14.10.13

A Intrujice II

Depois da encenação do sacrossanto Paulo Portas que passou a padroeiro das viúvas e dos viúvos deste triste país, chegou a vez da ministra da fazenda  afastar "o choque de expectativas", pois Passos Coelho, em Maio, teria enviado uma carta à TROIKA, assegurando que iria fazer um corte memorável nas remunerações dos funcionários públicos.
Ontem, sobre o assunto, Paulo Portas nada disse! Os seus paroquianos são outros e, na verdade, ele ainda não percebeu qual é o significado da expressão "choque de expectativas", mas sabe que, em termos eleitorais, 400.000 funcionários públicos não contam, pelo menos, para o CDS... Ainda se fossem funcionários do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, da TAP...
Tudo isto me leva a pensar no tempo em que, nas Províncias Ultramarinas, havia portugueses de primeira e portugueses de segunda - os primeiros nascidos na metrópole; os segundos nascidos nas colónias... 
(...)
Infelizmente, os intrujões não estão todos no governo! Há muita boa gente a tratar da sua vidinha como se nada se estivesse a passar.

Terceiro apontamento:
( D. Nicéforo) - Diga-me, meu abade, conhece o programa do Partido Progressista?
O abade franziu os lábios em esgar dubitativo.
- Conhece, ora se não conhece! É o mesmo do Partido Regenerador. Um começa: Sua Majestade, o outro: El-rei, nosso amo...Em doutrina social são igualmente respeitadores da família e da religião. Em matéria financeira e política - dado que se preocupem com isso - um propõe-se fechar o orçamento com um saldo de vinte e quatro vinténs, o outro, com o saldo de um pinto.
Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, cap. XIV. 

13.10.13

A Intrujice do Poupa Pensões

Falta-me a paciência para intrujões!
Parece que, depois de uma infinidade de cálculos, só 25.000 portugueses vão ser atingidos pelo corte na pensão de viuvez! Claro que o saque não passa de uma gota de água face às necessidades dos credores.
Salva a face do Poupa Pensões, e a dois dias da entrega do OGE, o governo continua a estudar como e onde cortar na despesa. A dois dias!?

Claro que todos sabemos quem é o alvo privilegiado! Mas desse Paulo Portas nada diz. O ónus será do "amigo" Passos Coelho. 
Entretanto, recomendo a Paulo Portas a leitura do XIII capítulo do romance "Cinco Réis de Gente", de Aquilino Ribeiro.
Lá encontrará uma brilhante paródia da "comédia eleitoral" no concelho de Sernancelhe.

Primeiro apontamento: «Vai pedir-se o voto de porta em porta, como se pede para as almas, ou chamam-se os eleitores à praça ou a uma casa, e prega-se-lhes um sermãozinho. Um sermãozinho e as promessas da lei..
Segundo apontamento: « D. Nicéforo deu o recado, justificando a diligência com o propósito em que estava o seu partido de promover uma reforma radical na vida da Nação: equilíbrio da balança financeira; desenvolvimento da instrução pública; revisão tributária no sentido de maior equidade; fomento agrícola e industrial; promulgação de leis de família; em conclusão, o estado revolvido de alto a fundo.»

Pois é! Se Paulo Portas tivesse lido os clássicos, provavelmente já teria concluído o tão anunciado plano de reforma do estado!
   

12.10.13

Os valores

Pode haver quem pense que a axiologia não tem lugar numa aula de língua materna ou mesmo de literatura. Por outro lado, quando lemos certos documentos, vemos que há quem meta no mesmo saco - da sinonímia - comportamentos, atitudes e valores.
Para muitos, aprender a ler ou a escrever mais não é do que a apropriação de uma técnica! E em geral, conseguem transmitir essa ideia aos discípulos que, apesar de tudo, resistem como podem ao formatado e preferem a digressão inconsequente...
Várias vezes, com públicos escolares de distintos graus de ensino, fui confrontado com asserções do tipo:
- Todos temos e nos regemos por valores!
- Tanto é valor a  honestidade como a cobardia!

Quer a ideia de que os valores são inatos quer a ideia de que não há qualquer fronteira entre o Bem e o Mal provocam-me calafrios pelas consequências que arrastam... 
E em ambas as situações me vejo na necessidade de distinguir o comportamento dos indivíduos das atitudes das pessoas, porque, no meu fraco entendimento, a fronteira é delimitada pela presença dos valores.

Talvez tenha sido por este motivo que ontem escrevi sobre o valor primordial, pois quero crer que não estou sozinho! Acompanhar a argumentação do Velho do Restelo ajuda-nos a separar o trigo do joio e ensina-nos a ler para além do discurso neste tempo em que os valores deixaram de orientar as atitudes...
A cada passo, recebemos notícia de comportamentos desvairados e insensatos que não estimam a vida de quem a vida lhes deu.

11.10.13

O valor primordial

Tudo vale a pena se a alma não é pequena... (Fernando Pessoa) Nada vale a pena se o valor primordial não for a defesa da vida: - Já que prezas em tanta quantidade / O desprezo da vida que devia / De ser sempre estimada... (Camões)

Em 23 de Janeiro de 1992, um velho conde decidiu partir para os mares de Timor e da Indonésia, porque: «A nossa soberania ainda não acabou. Esta é a última possível missão de soberania (...): o de tentar dar àquele  nosso território e sua nação a independência.» (Fernando Campos, O Sonho)

Soltos vão os parágrafos, mas o que os liga não são os articuladores do discurso, mas um valor: a defesa da vida, da nossa vida, da vida daqueles por quem somos responsáveis, da assunção plena da vida.
Na verdade, quem merece o prémio Nobel da paz são os anciãos que, desde os primórdios da Grécia, clamam contra a vaidade, contra a ambição, contra a guerra santa, contra a cobiça - motores da ação humana. 
Na cultura portuguesa, ninguém melhor do que Camões deu voz a esse clamor, ainda hoje incompreendido. O seu Velho, circunstancialmente (ou será obliquamente?) do Restelo, lança a acusação, e, apenas cede na proximidade: Deixas criar às portas o inimigo, / Por ires buscar outro de tão longe...
Mas este Velho nada tem a ver com com a Reforma e a Contra-Reforma que se digladiavam na procura de uma hegemonia que, a cada passo, desprezava a vida.
De nada serve cotejar a vida e a obra do Poeta com o ensinamento do Velho. Camões pela educação que recebera, pela experiência que o calejou, pelo «fraudulento gosto» que o cercava, arrancou o Velho das entranhas e colocou-o naquela e em todas as partidas em que a Morte parte clandestinamente.

10.10.13

Em tempos de assincronia

Em tempos, aprendi que havia uma psicologia de grupo, que havia técnicas capazes de ajudar a sobrepor o interesse coletivo ao individual.
Tendo gasto a vida a participar em grupos, acabo por concluir que esse objetivo raramente é atingido. Isto é, cada elemento age por conta própria, não se preocupando sequer em acompanhar o curso da ação ou da palavra.
Em certos casos, a falta de sincronismo é tal que A se sobrepõe a B e, por sua vez, C se encavalita nos anteriores tornando a situação caótica e ininteligível.   
Em qualquer grupo, do governo ao parlamento, passando pelas reuniões de família, de condóminos, pela sala de aula ou por todo o tipo de ações de formação, o que vemos e ouvimos é um desencontro total...
Infelizmente, parece que só quando o grupo é monolítico é que é possível alimentar uma expetativa positiva. Mas nesses casos, o grupo obedece à batuta, ao pingalim,  ao batuque, à ordem unida...

9.10.13

Pilriteiro

Nem sempre é a mais nobre, mas para tudo há uma razão. Se me despegasse do enunciado, poderia nele encontrar uma catáfora mas, à terminologia dos jogos sintácticos, prefiro a sabedoria da cantiga popular:

Pilriteiro, dás pilritos
Por que não dás coisa boa?
Cada qual dá o que tem,
Conforme a sua pessoa.

MCG

8.10.13

A Língua e a Gramática

Quando a língua é reduzida a um código, o professor mais não é do que um repetidor de regras que o aluno deve conhecer para obter sucesso no exame final.
Deste modo, a escola perde a sua dimensão pedagógica e formativa e facilmente acabará substituída por um qualquer centro de instrução, cuja taxa de sucesso será medida pelo número de aprovações no referido exame.
A Gramática passa a protagonista, tal como acontecia no sistema de ensino construído pelo Estado Novo. Só que, apesar de tudo, aquele regime valorizava a leitura e, principalmente, a aprendizagem do léxico que considerava vector fundamental da argumentação e, por inerência, da retórica em que a ideologia nacionalista se apoiava.
Deste ponto de vista, vamos assistindo a um empobrecimento lexical assustador que compromete a interpretação de qualquer texto.
Hoje, a visão utilitarista da língua reduz a visão do mundo do falante e destrói as pontes que lhe permitiriam circular entre o passado e o presente. Isto é, esta visão mata a cultura e inviabiliza o presente e o futuro, pois o pensamento torna-se redundante e inócuo.