21.9.12

Interlúdio I

Se a solidez da sociedade resulta da capacidade de criar relações, a afirmação do indivíduo revela-se se ele for capaz de criar cultura. A ideia é de Fernando Pessoa e acabo de a encontrar no capítulo "Os Inadaptados", redigido pelo Dr. Rui Ramos (História de Portugal, VI volume, direção de José Mattoso).
Criar cultura corresponde ao que eu sempre pensei que deveria ser a função da escola. Memorizar e replicar só poderão ser andaimes nesse processo... 
Criar cultura é acrescentar! Não é imitar!
(...) Quando uma aluna me perguntou há três dias se, no âmbito do projeto individual de leitura (PIL), podia seleccionar uma obra de Almada Negreiros, ela estava, sem o saber, a escolher, um autor para quem criar cultura ( experimentar tudo de todas as maneiras) era o que distinguia os criadores dos dantas do seu tempo.
E por isso aconselho a leitura de Almada Negreiros:
  •  Os saltimbancos. 
  • Nome de Guerra
  • K4 O Quadrado Azul
  • (...)

20.9.12

O caminho

O caminho situa-se entre dois pontos mais ou menos distantes. Por vezes, a linha que percorremos tem na mira o outro, e sobre ele proferimos facilmente juízos agridoces. Habituados à ideia de que a causa do insucesso é exterior ou até anterior nós, enveredamos por becos sem saída.
O outro é a nossa muleta, sem ele ficamos sem desculpa.
Talvez, em consequência, decidi iniciar um novo caminho... agora SEM REDE. Um caminho que vou percorrer de dentro para fora...

Dia IV

De regresso ao Canto I de OS LUSÍADAS...
  1. O lema «...é fraqueza / Desistir-se da cousa começada» liberta-se do Canto I e torna-se mote para a composição de um conto cuja situação inicial e acontecimento modificador ficam ao critério do escrevente (tarefa).
  2.  Desde a função e significado do título, à noção de retrato, secundado pelos conceitos de descrição e caracterização, passando pelo contexto e pelas circunstâncias (espaço e tempo). Há um discurso possível que tudo integre, limpando a língua de modismos artificiosos.
  3. Se eliminamos o contexto, podemos libertar alguma energia criadora, mas, simultaneamente, cortamos a raiz a outras narrativas igualmente legítimas. Repare-se como na estância 40,  a Mercúrio compete ajudar os portugueses a atingir um objetivo ambíguo: 
    «Mercúrio, pois excede em ligeireza / Ao vento leve e à seta bem talhada,/ Lhe vá mostrar a terra, onde se informe / Da Índia e onde a gente se reforme.» Ora esta ideia deve ter sido levada muito a sério pelos portugueses de antanho e também mais recentes. Basta pensar nos efeitos da peçonha na sociedade lisboeta (Sá de Miranda), sem descurar a interpretação de Pessoa (Opiário), em que descoberta a Índia, os portugueses ficaram irremediavelmente desempregados e por isso se refugiavam no ópio.
  4. Semanticamente, a leitura poderá não ser autorizada, mas poeticamente Pessoa não hesitou!
  5. Tal como o narrador de Manuel Alegre que, apesar de tardiamente, acaba por regressar a Arzila para libertar o Velho do cárcere em que ficara - um cárcere de armas e de heróis retidos no primeiro verso de Os Lusíadas...
  6. Ao quarto dia, percebo que estou naturalmente a combinar a língua com a literatura gerando uma mistura explosiva. E por isso só percorremos o retrato do Velho, a isotopia da passagem do tempo, interrompida por «jeans» desbotados... E, sobretudo, percebemos que Alegre tem esperança que possamos sair da situação inicial, pois o «narrador-personagem» ainda tem algumas qualidades: observação, curiosidade, escuta, interação... E é tudo isso que constitui o acontecimento - a resposta, a contra-senha...
  7. E a contra-senha só pode ser dada por nós, os leitores... o que explica a tarefa

19.9.12

Dia III

Por um teatro nacional
De forma mais ordenada, saímos das igrejas e dos adros para a corte, e progressivamente, os milagres e mistérios tornaram-se moralidades e farsas. O povo cedeu o lugar ao cortesão, e o dramaturgo passou a servir o suserano, fosse ele D. Manuel I ou D. João III. Liberto do Livro Sagrado, o dramaturgo preocupa-se em divertir o público à custa da arraia-miúda..., embora haja quem insista que o objetivo era criticar, como se Marx espreitasse nos bastidores.
Para os românticos, Gil Vicente funda o teatro nacional e, ao mesmo tempo, vence o teatro estrangeiro, de cepa grega, condenando Sá de Miranda e António Ferreira ao insucesso, apesar do último ter apostado num tema bem nacional: os amores de Pedro e de Inês.
O tema bebido em Fernão Lopes, Garcia de Resende e outros acaba por alimentar um mito que Camões não ignora n´Os Lusíadas e que a posteridade valorizou de modo continuado. Mas o molde era estrangeiro: grego... e a corte, em parte, ignorante, preferia o riso. 
E por isso, chegada a Inquisição, foi declarada morte ao RISO... uma morte que se estende, pelo menos, por três séculos. E como Garrett bem refere, António José da Silva foi queimado, porque convidava o povo a rir da corte...
Entretanto, para além do Tribunal do Santo Ofício, D. Sebastião atirou-nos para os braços do tio de Espanha... Aos poucos, o teatro foi castelhano, italiano, francês. Representavam-se traduções, importavam-se companhias e atores... até que Napoleão nos despertou a vontade de ressuscitar a nação, abrindo o palco a Almeida Garrett, o mais nacionalista de todos os portugueses que algum dia apostaram na refundação da nação. E ele tudo fez para nos civilizar, apesar de estar consciente de que: «o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há.» 

(Entretanto, o Charlie Hebdo com as suas caricaturas atravessa-se na mente e dá-me vontade de discutir o MEDO que o Riso continua suscitar em certas civilizações... e volto às igrejas, às sinagogas e às mesquitas. E a campainha muda volta a interromper-me e fico a pensar que a campainha é a expressão de uma liturgia que está muito para além de mim. )   

18.9.12

Dia II

«Em 1520, D. Manuel I criou a feitoria de Arzila.»

Mas, afinal, o que seria uma feitoria? Qual a sua importância à época? E hoje, em tempo de crise, será que ainda apostamos nas feitorias? - Silêncio total!
A necessidade de criação de feitorias, associadas a praças fortes, resultava da consciência de que o território continental era incapaz de alimentar a população. Da conquista de Ceuta (1415) ao retorno de África (1974/75) completou-se um ciclo. 
Um ciclo que pouco interessaria a D. Afonso V, pois o mediterrâneo mais não era que um arroio fácil de atravessar. No entanto, as sereias oceânicas para o abysmus convidavam... E Arzila estava tão perto! Era só colocar lá uma feitoria, pensou D. Manuel I! E assim fez, provando a sua sagacidade.
No dia dois, o discurso torna-se devaneio!

Voltando às palavras, aos dias, aos artistas e às obras, vou pensando se valerá a pena explicar que Almeida Garrett, ao querer civilizar o país, entendeu que o melhor caminho seria trazer para o palco Gil Vicente, o fundador do teatro português. E assim o fez, ao escrever e fazer representar UM AUTO DE GIL VICENTE!
E agora como é que re(construo) a ponte? Mas quem é que está interessado em pontes, com cronologia, estruturas, modelos e temas à mistura?
Se começo pela revisão, o Gil Vicente ter-se-á perdido definitivamente. Ninguém sabe que obra leu no ano anterior! O Monólogo do Vaqueiro? O Auto da Barca do Inferno? A Farsa Inês Pereira? 
Seria a história daquela jovem que só queria ser feliz, que só queria o prazer? E que, todavia, descobriu; à sua custa, que nem sempre a felicidade se consegue, fechando os ouvidos, e seguindo pelo caminho mais imediato! Uma jovem, a quem nem mistérios nem milagres bíblicos despertavam qualquer emoção, ao contrário do ermitão ou do goliardo!
Um autor medieval, cultivador da medida velha, mas capaz de pôr a vida em palco, esse Gil Vicente que tanto entusiasmou Garrett!
(E a campainha que nem toca e o professor que parece rezar uma ladainha... Finalmente, podemos sair!)  


17.9.12

Dia I

A leitura do dia: Um Velho em Arzila, de Manuel Alegre, edições expresso, 2003

  • Ponto de partida para o universo da intertextualidade. De Camões a Manuel Alegre.
  • A História de Arzila
  • Tapeçarias de Pastrana

A estrutura do conto

Leituras imediatas:
Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

Outras leituras:
Causas da Decadência dos Pvos Peninsulares, de Antero de Quental
Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins
Só, de António Nobre
Finis Patriae, de Guerra Junqueiro

ESCREVER
... um conto
... uma carta de Mariana a Simão



16.9.12

A onda inorgânica


Nas redes sociais, os amigos são às centenas e, por vezes, aos milhares. A vida privada torna-se pública! Um simples slogan pode trazer à rua centenas de milhares de pessoas, gritando as mesmas palavras de ordem, expondo as mesmas emoções e, sobretudo, pode descentralizar os protestos e ao mesmo tempo sobrepô-los numa imagem de dimensões oceânicas.
Ondas de rejeição, por enquanto, inorgânicas e tranquilas, jorram a cada segundo desses amigos, infelizmente, virtuais. 
Bom seria que as redes sociais pudessem ajudar a encontrar emprego, a aumentar as competências de cada "amigo", porque a alternativa está à vista: a onda inorgânica acabará por ser aproveitada para gerar um  movimento de morte, cujos sobreviventes mais não farão que distribuir entre si o saque.
E esses voltarão a ser felizes por algum tempo...