14.7.15

Alquimia verbal

Pensei deixar em branco o dia, mas temo que se o fizer isso seja entendido como uma prova de cobardia. Afinal, há sempre alguma coisa que acontece. Lembro-me agora que na adolescência me era exigido um exame de consciência interior, antes de adormecer. Era um exame infantil, em que aprendia a separar o bem do mal...
Mesmo nesse tempo, aquele ritual surgia-me, com alguma frequência, como artificioso, imposto por uma doutrina castradora. E é neste ponto que surge a correspondência baudelairiana com a "alchimie verbal" de Rimbaud, leitura de início de tarde...
No exame de consciência, o examinador era também um pouco batoteiro: atos havia que não enunciava, embora não se livrasse do pecado da omissão aos olhos do Senhor. Ele via tudo, por fora e por dentro. Chegava mesmo a suspeitar que, aos olhos do Senhor, não haveria nenhuma fronteira que separasse o interior do exterior, que estes conceitos o ofenderiam...
Filho de mim próprio, continuo a fazer batota. Hoje, por exemplo, prefiro registar que no Liceu Camões, em cada um dos pátios há 10 plátanos, simetricamente dispostos... Das raízes não há notícia, mas pode supor-se que estas perfuram os arroios invisíveis que correm para o Tejo... e que, no próximo ano, das suas copas poderemos fazer as pontes da decadência em que subsistimos.  

13.7.15

Resultados e expectativas - Exame de Português - 1ª Fase

Não tenho dados nacionais nem creio que eles possam ser indicador de melhor ou pior desempenho... E porquê?

Porque, baseando-me numa amostra de 73 alunos, verifico que entre a classificação interna e a classificação de exame há, conforme a turma, a seguinte diferença:

A -  14, 3  ....... 11,7
B -  15,4   ....... 12,6
J -   12, 2  ....... 10,1

Portanto, no geral, os alunos baixaram a classificação por mim atribuída. Será que eu inflacionei os resultados?

Por outro lado, de entre o conjunto dos alunos da escola, na turma B está a aluna que obteve melhor resultado:18,7. Por seu turno, na turma J, há uma outra aluna com 17,8... Finalmente, na turma A, a melhor classificação foi de outra aluna: 16,7.

Em conclusão, as melhores classificações externas não corresponderam às expectativas internas. Curiosamente, os alunos que internamente mostravam maior solidez, em termos de competência linguística, obtiveram resultados entre o 14 e o 16.

Fica-me a sensação de que este é um bom ano para solicitar reapreciação da prova de Português. Sobretudo, na parte B do Grupo I e no III Grupo.

Porquê? Esse é assunto para outro fórum!

12.7.15

Na ilha das harpias

Os egoísmos nacionalistas e as solidariedades internacionalistas defrontam-se novamente. Quanto ao resultado final, já deveríamos saber o que nos espera: a guerra.

A ilação pode parecer cruel, mas a corrida ao armamento está em curso. 
Por enquanto, o conflito desenvolve-se através da informação e da contra-informação, em que ninguém parece querer sair perdedor. 
Os abutres já estão a isolar a primeira presa.
A particularidade, desta vez, é que os abutres tanto são nacionalistas como internacionalistas.

Os gregos, tal como os portugueses, continuam sem perceber que cada dia que passa é mais uma tábua no caixão... ou mais uma pá de terra, no caso de já não haver caixão... 

11.7.15

O que nós ensinamos...

O que nós ensinamos, em muitos casos, não respeita o ofício do poeta... Por exemplo, o que seria da poesia sem a repetição, na forma de anáfora ou de aliteração, ou até sem a metáfora?

(Não ignoro, todavia, que foi inventada uma estética da receção que dá cobertura a muita ideia estúpida que por aí circula!)

Vem isto a propósito de uma afirmação de Gaston Bachelard que me veio alertar para os perigos de uma didática vulgar que tende a prescrever regras para áreas, em que a norma é permanentemente questionada: "Nous essaierons d'indiquer (...) comment le vers de Rimbaud fuit l'allitération, comment il cherche la paix vocale en jouissant longuement des voyelles, ces voyelles fussent-elles brèves, comment il modère les consonnes: «Je réglai la forme et le mouvement de chaque consonne», dit-il dans Alchimie du verbe." in Rimbaud L'Enfant 

Lembro agora as dificuldades que atravessei há longos anos, quando a professora exigiu que interpretasse o poema Le Bâteau Ivre... Ainda hoje, sinto que não estou à altura da exigência!  
Fiquei com a sensação de que me faltava a inteligência necessária, ao contrário do que acontecia com os jovens exegetas que me cercavam. Naufrago, lá me agarrei ao que pude... Esses exegetas envelheceram, mas continuam a estipular as regras de leitura...
Quanto a mim, pouco posso fazer, a não ser reler Rimbaud:

                            Et la Mère, fermant le livre du devoir,
                            S'en allait satisfaite et très fière, sans voir
                            Dans les yeux bleus et sous le front plein d'éminences,
                            L'âme de son enfant livrée aux répugnances.  

10.7.15

Da avaliação

É cada vez mais evidente que sem avaliação não há justiça!
E também é claro que a educação para a cidadania é um pilar do funcionamento das sociedades e das comunidades...

Deste modo, pensar a avaliação sem equacionar a questão da educação para a cidadania é um erro estratégico.
Se estivermos atentos às notícias do quotidiano, percebemos que a avaliação em Portugal ocorre quase sempre à posteriori, trazendo com ela uma violenta sensação de impotência: os alunos, afinal, não aprendem os conteúdos disciplinares e os valores fundamentais; o doente mental mata a mãe que o queria tratar; o marido violento e bêbedo mata a esposa;  a floresta arde porque não é devidamente ordenada e limpa; o carro despista-se porque as ruas não resistem ao inverno; a dívida dos clubes é astronómica porque gastam o que não têm; os políticos deixam-se corromper ou corrompem, porque lhes falta a educação para a cidadania... 
Os exemplos de que a avaliação é feita à posteriori são múltiplos e todos poderiam ser minimizados, se não se descurasse a avaliação diagnóstico e a supervisão avaliativa, isto é, feita de forma imediata...

Por exemplo, as eleições legislativas aproximam-se. Os partidos começam a indicar o nome dos futuros deputados, mas ninguém sabe se os candidatos têm o perfil adequado ao serviço do nação.


9.7.15

O equívoco de Nuno Crato

Nuno Crato vem apostando na revisão dos programas e nos exames externos para promover o sucesso escolar.
Entretanto, o sucesso escolar não chega, como é comprovado pelos resultados da disciplina de Matemática no 9º ano de escolaridade.
No entanto, a maioria dos alunos irá progredir e, no próximo ano letivo, irá ser submetida a um novo programa de Matemática...
Não vou aqui comentar o novo programa de Matemática, mas creio que a sua matriz em nada difere da do novo programa de Português: um programa elaborado por pessoas certamente sabedoras, porém reféns dos objetivos, conteúdos, estratégias e até da gestão do tempo que vigoravam nos anos 60 do século passado...

Nuno Crato ainda não entendeu que, por mais que prometa os professores mais competentes de sempre, o processo de ensino e aprendizagem está ferido de morte. 
O senhor ministro nunca se preocupou com a formação de professores! O senhor ministro ignora que sem professores (homens e mulheres com valores humanistas) não é possível resolver as dificuldades de aprendizagem dos alunos.


Afinal, Nuno Crato nunca deixou de desconfiar dos professores!

8.7.15

Mas nós, em que século é que vivemos?

Alberto Caeiro morreu há 100 anos! Fantástico! 
E o Adamastor já terá morrido? E Dom Sebastião? 
Que Fernando Pessoa quisesse testar os limites da criação literária, compreende-se! Que Fernando Pessoa se divertisse a "brincar" com o provincianismo português, estava no seu direito! Mas nós, em que século é que vivemos?
(...)
E depois admiramo-nos, quando deixamos de ser capazes de distinguir os criadores das criaturas literárias! 
Bem sei que, na perspetiva de Pessoa, o Mito pode fundar a História, e até compreendo que, assim, o trabalho fica facilitado, sobretudo, quando, preguiçosamente, nos deixamos conduzir pela memória...
Só que, em termos académicos e pedagógicos, continuamos a prestar um mau serviço às novas gerações.