20.11.13

Partitura inacabada

Há dias que não se sabe quando começam e muitos menos quando acabam! Dias preenchidos por uma sucessão de atos, uns domésticos outros públicos, que, de comum, têm a noção do dever, apesar da exaustão e da incompreensão...
Insiste-se num caminho de rigor e de seriedade, mas, como contrapartida, recebemos gestos de enfado e de abandalhamento. 
Apesar de ainda encontrarmos almas cândidas, tudo não passa de um jogo de silêncios e de palavras comprometidas...
As horas esgotam-se, a vista cada vez mais turva, a língua presa, tudo letras de uma partitura inacabada...

19.11.13

A PACC e a situação

Apesar das horas agitadas que passei esta esta tarde, agora que o silêncio impera, recordo a colega que me abordou durante a manhã, perguntando-me, de chofre, o que eu pensava sobre a situação. Abri os olhos, surpreendido, pensando que estava de regresso ao Estado Novo.
Na verdade, a colega queria que lhe dissesse o que pensava sobre a nova PACC - Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. De súbito, compreendi que aquela senhora com cerca de 40 anos se via obrigada a prestar uma prova sobre matérias indefinidas e de resposta unívoca. Conheço-a há anos, tendo como função acompanhar alunos com dificuldades específicas de aprendizagem... Durante todo esse tempo entregaram ao seu cuidado alunos com todo o tipo de problemas, mantendo-a como contratada, condenando-a à precariedade e, sobretudo, pondo em questão todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
Quando a colega me interpelou, encontrava-me a analisar a legislação que, entre outros efeitos, altera o Estatuto da Carreira Docente, abrindo a porta à arbitrariedade. De futuro, é possível sujeitar todos os docentes a este tipo de prova, facilitando o despedimento, fundamentado numa avaliação episódica de conhecimentos e de capacidades... 
E duas questões se me colocavam: 
- Qual foi a autoridade científica e pedagógica que certificou o IAE.IP?
- Como é que se explica a ordem dos termos na sigla PACC? Primeiro, Conhecimentos e depois Capacidades?
 Finalmente, o que é feito da autonomia científica e pedagógica das Universidades que formam milhares e milhares de docentes? Como é que se explica o silêncio dos conselhos científicos?

18.11.13

Salpicado pelo mafarrico

Não sei se indique primeiro o lugar se a hora nem sei se isso importa. O facto é que às 7h30 já estava sentado na mesa do canto do Nortex. Ou será Nortada? Com a idade, vou deixando de ter certezas, para gáudio dos meus alunos, esses, sim, sempre seguros, pois na memória deles há sempre um professor - verdade, uma espécie de crato dos tempos modernos.
Lembro que, por hábito, me sento mais perto da porta de saída. Ou será de entrada? Mas hoje a mesa estava ocupada, o que não me incomoda, ao contrário de um ilustre antecessor que tinha sofá reservado no velho Liceu Camões. Esta ideia de reservar lugar já lhe era habitual, pois em Évora, também tinha uma mesa do canto para si, à semelhança dos latifundiários que assentavam arraiais no Arcada...
(Esta última referência cai aqui porque, na última terça feira, o existencial fantasma sentou-se não numa cadeira ou num sofá mas num canapé em pleno Coliseu lisboeta. Curiosamente, nessa noite assisti, divertido, a um jogo de cadeiras e carteiras que me deu que pensar.. saídas das salas, vi-as nas galerias, nos pátios... cheguei a pensar que o Ionesco teria assaltado o Camões, não o que não tinha onde cair morto, mas o outro, em E, por enquanto aberto... as vogais portuguesas são, como a mãe, traiçoeiras! Boa pergunta! Quem será a mãe destas caprichosas vogais?)
De regresso ao lugar de partida e respeitando a ordem dos acontecimentos, ainda sem o inspirador Correio da Manhã, dei comigo ( com quem havia de ser?) a olhar televisivamente para "treze toneladas de agricultura biológica" colocadas em pontos de venda, semanalmente, e pensei que a agricultura está cada vez mais pesada. Diz a cristas que a agricultura tem cada vez mais peso na produção nacional! Talvez por isso apeteceu-me sair dali e ir comprar uma dúzia de galinhas poedeiras e dedicar-me à produção de ovos biológicos...
Claro que ainda não é desta, pois comecei a pensar no escoamento dos ovos, se haveria ovos sintéticos; comecei a pensar nas velhas lagartas biológicas  da minha infância que me davam cabo da horta. 
Sim, porque, antes do horto e da vinha do senhor, os meus dias eram passados a mondar e a regar a horta... Dias salpicados pelo mafarrico!    

17.11.13

Bendita austeridade, benditos credores

Não sei o que se passa no país! Da última vez que liguei a televisão apercebi-me que a capital se mudara para Cantanhede (?)... O Passos dirigia-se a um auditório invisível que, creio, ser o povo de Cantanhede, ameaçando-o com mais austeridade. Lembrou-me o Seguro que passa o tempo na província, ao rabisco...  

Entretanto, enquanto me dirigia à Rua da Quintinha, mesmo ao lado de São Bento, acabei por ouvir, na rádio, o ministro Branco, inebriado com a receção que lhe estão a fazer nos Emirados Árabes. Parece que os anfitriões lhe abrem as portas, sem nada lhe perguntar sobre a crise... Apesar dos simpáticos emires estarem dispostos a comprar o CR 7, o pobre do ministro da defesa compreendeu tudo ao contrário. Pensa ele que vai fazer negócio com os credores! Ou será ao contrário?

Considerados os exemplos, só nos resta servir o capital ou sermos contratados pelo Durão, pelos serviços prestados. O Gaspar já deixou a quarentena no Banco de Portugal, indo a caminho de Bruxelas! Bendita austeridade!

Falta explicar o motivo desta minha desinformação. Há dois dias que ando a inventar um teste que avalie a capacidade argumentativa e interpretativa dos meus alunos, sabendo, de antemão, que eles preferem que lhes faça perguntas de gramática, que isto de argumentar e de interpretar nada tem a ver com o conhecimento da língua. Basta ter opinião!
Por exemplo, se lerem este texto e encontrarem o termo "anfitrião", passam à frente! Para quê saber o significado? Deve ser qualquer coisa como porteiro! Afinal, quem é que está encarregado de abrir as portas e de carregar as bagagens?
Como lhes vou fazer a vontade, lá terei de rogar que identifiquem e classifiquem o(s) sujeito(s) na frase: Parece que os anfitriões lhe abrem as portas...
Quem souber que responda!

16.11.13

O feiticeiro, o amigo e o carrasco

Por mais que eu explique que a frase e o enunciado são coisa distinta, que a primeira pode ser autopsiada, classificada, desmembrada, sem incomodar o locutor, e que este será fortemente afectado se submetido a tais tratos, há sempre quem faça orelha mouca...

Vem isto a propósito de uma noticiada e citada «frase enigmática» proferida, em 1998, no Congresso do CDS, por Maria José Nogueira Pinto tendo António Lobo Xavier  como interlocutor: «O senhor sabe que eu sei que o senhor sabe que eu sei» (...) As reticências escondem a forçada cumplicidade dos interlocutores que só um enunciado pode obrigar.

O referente desta nova cumplicidade era Paulo Portas ou a natureza da ação do amigo de António Lobo Xavier.
De lá para cá, o segredo ficou esquecido, mas a frase reaparece, sobretudo, no discurso político, com uma carga enunciativa de desafio, de ameaça.

- E afinal se não venho revelar o segredo de Paulo Portas, com que objetivo é que desenterro o enunciado?
- Simplesmente, porque ao ler OS ANÕES, de Harold Pinter, descobri a fonte onde, provavelmente, Maria José Nogueira Pinto bebera: 

- Quem é o Pete?
- Um amigo meu.
- Um membro do teu clã?
- Membro? Ele é o feiticeiro.
- E tu quem és?
- O carrasco. Mas vai haver nova eleição no Outono.
- A sério?
- E então - disse Mark - quem sabe? Podemos ficar todos à procura de novo emprego.
- Ouve lá - disse Sonia - queres dançar ou quê? Senão vou arranjar alguém que queira.

Eu sei que tu sabes que sabes que eu sei.
                             edição D. Quixote, pág.171-172.

15.11.13

Obnubilações

Não sei o que dizer... estou cansado. Ainda ouço o ministro, paladino do conhecimento... enquanto que o ex-ministro lastima a falta de ética daqueles que decidem sem qualquer pudor...

Lembro-me do Poeta que criou uma epopeia para celebrar o tempo da glória (1498), mas que se viu obrigado a escrevê-la em tempo de tristeza. Na verdade, a epopeia transforma-se em elegia e ninguém ousa proclamá-lo. 
Uma triste epopeia guerreira!

Nesta terra, a simples ideia que acabo de registar não vale um cêntimo, pois não se conforma com metas e programas. É uma ideia inaceitável em termos de educação literária e, sobretudo, antipatriótica.

Houve tempo em que do outro lado da voz havia um ouvido atento, pronto a procurar na epopeia o argumento de validação. Agora a voz, pela janela em frente, atravessa o coreto por entre a peçonha que obnubila a mente.

Entretanto, ligo a televisão e as vozes são de glória e sem qualquer pudor...

No rescaldo, via facebook:
Conceição Coelho: Mas a epopeia não serve para que, em tempo de descrédito, as almas se elevem? Contudo, nas entrelinhas interagem muitas ideias antagónicas... A educação literária tem de fazer ouvir a voz dessas entrelinhas e ser ela própria um olhar transformador e crítico. Se não o faz para que servirá?

Manuel C. Gomes: "Cantando, espalharei por toda a parte" a ALEGRIA e a GLÓRIA - pensava o Poeta no início do projeto (ou cumpridor do protótipo?), mas o seu (nosso) TEMPO TRAIU-O.

    

14.11.13

Não é fácil ouvir o ministro da educação

Não é fácil ouvir o ministro da educação! 
Para este sofista, tudo pode ser reajustado desde que seja ele a determinar a doutrina.

Eu até admito que o Estado necessite de reestruturar os equipamentos escolares e de ajustar o ensino às necessidades do tempo que atravessamos, defendendo que as estruturas pesadas e estáticas devem ser substituídas por unidades dinâmicas e flexíveis.

O problema é que o atual ministro da educação está a executar um modelo que visa desmantelar a escola republicana, entregando-a  a uma rede de "amigos" para quem a educação é uma negociata.

À medida que o ministro Crato vai clarificando o seu pensamento, torna-se clara a matriz doutrinária que formatou o Estado Novo: uma pátria miserabilista, uma família conservadora, um isolamento altivo. Na base, a língua dos tempos de glória e o cálculo dos onzeneiros!

E neste regresso ao passado, só falta restaurar a filosofia do espírito... Por enquanto, temos ideólogo!