5.7.07

A dor do olhar…

(O fotógrafo suicida pede desculpa à vida e retira-se para não perder mais paisagens.)

Há quem diga que viajamos para tirar fotografias. De facto, a viagem e a fotografia confundem-se, para mais tarde nos iludirmos.

Da viagem fotografada fica a sensação de perda irremediável, de desencontro fatal, como se a imobilidade pudesse adiar a morte. Ai, o fascínio pela imagem – cristal!

Ora a fotografia imobiliza, toma formas letais sob películas de vitalidade esplendorosa - dos olhos agigantam-se corpos de areia! E das areias elevam-se cinzas vulcânicas.

Lá ao fundo, à volta do coreto, um pouco mais adiante, na tímida alameda, o fotógrafo ignora as paredes de cartão porque quem fixa de frente a morte acaba por cometer suicídio.

 

4.7.07

Oficial medíocre


«Pelo contrário, os oficiais medíocres preocupam-se mais em saber se o equipamento está em bom estado de funcionamento do que o seu pessoal.» Daniel Goleman, Trabalhar com Inteligência Emocional, Temas e Debates

Hoje, de acordo com Daniel Goleman, considero-me um "oficial medíocre", pois passei uma boa parte do dia a fazer um inventário de espaços e equipamentos degradados e avariados. Devo dizer que o pessoal, na sua maioria, andou por longe, talvez experimentando os ventos que nos fustigam… Mas é quase sempre assim nesta época do ano!

Apesar de "oficial medíocre", devo referir que a qualidade do espaço condiciona a aprendizagem e que por isso o "pessoal" se sente desmotivado para ensinar e aprender em salas, onde há muito não entram nem pedreiros, nem carpinteiros, nem pintores, nem…

Quanto ao equipamento avariado, o que se verifica é que a falta de um habilitado responsável pela sua manutenção inviabiliza qualquer tentativa de mudança de processos de ensino. É inútil dar formação ao pessoal se o espaço e os equipamentos se degradam diariamente sem qualquer esforço de reabilitação.

A liderança passa por uma atenção muito particular às circunstâncias em que o homem aprende e trabalha, devendo estar especialmente atenta à qualidade das ferramentas e à sua distribuição equitativa. Se isso não acontecer, a curto prazo, a liderança torna-se autoritária e, finalmente, irresponsável, pois acabará por destruir a instituição, arrastando para o desespero todos aqueles que, em algum momento, nela acreditaram.

PS: A IGREJA das "almas" há muito que se preocupa em receber bem os "corpos"! Atente-se no ar puro e limpo da Igreja matriz de Avis! E, pelo contrário, observe-se o lado terroso da memória Joanina!

1.7.07

No Maranhão, terra de maranhas...


Por (de)formação profissional poder-se ia pensar no lugar onde o Padre António Vieira proferiu o famoso "Sermão de Santo António aos Peixes" e também donde enviou as famosas "Cartas do Maranhão" a El-Rei D. João IV, a partir de 1654. Não. Estou a referir-me à Barragem do Maranhão, situada no concelho de Avis, a 165 Km de Lisboa.
Lá decorreu, neste fim-de-semana, uma interessante competição de remo, "patrocinada" pelo Mestre de Avis. Havia dezenas de remadores, de ambos os sexos, um pouco de toda a parte: Barreiro, Setúbal, Figueira da Foz, Gondomar, Póvoa do Varzim... O associativismo continua vivo! A organização local esforçou-se por ultrapassar a falta de meios e de apoio federativo... Mas, se não fosse assim, não estaríamos em Portugal!
O Parque de Campismo Municipal, em remodelação, oferece sossego e boas instalações aos campistas, apesar de, por exemplo, para ter pão a um Domingo, ser necessário requerê-lo à 6ª feira. Mas onde estaríamos nós se não fosse asssim?
Lá, no quase deserto Maranhão, ainda é possível observar as aves de rapina, protegidas pela serra alentejana, e alimentadas por reses desafortunadas e pelas águas cada vez mais abundantes.
Triste está o casco histórico de Avis, sobretudo no que respeita ao património medieval. E é pena! A Rua da Mouraria, onde ficaria a casa do Mestre de Avis, merece ser conservada de outro modo. A não ser que a ligação do Mestre a Avis não passe de uma patranha ou de uma maranha. Afinal "maranha"pode significar "intriga", "enredo" e maranhão "grande mentira". O topónimo consagraria, deste modo, um lugar em que os seus habitantes seriam dados à arte de enredar no sentido denotativo e conotativo. E talvez algum dos habitantes de Avis, aventureiro ou forçado, tenha um dia aportado às terras de Vera Cruz e dando expressão à maledicência lusa tenha entendido por lá replicar as maranhas, permitindo que o Padre António Vieira escrevesse ao Rei D. João IV: «Tudo neste Estado - o Maranhão - tem destruído a demasiada cobiça dos que governam, e ainda depois de tão acabado não acabam de continuar os meios de mais o consumir - Palvras visionárias que, afinal, não anunciavam o V Império, mas o saque contínuo dessa emaranhada raça que persiste por esse mundo fora.

28.6.07

Da antecipação...

No início dos anos 80, Alberto S. defendia que o problema português tinha uma causa bem definida: demasiados portugueses viviam do estado providência - os parasitas e os preguiçosos; os militares e os polícias; os sindicalistas e os políticos; e, sobretudo, os velhos e os doentes...Ouvi-lo, afligia, dava vontade de o esganar.
Ao mesmo tempo, Alberto S. defendia que os professores perdiam o seu tempo a «lançar pérolas a porcos». - Como é que um jovem de 15 anos poderia comprender Camões épico? - E o lírico? - E Antero? De que servia explicar-lhes a tese e a antítese? - Ainda se aprendessem o ofício de carpinteiro? - Ou de electricista?...
Alberto S. era desconcertante, vestia de cinzento, cultivava a altivez e regava religiosamente uma nogueira que se recusava a crescer, o que o deixava à beira do suicídio. Tinha especial prazer em dizer e fazer mal à "ursa" que lhe aturava as caturrices. E para cúmulo defendia que a obra literária do comunista Manuel da Fonseca era a mais reaccionária da literatura portuguesa pós-segunda guerra mundial.
Várias imagens vívidas de dor e de velhice lembraram-me, hoje, que o pedagogo Alberto S., "ventoinha" encartado, talvez tivesse sido professor de alguns dos actuais ministros, a começar pelo ministro da saúde e a acabar na ministra da educação..., especialmente do primeiro que teve uma ideia um pouco menos radical do que a do mestre, pois este defendia a eliminação pura e simples dos doentes e dos velhos - o ministro acrescentou-lhe uma pérola: por que não oferecer aos doentes pobres (e mais ou menos velhos) os medicamentos que se encontrem fora de prazo?
PS: Sobre a voluntariosa ministra da educação, prefiro não falar a não ser para dizer que lhe falta, pelo menos, uma qualidade (competência?) essencial: «Aqueles que possuem iniciativa agem antes de serem forçados a tal por forças externas. Isto implica muitas vezes agir por antecipação, para evitar problemas antes de estes surgirem ou tirar vantagem de oportunidades, antes de estas serem visíveis para as restantes pessoas. E quanto mais alto estiver situado na escala executiva, tanto maior é a janela de antecipação...» Daniel Goleman, Trabalhar com Inteligência Emocional

25.6.07

Delito ou delação?

Farto de rituais, percorro o corredor à espera do déjà vu: uma acta que faça justiça aos estados de alma de uma minoria insatisfeita e que se está borrifando para o princípio da equidade - os mesmos critérios para todos os examinandos; uma acta que interpele o sistema, mas que não fira a sensibilidade próxima.
Interpelado, quando observava a Machado de Castro e pensava na irresponsabilidade com que se encerram, deixam ao abandono e à voracidade dos predadores um sem número de edifícios escolares, regresso à sala para ordeiramente, qual ovelha mansa, assinar a referida acta e, finalmente, poder "levantar" as provas de exame.
Uma sensação física de náusea instala-se na pele e esfarela-se nos ossos e, sobretudo, esfarra-me o intelecto.
Dias mais tarde, para me aturdir um pouco mais, soube que a interpelação de que fora objecto resultara de uma queixa de uma colega ofendida pelo meu desinteresse e alheamento por aquela cerimónia tão enriquecedora e prestigiante.
Eu sei que o meu desinteresse pelos rituais vem, pelo menos, da adolescência. Nesse tempo, passava horas intermináveis a olhar para os querubins dos tectos, a observar capelas laterais, sempre com a mesma sensação de vazio, pois os morcegos raramente abandonavam a noite esfumada da arte sacra. Na repetição dos olhares, esvaziava-se a visão e prolongavam-se os odores miríficos das açucenas esmagadas por piruetas de incenso...
Desse tempo monástico, restam algumas imagens desfocadas, o luxo do silêncio dos lírios e sobra, também, a ideia de que o meu alheamento não incomodava ninguém. Durante esses longos cinco anos, nenhum colega - chegaram a ser 300 (?) - apresentou queixa contra mim... e os extensos corredores convidavam à meditação, sobretudo aqueles azulejos feridos pelas baionetas napoleónicas...
Acabei, todavia, por ser polidamente convidado a abandonar o falanstério e a reflectir sobre a minha (in)capacidade de aculturação, tarefa que ainda não completei... como se vê...
Felizmente, para mim, naquele tempo ainda não existia a lista dos excedentários, mas, hoje, do fundo da adolescência começa a erguer-se um cajado que se quer abater sobre a ovelha delatora...

23.6.07

Os tanques não são muito diferentes!

O filme da checa Vera Chytilova, Qualquer Coisa de Diferente (1962), procura responder à pergunta: "Que sentido tem - se é que existe um sentido - sacrificar tudo a um objectivo cujo valor é frequentemente imaginário e que não estamos mesmo certos de atingir?"
A resposta ortodoxa, mas primaverilmente irónica, diz-nos que o sacrifício da ginasta Eva Vosakova é compensado pela triunfo esmagador, pelo reconhecimento público e oficial. No entanto, no pódium soviético só há lugar para a campeã... não há medalhas nem de prata nem de bronze!
Num plano mais burguês, a outra protagonista, Vera, a dona de casa, ignorada, desforra-se nos amantes, para, no final, se reconciliar com o marido, também ele a viver uma aventura. Neste filme, o que parece diferente torna-se ortodoxo: Eva Vosakova prepara uma nova ginasta, aplicando a mesma metodologia que o seu professor; Vera, depois de uma cena de vitimização, "refaz" o lar...
A fuga - Qualquer Coisa de Diferente - é anulada antes de os tanques soviéticos invadirem Praga...
(Depois de ver este filme, fiquei a pensar se ainda faz sentido sacrificar tudo a um objectivo, tendo em conta que, a qualquer momento, os "tanques" podem esmagar-nos, em nome de um pragmatismo económico-financeiro para o qual a história pessoal e colectiva deixou de fazer sentido.)

17.6.07

'Jantar camoniano' na ABL

Afinal, sempre tinha razão: a 'portugalidade' foi evocada; a lusofonia nem por isso. Os compadres das Academias do Bacalhau de Lisboa, do Estoril e de Estremoz continuam a ver no "Poeta"o fiador da sobrevivência de Portugal. E sintomaticamente, acrescentaram ao "Luís", o Miguel (Torga), ambos declamados por Vítor de Sousa. E para além dos Poetas, não faltou o Fado, irmanando erudição e tradição.
O longo e concorrido 'jantar camoniano' decorreu numa movida eurotropical, com algumas interrupções para celebrar o protocolo da ABL com a Associação da Força Aérea Portuguesa, que acolheu o evento, e, sobretudo, para homenagear os melhores alunos de Português da Escola Secundária de Camões - Marisa Ferreira e Manuel Pata. Estes foram presenteados com diversos prémios, que receberam alegre e estoicamente, sob o olhar "reitoral" do prof. António Figueiredo, que aproveitou a ocasião para enaltecer a grandeza da instituição camoniana e censurar a pequenez dos decisores políticos que, ao longo dos anos, destruiram as 'fileiras' comercial e industrial...
Nota pessoal: No que me diz respeito, não posso dizer que tenha aproveitado mal o tempo, apesar da dor de cabeça que apanhei. Fiquei com a sensação de que os jovens homenageados gostaram do evento, tal como os pais da Marisa e o pai do Manuel, isto sem falar do ar radiante da professora Isabel Alexandrino. E para mim isso basta. Fiquei, no entanto, sem saber quem são os meus amigos "taveiras" do Camões, mas essa responsabilidade não a posso atribuir à ABL!