15.7.13

Da certeza à incerteza

Os tempos são de incerteza! Os dispositivos de controlo vêm sendo desmantelados um a um e substituídos pela crença de que a certeza poderá regressar, apesar da capacidade para repor ou aniquilar a certeza ter origem externa.
Nos últimos dias, o presidente da república, em nome do interesse externo, voltou-se para o arco da governação e exigiu  acordo sobre "três pilares". O edifício pareceu-me coxo! Sempre ouvira falar dos 4 doutores latinos da Igreja e até dos 4 doutores gregos da Igreja. E mais recentemente, lembro-me que, na China, "o bando dos 4" teve um papel importante na radicalização do maoísmo, espalhando, no entanto, a incerteza.
A ideia de construir um acordo sobre um tripé é certamente uma forma de dar expressão à incerteza. Mas tudo isto só pode resultar do contágio dos três pilares que constituem a Troika que, como todos sabemos, se encarregou de destruir todas as nossas certezas.
Curiosamente, a "incerteza", com as suas quatro sílabas é muito mais sólida, mais românica do que a gótica "certeza". 
Entretanto, o nosso presidente da república, nestes tempos de incerteza, vai acompanhar uma missão científica, em pleno Atlântico, regressando na sexta-feira com a certeza de que, afinal, lhe faltava o pilar da lucidez. Se tal tiver acontecido, em vez de marcar eleições legislativas, anunciará eleições presidenciais. E já para setembro! 

13.7.13

Os resultados dos exames nacionais

Os resultados dos exames nacionais são medíocres e só podem espantar quem anda distraído do desmantelamento a que o sistema educativo tem sido submetido.
a) O GAVE iniciou, na última década, um processo de condicionamento da metodologia de ensino cujo resultado mais evidente é a regulação do raciocínio com a inevitável eliminação da criatividade: professores e manuais submetem-se incondicionalmente à formatação do avaliador. Por exemplo, para que é que servem os Testes intermédios? No entendimento do GAVE, o sucesso escolar depende do treino, sem perceber que este não é suficiente para resolver problemas surgidos em novas situações...
b) Na mesma linha, o Ministro da Educação aposta no reforço da carga letiva, com o claro objetivo de dar mais tempo de treino aos alunos. Por exemplo, qual foi efeito da atribuição de mais 45 minutos à disciplina de Português no presente ano letivo? A média nacional, para além de ser negativa, ainda baixou?
c) Quando se analisa com seriedade o problema, é bem visível que a formação e a atualização dos professores sofreram um sério revés nos últimos anos. A maior parte da formação disponível não passa de um negócio que os professores estão obrigados a pagar em troca de uns míseros créditos que não servem para coisa nenhuma.
d) A mudança dos modelos de avaliação dos docentes, em nome de uma melhoria da qualidade da prática letiva, resulta mais da necessidade de dar ocupação a novas clientelas partidárias geradas nas universidades privadas do que de uma verdadeira estratégia para melhorar a qualidade do ensino. Enquanto os novos "doutores" não se instalam na engrenagem, o MEC força os professores a desempenharem tarefas de avaliação interna e externa para as quais não têm formação. A atribuição da coordenação da avaliação docente simultaneamente a diretores de escolas e a coordenadores de centros de formação em nada contribui para a uniformização de procedimentos, sem falar na DGAE que nem uma base de dados consegue incrementar para gerir todo o processo.
e) É bom de ver que, no que fica dito, há um conjunto de fatores de dispersão incompatíveis com a gestão de 4 ou 5 turmas, a 28/30 alunos. E não  é apenas o MEC que gera dispersão, o Plano Anual de Atividades é, em muitas escolas, obstáculo ao sucesso do ensino e da aprendizagem. 
f) A aposta na aposentação precoce de milhares de professores, para além de os enganar pois lhes frusta as expetativas de vida mais ou menos desafogada, provoca uma verdadeira "descapitalização docente" nas escolas. A experiência de muitos anos e a disponibilidade (art.º79) permitiam recuperar muitos alunos que, de outro modo, estavam condenados ao insucesso.
g) Na verdade, desde 2005, os sucessivos governos, ao contrário do que proclamavam, apostaram: na degradação da imagem do professor junto da opinião pública; na degradação salarial, porque, para além de congelarem as progressões, submeteram os vencimentos a sucessivos cortes; na degradação do mérito e da experiência... Por outro lado, a política de agregação e de agrupamento de escolas trouxe maior dispersão e, sobretudo, maior animosidade entre docentes, funcionários, alunos, pais e encarregados de educação...
h) Portanto, desta vez, o insucesso não deve ser atribuído, em primeiro lugar, aos alunos, pois a causa está do lado da política educativa ou da falta dela.    
 
     

12.7.13

A cobra e o espelho

As cobras podem mudar de pele de dois em dois meses. Se a cobra estiver ferida poderá acelerar essa mudança para reparar os "danos".
 
O discurso político surge de tal modo repleto de contradições, de inverdades e/ou mentiras, de palhaços sem máscara , de lapsos, redundantemente, involuntários, de zangas de ocasião que ficamos sem saber se o locutor de hoje ainda é o mesmo ontem.
Ao contrário do que se possa pensar, apesar do tempo ser de empobrecimento, chegou a vez da classe política ser pós-moderna, abrindo mão da construção da identidade pessoal, da identidade nacional e transnacional. 
Esta opção tem efeitos desestruturantes que desmantelam os indivíduos, as famílias, as nações... Por isso é fácil encontrar quem não se importe que ponham a causa a sua reputação - Paulo Portas, exemplo do momento.
Ora quem proclama que não se importa de hipotecar a sua reputação é quem procura livrar-se da respetiva identidade, pois a pedra de toque da vida pós-moderna não é a construção da identidade, mas a prevenção da fixação.(Zygmunt Bauman)
O político da moda mais não faz do que imitar a cobra ao desfazer-se da pele. Só que ele não procura sarar os "danos", porque ele tem horror à fixação que o espelho insiste em devolver-lhe... Espelho meu, haverá alguém mais horrendo do que eu?

11.7.13

O tempo já não é um rio...

I - Consta que a média nacional do exame de Literatura Portuguesa foi 10,5. Os meus alunos, pouco vocacionados para a Leitura e, consequentemente, para a Literatura, obtiveram uma média de 11,95. Pode parecer um bom resultado, mas, para mim, é um indicador de mediocridade e que legitima a decisão de não voltar a lecionar esta disciplina no ensino secundário.
E se este argumento não fosse suficiente, acabo de encontrar dois outros que, talvez, justifiquem o desencanto dos jovens desenraizados: « O tempo já não é um rio, mas uma coleção de pântanos e tanques de água.» E esta ideia é suportada por uma reflexão de George Steiner sobre os valores a admirar e a visar ativamente num mundo em que se procura « o impacto máximo e a obsolescência imediata
A Literatura é uma forma de enraizamento, de perenidade, de identidade, e não subsiste sem a duração, sem a história da duração, sem o rio em que a avezinha se despenha para ser arrastada para a foz ou alapada nalgum escolho. 
Perante isto, tomo, agora, consciência de que se quisesse continuar a ensinar Literatura teria que passar a visitar os pântanos, ciente de que a experiência seria nauseabunda, embora passageira, pois essa visita estaria condicionada por um mecanismo que a tornaria anacrónica, disfórica e inútil.
 
II - Andando o ministro da educação tão preocupado com as disciplinas estruturantes,  como é que se explica que a média nacional da disciplina de Português (12º ano) tenha baixado precisamente no ano em que a carga horária foi aumentada em 45 minutos?
 
  

10.7.13

Num estado democrático sitiado

Em 5 de Julho de 2013 escrevi: «Insisto que de nada serve viver no «mundo dos acontecimentos ocorridos». O tom era de crítica a quem permanentemente se alimenta do passado. O que eu não esperava era que o presidente da república se dispusesse a aceitar essa ideia.
Hoje, na sua comunicação à nação, o professor Cavaco nada disse sobre as causas e os efeitos da desagregação da coligação, das manobras de Gaspar, de Passos e de Portas. Limitou-se a referir  a legitimidade da coligação para nos governar, não interessa se bem se mal, até Junho de 2014.
Em tom magistral, Cavaco falou do futuro, e fê-lo em tais termos que, a partir de agora, ficamos reduzidos a um bloco central de três partidos. Os restantes podem ir de férias... E quanto ao PS, ou  Seguro revoga as suas exigências de dissolução imediata ou vem dizer-nos que, afinal, era em Junho de 2014 que pensava quando pedia eleições antecipadas...
Vivemos, assim, num estado democrático sitiado. E quando o presidente marcar as eleições, o melhor é a nação faltar à chamada...
Só não entendo por que motivo, o presidente levou tanto tempo a iluminar-nos o futuro, se ela já há muito o tinha desenhado - ele e os seus amigos da troika e da sociedade lusa de negócios.   
  
 

9.7.13

Efeitos da canícula

Dizem os peritos que a canícula baixa a produtividade em 9%. Num país onde não há trabalho e, tradicionalmente, a vontade de trabalhar é reduzida, este calor abrasivo é mais um impedimento ao cumprimento do memorando assinado com a troika.
Curiosamente, o FMI veio dizer que o dia em que sair da troika será de grande felicidade. Será que a culpa também é da canícula e consequente baixa de produtividade?
No que me diz respeito, não me falta trabalho. Falta-me, sim, a remuneração correspondente!
O meu patrão entende que simultaneamente posso ser avaliador interno, avaliador externo, coordenador de departamento, membro do conselho pedagógico, membro da SAD, professor na sala de aula, em casa, virtual, organizador de visitas de estudo, classificador de provas, formando, relator ... e gastar horas e horas em reuniões, em deslocações, em balanços, a construir ferramentas múltiplas...   
O meu patrão entende que devo estar sempre disponível... e que, mesmo assim, essa minha disponibilidade não preenche as 40 horas semanais... Por vezes, o meu patrão ainda me olha de viés porque não digo que sim a todos os devaneios que lhe passam pela cabeça: cada escola um projeto educativo, cada escola um plano anual de atividades, cada escola um regulamento interno, cada escola um contrato de autonomia, cada ano um plano, cada turma um plano... E há ainda heterónimos do patrão que inventam novos projetos que sobrepõem aos anteriores a que devo dar o meu contributo, isto é o meu tempo...
Ora, no dia que passa, ao serviço do patrão, já fui à escola Marquesa de Alorna, à escola secundária de Camões e à escola Padre António Vieira. Sempre em transporte público sem ar condicionado, deixado à sorte na paragem sob um calor abrasador...
E ao olhar para trás, embora não veja o patrão, veja um número interminável de tarefas a que terei que dar seguimento célere, porque o patrão se está nas tintas para a canícula e para o empregado.
E depois, assim como quem não quer a coisa, o patrão, que ignora olimpicamente as condições de trabalho, ainda tem o topete de me considerar um privilegiado e deixar que a opinião pública me acuse de viver num regime de exceção.
Se o patrão tem ao seu serviço trabalhadores que não trabalham há mais de vinte anos, trabalhadores foragidos, trabalhadores madraços, então, despeça-os, e, não me obrigue, a distribuir-lhes serviço, conhecendo de antemão o prejuízo, e, sobretudo, forçando "horários-zero", antecâmera da famigerada mobilidade de pessoas que, se não trabalham 40 horas, é porque o patrão prefere olhar para o lado. 

8.7.13

Estou cansado...

Pode-se trabalhar um dia inteiro e chegar ao fim do dia com a noção de que o esforço despendido foi inútil. E as causas dessa inutilidade são as de sempre: desorganização, desaproveitamento e desperdício de recursos, megalomania e irrealismo, vitimização e narcisismo, faciosismo e verborreia, propaganda e manipulação...
Num mundo de regresso à luta pela sobrevivência, estes comportamentos são indicadores de que a luta pela qualidade de vida, pelo bem-estar, foi lançada em bases erradas.
Ora, presentemente, habituados à sociedade do bem-estar, deixámos de nos interrogar sobre a nossa responsabilidade no agravamento da precariedade...
Preferimos alienar essa responsabilidade, atirando-a para os ombros de um outro, cuja função é resolver cada um dos nossos problemas ou assumir cada um dos nossos erros. 
Acontece que este outro mais não é do que um feitiço cujos poderes são convocados por cada uma das tribos que se vão multiplicando um pouco por toda a parte.
Estou cansado dos tribalistas e dos seus feitiços!