanos? Vá lá saber-se!
Ocupados a pôr os motores em marcha... e parece que sabem da poda...
Eu por mim, observo.
E sujeito-me, mesmo sendo europeu...

17.8.17

Por dever de ofício

Por dever de ofício, decidi reler O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago. Neste caso, melhor será dizer ler, pois até parece que nunca li tal romance. De qualquer modo, o exemplar, já quebrado, que possuo corresponde à 3ª edição,  e foi me oferecido pelo Manuel Duarte Luís, amigo da década de 80..., como se os amigos pudessem ser datados e se calhar podem, pelo menos enquanto os não esquecemos...
Tê-lo-ei lido nessa época e certamente não terei perdido a oportunidade de o mencionar e de o recomendar aos meus alunos de Teoria da Literatura... (Eles saberão melhor do que eu a importância que atribuiria ao modo como Saramago recriava tempos e individualidades, fictícias ou não...
Agora que me obrigo a reler a obra, confirmo que a minha memória terá sofrido grande abalo nos últimos 20 anos, mas interrogo-me se esta leitura escolhida para os atuais alunos do 12º ano é a mais adequada...
Este romance requer um leitor paciente, verdadeiramente interessado em compreender o território, a situação política, cultural e socio-económica dos anos 30 e, sobretudo, capaz de lidar com um narrador, cujo humor é corrosivo. Já nem me refiro à ironia e a uma intertextualidade, muitas vezes, anacrónica para a atual geração...