7.4.16

Idalécio ou 'aquele que tem o espírito forte'

Passei anos a guardar papéis e eles são tantos e já amarelecidos que já não tenho paciência para os recuperar. Talvez pudesse digitalizá-los ou até copiá-los para o computador, mas falta-me o tempo e, sobretudo, sobra-me a ideia de que estes não iriam interessar a ninguém.
Apetece-me rasgá-los, de vez! De tempos a tempos, inicio a tarefa, mas acabo por suspendê-la. Vá lá saber-se porquê!
Nos últimos dias, tenho vindo a pensar que, definitivamente, perdi a hipótese de enviar os meus papéis para o Panamá.
Triste sina! Chego sempre tarde! Eu que prezo a pontualidade... a culpa é dos meus pais que não quiseram dar-me o nome de  Idalécio

6.4.16

De passagem...

Há tanta gente a necessitar de ajuda!Tanta gente em movimento!
Com maior ou menor diligência, desenvolvem-se estratégias de acolhimento e de integração. No entanto, quando se pensa na aprendizagem da língua portuguesa como forma de integração, há um momento em que todos desaparecem, como se o inglês bastasse para eliminar as fronteiras.
Afinal, o que se desenvolve através do ensino em inglês é uma nova forma de assimilação, em que as escolas em geral e, em particular, as universidades não passam de barrigas de aluguer.
A integração pressupõe o conhecimento da cultura do lugar, da sua especificidade linguística e histórica. Sem esse conhecimento, o imigrante e o refugiado (categorias, por vezes, indistintas) estarão só de passagem, mesmo que a linha que separa a vida da morte possa ser muito ténue... 

5.4.16

O mal-estar destes dias

Há sempre um dia em que a intimidade acaba exposta, mesmo se por prevenção ou para despistar sintomas recorrentes.
Há sempre um dia em que um amigo se prepara para regressar às mãos do neurocirurgião, mesmo se para por cobro ao crescimento de um cisto indesejado.
Há sempre um dia em que um filho decide regressar a Ancara, capital de um país, onde a repressão das oposições é cada vez mais frequente e violenta.
Há sempre um dia em que um colega nos parece ter subitamente envelhecido... 
Este é um desses dias!

(...)
Para a semana, esperemos que o vento frio se tenha afastado e que o pólen dos plátanos tenha cumprido a sua função.
Para a semana, esperemos que o mal-estar destes dias tenha cessado! 

4.4.16

Olho vê, mão pilha

«Mas os ‘Panama Papers’ batem o recorde em volume de dados, sendo a maior fuga de informação sobre offshores de que há registo: envolvem mais de 214 mil companhias. Os ficheiros incluem emails, fotografias, ‘powerpoints’ e partes da base de dados da Mossack Fonseca, a sociedade de advogados panamiana que está na origem da informação aparentemente mais relevante, num período entre a década de 1970 e 2016.» Imprensa, 4 de abril 2016 

Como escreveu Saramago em Memorial do Convento, «mas isto, confessemo-lo sem vergonha, é uma terra de ladrões, olho vê, mão pilha...» Só que Saramago, na circunstância, referia-se à arte de furtar portuguesa. Afinal, o furto é global, e como o polvo, sabe esconder-se nos lugares mais improváveis. No caso, no Panamá.
Paga-se o trabalho miseravelmente, corta-se nas pensões, condenam-se empresas à falência, colocam-se os povos no pelourinho, e para quê? Para que os abutres vivam à grande pelo menos desde os anos 70!

3.4.16

Pela integração

«Há duas maneiras de organizar a recepção de imigrantes. Uma tem a designação genérica de integração. A outra de multiculturalismo.»  António Barreto, DN, 3 de abril de 2016.
Vale a pena ler o artigo de António Barreto!
No que me diz que respeito, desde de meados dos anos 90 que pugno pela interculturalidade, uma das estratégias possíveis de integração. Nunca percebi como é que politicamente se pode defender a divisão do território em ilhas de cultura (religiosa ou outra...)
A maioria dos conflitos dos últimos 100 anos encontrou nessas ilhas terreno propício ao avanço de projetos de alargamento do chamado "espaço vital". Basta lembrar como Hitler anexou a Áustria, a Renânia, a República Checa, sempre em nome das minorias alemãs...
O que, afinal, em nada se distingue, por exemplo, da estratégia de Putin, mais recentemente...

2.4.16

Leituras várias

Desde as cinco horas que chuvisca e eu fui um dos tolos, embora não me possa queixar, pois o edredão secou enquanto o sol durou. 
Por entre os afazeres domésticos, o dia foi consumido numa caminhada e, sobretudo, em leituras várias: "O dia em que a jararaca voltou"; "Relations Internationales de 1930 à 1939"; "Les agressions allemandes et la marche à la guerre (1938-1939)"; capítulos primeiro e derradeiro de "Memorial do Convento"...  (Talvez, Santo Aleixo nos possa valer!)
Estas leituras podem parecer incongruentes, no entanto dão-nos a compreender a mecânica humana: por um lado a ambição desmedida; por outro, a inconsequência e a cobardia. 
O cruzamento de leituras de índole jornalística (Brasil atual), histórica (conflito entre ditaduras e democracias no séc. XX ) e ficcional, dá ao leitor o distanciamento necessário à compreensão do descalabro civilizacional em que estamos mergulhados.
Infelizmente, esta experiência é cada vez menos partilhada.
 

1.4.16

Para que serve a escola?

Quando não há uma relação direta entre o sucesso na vida e o sucesso escolar, qual é o lugar da escola no mundo atual? 
Tradicionalmente, a pergunta seria "qual é o papel da escola na sociedade atual?"
Na verdade, já não há sociedade e muito menos uma 'sociedade portuguesa' ou até uma 'sociedade europeia'. O que há são corredores que uns tantos percorrem, alheios ao interesse comum, e que, no final, se revelam portas de entrada para a riqueza e para a fama, independentemente dos meios para as atingir...
O sucesso na vida não obedece a qualquer critério ético, apesar de uns tantos continuarem a defender valores verdadeiramente anacrónicos, pois os media e as redes, ditas, sociais veiculam, ao segundo, atitudes e saberes despojados de qualquer criticismo.
A escola mais não é hoje do que um cais para onde são atirados os filhos daqueles que procuram o sucesso na vida a todo o custo nos corredores da desumanização e da alienação...
Nestas condições, para que serve a escola? Para que serve a escolaridade obrigatória de 12 anos?
Do ponto de vista relacional, qualquer observação revela que os laços desenvolvidos são fúteis e, por vezes, antissociais. Do ponto de vista da aprendizagem, não é difícil concluir que a matriz conteudística é desfasada da realidade e, como tal, desinteressante e aborrecida...

31.3.16

A Senhora da Furgoneta

The Lady in the Van. Filme, 2015.

Só hoje vi este filme sobre as relações humanas num bairro londrino no período thatcheriano. Relações postiças que, apesar de tudo, se vão tornando corteses. 
Miss Shepherd sabe como ninguém explorar a má consciência da rua em que instala a sua "furgoneta", obrigando os vizinhos a tolerar-lhe o lixo, a sujidade, a pestilência e uma certa sobranceria. Sobretudo, o "vizinho" Alan Bennet acaba por, ao usá-la como tema de escrita, dar-lhe uma assistência inesperada até porque a recusava à própria mãe...
Por outro lado, este filme revela uma crítica explícita, embora pontual, ao catolicismo, porque fora, afinal, um sacerdote católico que censurara o amor da jovem Margareth (Miss Shepherd) pela música, levando-a entrar num convento... Critica, também, a assistência social inglesa que só muito tarde se ocupou da velha Miss Shepherd.
Esta obra mostra que uma personagem excêntrica e foragida esconde muitas vezes uma vida frustrada, porque os padrões de cultura assim o determinam. E Miss Shepherd nunca aceitou por inteiro esse destino...  
Finalmente, embora o tema possa parecer 'negro', há momentos que são hilariantes, e a interpretação dos atores Maggie Smith e Alex Jennings é excelente.

(Na sessão das 15:20, no Cinema City Alvalade, estiveram apenas 7 (sete) espectadores...)

Nem os lesados do BES /GES!

Ontem, foi celebrado um acordo entre os do costume para que hoje o Novo Banco possa ser posto novamente à venda sem assustar os potenciais compradores.
A leitura do ato é fácil, mas parece que ninguém deu conta disso. Nem os lesados do BES /GES!

30.3.16

Perda de tempo...

Do que ouvi até agora na comissão de inquérito ao Banif, Administração, Banco de Portugal e Governo, colocados sob a pressão de Frankfurt, mais não fizeram do que perder tempo... O mesmo tem vindo a acontecer com o Novo Banco... E provavelmente o mesmo estará a acontecer com o BPI...
Todos dão mostra de grande azáfama na procura de soluções, mas o resultado é a rendição a Frankfurt. Pelo meio, engordam uns tantos à custa do empobrecimento dos restantes.

A perda de tempo deveria ser tratada como 'caso de polícia' e não numa comissão de inquérito, pois esta é, também, uma perda de tempo...


29.3.16

Só porque existo...

«Isto é que fim, que princípio, que fim de que viagem, que crónica?» Mário Cláudio, A Memória do Rito.

Só porque existo
há princípio e fim
a dor da viagem acentua-se com a impressão de que o cais irá ficar deserto de mim
o cais existe sem pensar que possa haver princípio e fim
nem a ilha que o acolhe lhe desperta atenção
as flores são de pedra
azuis, as águas e as aves

Só porque existo
o cais as flores as águas as aves ganham cor, e parece que têm princípio e fim.

28.3.16

Revolta e Revolução - longe vai o tempo...

«Globalmente, o tribunal deu como provado que os acusados formaram uma associação de malfeitores, pelas reuniões que realizaram em Luanda entre Maio e Junho de 2015 (quando foram detidos). Num "plano" desenvolvido em coautoria, pretendiam - concluiu o tribunal - destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de ações de "Raiva, Revolta e Revolução", colocando no poder elementos da sua "conveniência" e que integravam a lista para um "governo de salvação nacional".» Lusa

Longe vai o tempo em que o MPLA apelava à Revolta e à Revolução! Longe vai o tempo em que os escritores escreviam poesia e narrativa a apelar e a legitimar a Revolta e a Revolução. Longe vai o tempo em que Agostinho Neto (NOITE ESCURA) acreditava na liberdade: 
(...)
Um dia começou uma noite sem estrelas.
Mas na noite escura
os corações se erguem
Ah! é tão alegre a madrugada!
  
Vivemos num tempo em que os tribunais angolanos utilizam o mesmo léxico e decidem do mesmo modo  que as autoridades coloniais. 
Ah! é tão triste o despotismo!
Ah! é tão mesquinha a indiferença!

27.3.16

No domingo de Páscoa

Deste lado, um pontão e uma ponte. Curiosamente o sufixo /ão/ nada acrescenta, pois a ponte, quase invisível, leva muito mais longe...
Em 'ressurreição', o sufixo /ão/ deveria acrescentar ou, pelo menos, trazer o perdão à iniquidade humana, mas não. Tudo continua como dantes... até os flamingos voltaram, às centenas, ao leito do Tejo... Longe da (minha) objectiva, mergulham os longos pescoços sem qualquer preocupação com a redenção.
Alimentam-se sofregamente, porque a viagem pode ser a derradeira. Ninguém os irá acusar de gula, nem ouvi-los em confissão...
Eu é que já não tenho perdão!   

26.3.16

Uma ideia oblíqua

Sábado de chuva! 
Ninguém refere se as barragens estão cheias, nem se o preço da eletricidade deveria baixar...
Só as cerimónias da semana santa surgem misturadas com os falhanços do Cristiano Ronaldo e com a celebração do dia mundial do chocolate. Lá por fora, ecos prolongados dos atentados em Bruxelas e do acidente que vitimou doze portugueses, numa furgoneta de sete lugares conduzida por um jovem de 19 anos... 
Entretanto, eu termino a leitura de "Resgatados", de David Dinis e Hugo Filipe Coelho. E concluo com uma ideia oblíqua: quando à nossa frente se levanta uma parede é muito difícil derrubá-la. A teimosia de uns acaba por ser a desgraça de outros...
« Para ele (José Almeida Ribeiro), Sócrates era um líder político nato, com os inconvenientes que os grandes líderes sempre tiveram: quando acertam os resultados são magníficos; quando erram os seus erros são históricos.» op. cit, pág 233. 

O que é curioso no meio de tudo isto é que também eu vivo cercado de paredes, e não sei como escapar-lhes... Creio, todavia, que pouco falta para que a chuva de hoje se transforme no fogo de amanhã...

25.3.16

Resgatados ou por resgatar?

Resgatados / Os Bastidores da Ajuda Financeira a Portugal, de David Dinis e Hugo Filipe Coelho...

Enquanto leio "Resgatados...", vou pensando no calculismo que medra atualmente nos bastidores da vida política nacional e europeia. 
Este livro é, para mim, surpreendente pela metodologia utilizada pois, ao evitar a verdade das câmaras, acaba por revelar a voragem sequencial dos acontecimentos de ângulos opostos, mas esclarecedores... 
Lá no fundo, os governos portugueses, desde a entrada na união europeia, dançaram todos ao som da orquestra franco-alemã. E quando foi necessário dizer não, já era tarde: a atividade produtiva fora desmantelada e a aposta no investimento público (2008) esbarrou na nova era da austeridade (2010), sempre sob a batuta alemã... Os empréstimos tinham que ser pagos!
Os credores aproveitaram e lançaram-nos o garrote. 
José Sócrates bem se esforçou, mas, infelizmente para nós, parece que o amigo Santos Silva ainda não dispunha de meios para nos salvar. E por outro lado, a oposição, além de viver na ignorância, só sonhava com a manutenção (Cavaco Silva) ou o retorno ao poder (PSD)... 
Espero que o António Costa tenha este livro na mesa de cabeceira e o vá relendo para não cair nas ilusões de Sócrates...


24.3.16

Radovan Karadzic...não compreendo!

Radovan Karadzic condenado a 40 anos de prisão por genocídio.

40 anos? E porque não 30, 20, 50?

Este tipo de criminosos não deveria poder ter qualquer expectativa. Já que não é defensável a condenação à morte, esperar-se-ia que a sentença fosse taxativa: preso até ao último dia de vida! 

Há atos terroristas que não merecem qualquer clemência, pois os seus autores foram impiedosos com as suas vítimas e, na maioria dos casos, não manifestam qualquer tipo de arrependimento.

 «O ato terrorista é uma negação da individualidade, é uma negação do ser humano, naquilo que ele tem de único, em nome de uma causa geral.» Aloysio Nunes Ferreira, deputado brasileiro.

 

23.3.16

Ajo em função de um Dever antigo...

Hoje é um daqueles dias em que me vi obrigado a trocar o calor pelo frio, embora o sol se esforçasse por atenuar a friagem da brisa inconsistente. 
Eu estou um pouco como o sol, esforço-me, mas já não sei para quê. Faço-o há tanto tempo que já lhe perdi a origem.
Creio que ajo em função de um Dever antigo cuja consistência se esboroa a cada minuto que passa. 
O problema é que o minuto não passa, simplesmente dura, tornando mais pesados os dias, e escaqueirando o coração. E este apenas acelera, indiferente ao calor e ao frio.

Apesar da flor...

A flor esmorece...

Nem a chegada da Primavera suspende a chuva. E com ela, a flor esmorece...
Por este caminhar, os frutos irão faltar... e tudo iremos importar.
No entanto, há flores que resistem anunciando colheitas escassas, mas de qualidade.
Se procurarmos bem, também há homens que não esmorecem, porém esses são mais difíceis de encontrar...
O esmorecimento é uma tentação que, por vezes, seduz pela possibilidade de desistir. 
Se o que vai acontecendo ocorresse no Outono, então...

 20.03.2016

A corrupção é inevitável...

A riqueza dos Estados Unidos depende fortemente da desestabilização global e regional. Há 100 anos que é assim!
O que se passa no Brasil é a expressão de que a distribuição da riqueza por muitos ofende claramente os interesses dos conservadores locais e, sobretudo, dos vizinhos do Norte.
A divulgação das conversas entre os dirigentes políticos é feita de forma seletiva para criar o caos. Há muito que os Estados Unidos controlam toda a informação, utilizando-a cirurgicamente. Acontece agora, mas já está em curso há vários anos...
E a corrupção? Esta é inevitável nos políticos filhos da pobreza. Rapidamente, percebem que no aproveitar é que está o ganho e, sobretudo, que, se se mantiverem pobres, não têm qualquer hipótese de ombrear com todos aqueles que controlam o mundo da finança. 
Se não podes com eles, junta-te a eles!
Também, em Portugal, nas últimas décadas, foi esse o caminho. Num país pobre, a gente pobre, quando chega ao poder, acaba por se juntar a eles. E o caminho é a corrupção... 
Quanto aos ricos corruptos, a ambição não tem limites.

21.03.2016

Como se o orçamento os pudesse alimentar a todos

A reivindicação é notícia. Dos empresários aos trabalhadores, todos reivindicam como se o orçamento os pudesse alimentar a todos...
O Governo, por seu lado, desdobra-se em compromissos com cedências a torto e a direito, pois sabe que o seu tempo é curto. Em vez de informar devidamente o país da verdadeira situação financeira, prefere fingir que pode satisfazer todos os interesses, sem perceber que há muitos sectores que procuram derrubá-lo, tanto à direita como à esquerda...
(...)
Infelizmente, os governantes portugueses não têm espinha dorsal, até porque ignoram a História do séc. XX. Bastava-lhes ter estudado as crises com que os países ocidentais se debateram entre as duas guerras mundiais, para compreender que a solução para os problemas da economia dos povos vai muito para além da simples alternância entre governos de direita e de esquerda...
Nem a austeridade nem a distribuição de recursos voláteis resolve os problemas colocados pela progressiva e inevitável eliminação de postos de trabalho e pelo envelhecimento das populações.
Há que desenhar uma estratégia e aplicá-la sem calculismos eleitoralistas.

22.3.16

O ato terrorista

«O ato terrorista é uma negação da individualidade, é uma negação do ser humano, naquilo que ele tem de único, em nome de uma causa geral.» Aloysio Nunes Ferreira, deputado brasileiro.

Independentemente das causas, o autor do ato terrorista é um ser formatado que age quase sempre em nome de uma causa geral.
Em termos de combate há que identificar e conhecer plenamente as causas gerais e, principalmente, desmantelar todos os modelos de formação que contribuem para a alienação (formatação) de jovens que, em muitos casos, crescem em espaços multiculturais fechados sobre si próprios.
A prevenção do ato terrorista depende assim da definição de modelos de sociedade e de educação que impeçam a catequização de indivíduos desintegrados e marginalizados em territórios com autonomia própria...

18.3.16

Com sabor a baunilha

Conheci um puto que poupava durante três meses para poder comprar um pacote de bolacha baunilha. E quando, finalmente, saboreava a primeira bolacha, sentia a consciência pesada. 
Aquela extravagância perseguia-o para onde quer que fosse, porque, lá no íntimo, percebia que quebrara o princípio de que não se deve desperdiçar dinheiro com coisas inúteis, nomeadamente, que não deveria ter cedido ao pecado da gula...
De facto, aquele pecado não resultava de um impulso momentâneo: a todos os três meses, lá comprava um pacote de baunilha, com uma única exceção anual - em abril, substituía a bolacha por um gelado, de preferência, de baunilha.
Agora avançado na idade, só raramente compra um pacote de bolacha baunilha, e não porque lhe pese na consciência, mas porque quem o poderia censurar partiu para um lugar onde não é preciso poupar durante três meses para poder comprar um pacote de bolacha baunilha ou trocá-lo por um gelado de baunilha...
Descobri, agora, que aquele puto tinha um único sonho. Que, quando os seus amigos se forem despedir dele, alguém tenha comprado alguns pacotes de bolacha baunilha, e que todos possam saborear uma bolachinha... com sabor a baunilha. Ou, se for abril, que a possam trocar por um gelado... de baunilha.

17.3.16

Parecia que o sol brilhava

Avolumam-se as nuvens - parecia que o sol brilhava. Mas é uva por amadurecer.
De forma sibilina, Freud separou as pulsões da vida das da morte. Há, contudo, quem procure a vida através da morte.
O caminho é sedutor. Porém, no canavial sopra uma friagem que se desfaz em pranto...
Em tudo, há uma oposição irritante. Chamam-lhe coordenada adversativa; melhor seria chamar-lhe bifurcação. E, em vez de um caminho, são agora dois sem regresso.

16.3.16

Avolumam-se as pausas

Avolumam-se as pausas - discutem-se os últimos escândalos, a bola, a família, a falta de educação, os excessos... dos outros, as insuficiências dos outros, os erros dos outros...

Por vezes, as pausas são interrompidas para regressar ao trabalho de mostrar ao chefe que o posto de trabalho não foi desertado...
De qualquer modo o esforço é inglório, porque o chefe não descola do lugar que ele próprio determinou ser o seu. 
Hoje a pausa é em frente de um televisor, de onde é possível avistar um funeral de alguém que por aqui passou, sem que, aparentemente, tenha deixado qualquer indício... 

(Começo a pensar que sou invisível! Eu que não sou chefe, observo e registo sem que isso desperte a mínima atenção. Do outro lado, o televisor vai mostrando imagens que não descortino; a própria voz da repórter é abafada por um discurso múltiplo sobre as insuficiências e os erros dos outros, no caso, das outras, por ora, ausentes...)

15.3.16

"Eu fui teu amigo"

Embora sempre ocupado, em algum momento deves ter pensado naqueles amigos que te ignoravam, mas que na tua morte não iriam desperdiçar a oportunidade de saudar a tua jovialidade, a tua fraternidade, o teu  talento.
Nesse momento, o teu sorriso seria amargo, mas por pouco tempo, pois faltava-te o tempo para suportar a mediocridade, embora soubesses que a melhor forma de te desforrares seria representar essas vidinhas postiças.
Desta vez partiste, sem qualquer encenação, sem qualquer sorriso, mas nem por isso a mediocridade irá desaproveitar o momento de dizer "eu fui teu amigo"...
No que me diz respeito, a tua morte trouxe-me à memória que falta algures o teu testemunho, e não sei se foi porque, à data, estivesses ocupado ou, simplesmente, porque as tuas palavras poderiam destoar...

(Na morte de Nicolau Breyner.)

14.3.16

Sou eu que gosto e mais ninguém!

O gosto será determinado pela vontade? Do tipo 'eu não quero gostar de sopa e portanto não gosto de sopa'.
A decisão parece resultar de embirração!
Se os adultos não comem sopa, por que motivo dão sopa à criança... E mesmo que os adultos comam sopa, a vontade de afirmar a diferença, não vá o exemplo coartar-lhe a liberdade, obriga à rejeição sob a forma de choro, grito ou simplesmente de boca cerrada...
(...)
Os dias passam e o gosto vai ficando cada vez mais apurado: eu quero, eu não quero; quero, não quero; não... já disse que não!
Por outro lado, o gosto não exige aprendizagem, não requer conhecimento do outro, nem do contexto em que ele nasceu, cresceu e morreu...
Sou eu que gosto e mais ninguém!
(...)
O gosto foge de qualquer forma de desgosto... e se não for suficientemente convincente, parte para a demolição de todo e qualquer património, porque nada pior para o gosto do que admitir que outro possa ter realizado qualquer coisa digna de admiração...
Sou que gosto e mais ninguém!

13.3.16

Da paixão, da morte, da vida

Nos anos 70, durante três anos e meio, desci e subi diariamente a Calçada do Combro (Lisboa). À época, as igrejas viviam envergonhadas...
Na sala de aula, por mais de uma vez, procurei explicar o que era a arte do Barroco, dando exemplos livrescos, quando poucos números acima se situava um dos expoentes do Barroco e do Rococó do séc. XVII - a Igreja de Santa Catarina ou a Igreja dos Paulistas.
À época, a sede do MRRP tinha mais influência na juventude que frequentava o Passos Manuel ou a Escola D. Maria I.
(..)
Hoje, regressei à Igreja de Santa Catarina para ouvir o CRAMOL (Grupo de Canto de Mulheres) interpretar um conjunto de polifonias e menodias tradicionais de mulheres, evocativo do tempo religioso dos mistérios da vida e da morte .
A execução foi primorosa e por isso merecedora de aplauso, até porque nos restitui cânticos do tempo rural, evitando a mistura tão do agrado das gerações urbanas.
A Igreja encheu, sobretudo, de mulheres, mas isso já são contas de outro rosário... e o prior não ficou a perder...

«A Senhora da Saúde
Tem uma rosa no rosto
Que lhe deram os romeiros
No dia 15 de Agosto»
Manhouce /Beira Alta

Pessoalmente, prefiro o título: Da vida, da paixão, da morte. No entanto, aceito que o lugar possa explicar a inversão... O que não quer dizer que compreenda.

12.3.16

Dois em um, na Ulmeiro

Passei pela Ulmeiro, no nº 13 da Avenida do Uruguai. Mais do que os livros, quem ali mais desperta a atenção é o gato, de que desconheço o nome, mas lembrou-me o velho Bonifácio d'Os Maias. Deitado ao sol na montra da livraria, parecia desprezar quem por ali se comprazia em apreciar o seu porte soalheiro em vez de se fixar na livralhada mais ou menos de teor religioso que ali dormitava...
Entrei, uma simpática senhora, um pouco mais velha do que eu próprio, prontificou-se a esclarecer alguma questão, embora de imediato remetesse para os identificadores afixados nas estantes...
(Sobre a guerra do Rift nunca ouvira falar e o proprietário (?) que se encontrava na penumbra nada disse, o que me levou a pensar que há certos acontecimentos, sobretudo os trágicos, que não interessam a ninguém - milhares de espanhóis, e não só, foram massacrados e, provavelmente, ficaram para sempre nas areias do deserto. Talvez, no entanto, não seja esta a única versão... se eu viajasse até Marrocos, e investigasse as relações do Magreb com as potências colonizadoras - Espanha e França - talvez encontrasse um outro livreiro capaz de me elucidar sobre o primeiro quartel do século XX...)

Como não gosto de entrar numa livraria e sair de mãos a abanar, virei a minha atenção para a estante que indicava Literaturas Africanas. Apenas 5 livros, e eu já os tinha todos... O mesmo sucedeu na estante Literatura Brasileira!
Acabei por encontrar um livrinho em bom estado do Mário Cláudio, que afinal, é dois em um, porque, de um lado, oferece prosa e do outro, poesia... O resto da livraria, não tive coragem de o percorrer...
Preferi visitar o cemitério do Lumiar, onde os ciprestes continuam perfilados e, hoje, visitados por aves que não consigo identificar - não eram corvos nem gaivotas! Talvez estivessem de passagem, como eu, e me seguissem até à Quinta das Conchas...
Ainda observei os eucaliptos, mas neles só poisavam os pombos e um ou outro melro.

11.3.16

Com a idade...

«O movimento não se confunde com o espaço percorrido. O espaço percorrido é passado, o movimento é presente, é o ato de percorrer.» Tese de Bergson

Com a idade, o espaço percorrido cresce, e na cabeça de certas pessoas incha de tal modo que pouco sobra para que o resto do corpo consiga mover-se...
Essas pessoas vivem num espelho que lhes reflete as frustrações e os delírios. Reclamam direitos por serviços prestados e detestam ser contrariadas.
O outro perde em autonomia e ganha em servidão... e à medida que serve vai pensando se não se enganou no caminho.
Desmeditando, está na hora de voltar a servir, que os deuses já se inclinam sobre a nossa insubordinação.

10.3.16

Marcelo, oficialmente, esqueceu Fernando Pessoa

Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa prestou homenagem a Vasco da Gama e a Luís Vaz de Camões. E, oficialmente, esqueceu Fernando Pessoa.
Esperemos que o "espírito" do Estado Novo não esteja de regresso. Há, no entanto, indicadores que perturbam: "venham a mim os pobres de espírito!"
Como diria José Rodrigues Miguéis, "o pão não cai do céu"... 

9.3.16

Sinto-me vilependiado...

A cortesia impôs que o presidente Cavaco fosse condecorado com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.
900 convidados deslocaram-se ao Palácio da Ajuda para assistir ao ato e cumprimentar o homenageado.
Na espera, foram petiscando e cavaqueando.

Em rodapé:
Numa só empresa, 500 trabalhadores estão a caminho do desemprego.
O Governo está obrigado a reduzir a despesa em 700 milhões ou a cobrar mais 700 milhões em impostos.
(...)
Nós pagamos a insígnia, os acepipes, o cavaco, o subsídio de desemprego, os palácios, os veículos de alta cilindrada,  os cortes nos vencimentos e nas reformas, na saúde e na educação; nós pagamos as taxas... e 5 presidentes.

Começo a pensar que não foi para isto que há mais de 100 anos a monarquia foi derrubada. A verdade é que me sinto vilipendiado, não com a cortesia de condecorar o Presidente Cavaco, mas com a atribuição do Grande Colar da Ordem da Liberdade. 

8.3.16

A desgraça dá lucro

«La guerre a enrichi les États-Unis.» in Le Monde Contemporain, page 120, Bouillon, Sorlin, Rudel, Bordas

Esta é a frase que não me sai da cabeça. A Grande Guerra (1914-1918) enriqueceu os Estados Unidos. 

A Guerra da Síria está a enriquecer a Turquia e, absurdamente, a Grécia não está a saber rendibilizar os milhares de refugiados que lhe entram portas dentro.

A afirmação pode parecer cruel, mas a desgraça alheia acaba por ser sempre lucrativa para alguém.

Maria Luís, ex-ministra da fazenda, sabe bem do que os credores são capazes, e como tal, a necessitar de pagar a mansão hipotecada, não perde tempo a colocar-se ao serviço de quem enriquece à nossa custa. Afinal, o Gaspar tinha seguido o mesmo caminho, e o ruído foi menor...

Aníbal Cavaco Silva deixa-nos amanhã, depois de condecorado pelos serviços prestados ao grande capital, e parte muito mais rico do que chegou. Como? Não sabemos. Arauto da austeridade, soube escolher o lado menos doloroso, ao contrário de muitos portugueses a quem essa opção foi sonegada.. 

A experiência ensina que a desgraça de muitos é a riqueza de poucos. Fundamental é não ter escrúpulos.

7.3.16

Todos temos opinião...

Todos temos opinião, embora desconheçamos a história do conceito, embora ignoremos o nome daqueles que lutaram até à morte pelo direito de deixar de ser escravo, de deixar de ser vassalo... O tempo era outro, aquele em que a única voz que se fazia ouvir era a do soberano, ou em nome do soberano...
Hoje, melhor seria que a voz de cada um fosse a expressão de um ponto de vista devidamente ancorado na realidade. Falta-nos a humildade de confessar a nossa miopia, ainda que transitória.
Ao ´ponto de vista´ preferimos a 'opinião', que dizemos ser nossa, como se esta não fosse de um grupo, de uma classe, de um rebanho. Preferimos  escondermo-nos no relativismo gratuito...
(...)
Infelizmente, as convicções são como as crenças, só com fé e muita liturgia é que as toleramos.... E uma pitada de ironia. 

6.3.16

Eu, terrorista, confesso que nunca entrei na Laurentina...

Não tenho tempo para o ler, mas hoje comprei o Diário de Noticias.
Por entre afazeres vários, como classificar e corrigir testes e elaborar um novo teste para os alunos absentistas - cada um com o seu motivo, em que nunca pesa o 'castigo' imposto ao professor, dou uma olhadela ao periódico.
Descubro que o DN oferece toda a última página a um cronista (?) chamado João Taborda Gama, embora desconfie que a oferenda seja da Laurentina Restaurante, o Rei do Bacalhau...
Por associação com o teor dos testes que vou saboreando, ainda cheguei a pensar que se trataria de um velho descendente do Gama de 1498, mas logo relembrei outro ascendente mais recente de águas profundas...
Este Gama, tal como os Gamas retratados n'Os Lusíadas, embora vá escrevinhando, não revela grande educação literária. Parece, no entanto, ter uma conceção muito própria do poder local.
Ao lê-lo, percebi que eu devo ser um daqueles "terroristas" que insiste que Portugal está reduzido à pequenez anterior a 1415 - à exceção das paternas ilhas atlânticas - que Portugal perdeu o Império e está a perder a língua...

Diz o Taborda da Gama:

«A existência de prosperidade (...) só será possível com a criação de regiões administrativas (...), sem o terrorismo do somos um país demasiado pequeno para isso. (...) Mais autonomia significa, por exemplo, cada município poder decidir se quer ou não ter IMT, e até se quer ou não ter imposto que tribute as sucessões e as doações(sic)

Eu por mim contentava-me com a eliminação do IMI! Será que o Bernardino Soares também acompanha o Taborda da Gama?

5.3.16

De nós, nada acusa

«Inutilmente parecemos grandes.» FP /Ricardo Reis

Ser grande é uma aspiração humana. Ambição, de seu nome.
A dado momento, nada parece tolher esse impulso. Pulsão milenar, o ser humano não hesita em dar-lhe expressão, pouco importando as vítimas que vão tombando a seus pés...
O discurso contra os excessos da ambição de ser grande já não faz qualquer sentido.
Motivo?
Porque este tipo de discurso é sempre contra a ambição do outro. De nós, nada acusa.

4.3.16

A lição de Fernando Rosas 'O Estado Novo e os Fascismos'

Na Escola ( Liceu Camões) que testemunhou a ascensão e a queda do fascismo, e que foi durante muito tempo um dos pilares do Estado Novo, mesmo que no seu seio despontasse e crescesse a oposição ao regime ou que das suas janelas Humberto Delgado tenha ousado desafiar Oliveira Salazar, Fernando Rosas proferiu, esta manhã, uma lição soberba, em termos de explicação dos fatores que, após a primeira Grande Guerra, levaram ao poder, na periferia da Europa, sem esquecer a humilhada Alemanha, o fascismo (e o nazismo) que, em nome da Nação, tudo fez para destruir definitivamente os avanços civilizacionais resultantes da Revolução Francesa...
Fernando Rosas mostrou que o fascismo conseguiu atrair simultaneamente as elites conservadoras e empresariais, e todos aqueles que se viram reduzidos a uma vida precária e sem horizontes pela guerra, pela incompetência dos partidos de inspiração liberal e pelo crash da Bolsa de Nova Iorque, em 24 de outubro de 1929. 
A síntese que Fernando Rosas fez em 90 minutos foi certamente estimulante para quem gosta de conhecer o passado; no entanto, o mais importante da lição residiu no tom pedagógico com que procurou que o auditório entendesse que hoje, na Europa, sobretudo nas suas periferias, estamos a ressuscitar os fanatismos, os extremismos e as soluções do passado...
(...)
Uma das razões que justificam a reabilitação do Liceu Camões é precisamente porque, para o bem e para o mal, ele é uma testemunha fundamental de mais de 100 anos, cujo memorial não deverá esquecer os diversos contributos que Fernando Rosas lhe tem dado. 

3.3.16

Nos ramos dos plátanos...

Como se não tivesse nada para fazer, pus-me a contar os plátanos. Dez, em cada pátio. Dez troncos, erectos sobre raízes invisíveis, alimentadas por arroios secretos. De cada tronco jorram quatro bifurcações, sobre as quais jazem os ramos, por ora, nus de folhas e de pássaros...
O arquiteto deve ter amado o compasso e a simetria e talvez, um dia, tivesse lido 'Os Lusíadas'. Para cada Canto, um plátano, e como o lugar era escolástico, em vez de um pátio, imaginou dois, sem que saibamos qual deles é a réplica e qual o original.
Por capricho do legislador, o lugar passou a ser de Camões, em vez de ter sido apadrinhado por Herculano, o romântico.
E, por uma vez, o legislador acertou, já que Herculano preferia o azeite às alergias de cada primavera...
Como se não tivesse nada para fazer, pus-me a pensar na esterilidade da simetria, na clausura da harmonia, na fatuidade das luzes... e fico-me por aqui, antes que algum varandim venha abaixo... Entretanto, vou colocar o avental e convocar os espíritos do lugar, na expectativa que saiam das Caves e, por um momento, poisem nos ramos dos plátanos... 

2.3.16

Não!

Talvez fechar os olhos
Talvez cerrar os ouvidos
Talvez ser cometa...

Esperar talvez
Olhar mais uma vez
Ser cúmplice
Ou ser cometa...

Não!
Tenho horror à podridão.

(No fundo da sala, os pequenos e as pequenas abrilhantam o cavaco, estrelejam no reino da vulgaridade. Ainda sobram, no entanto, uns tantos rostos ávidos de saber, e avessos à batota...

O palácio de Antero de Quental

O palácio da Quinta do Relógio, em Sintra, está à venda por 7, 5 milhões de euros! (notícia)

Sintra, palácio, quinta, relógio - palavras distantes. Talvez voltar a vivê-las se... Lembro-me, agora, que, à falta do vil metal, bem posso sonhar, ou, então, visitar o Festival Periferias, organizado, por estes dias de março, pelo João de Mello Alvim.

Sonho que sou um cavaleiro andante,
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

No entanto, o sonho não é de alegria, quando as portas de ouro se abrem:

Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais.

1.3.16

A precisar de esclarecimento...

A dívida pública aumentou 3.344 milhões de euros em Janeiro face a Dezembro para 234,4 mil milhões de euros, divulgou hoje o Banco de Portugal.

Estou a precisar de esclarecimento. A dívida pública continua a agravar-se!
Espero que o atual Governo já esteja em condições de dizer qual é o seu papel neste agravamento. E de pouco me serve que queira imputar as culpas ao anterior Governo ou às forças de esquerda que o suportam ou o armadilham a cada passo...
Em nome da verdade, António Costa precisa urgentemente de prestar contas. E esclarecer se a situação é reversível. E como! Se não sabe, o melhor é começar a arrumar as botas.
Nesta matéria, de pouco serve tapar o sol com uma  ou várias peneiras...
(...)
Entretanto, o António Costa deve lembrar a João Soares que não precisamos de um ministro da cultura trauliteiro.

29.2.16

A Linha do Norte

«Porque todas as recordações são a mesma recordação.» Álvaro de Campos, Acaso.

Uma avó quase cega que vê cada vez melhor.
Um avó sorumbático que recorda os guardas alinhados à espera que o presidente do Conselho chegue ao destino.
Um pai que se imagina maquinista da automotora que devora a Linha do Norte.
Uma mãe que acredita que aquele filho a pode libertar da Cruz que carrega.

Detalhes! A recordação atravessa-se em mim com ou sem comboio...
(...)
Querer ser outro conforta! Tristes, os que vivemos sem Norte...

28.2.16

Em roda livre...

Preocupa-me que haja cada vez mais indivíduos em roda livre!

Aprendi com Freud e com os Surrealistas que a eliminação da 'censura' era um movimento libertador, capaz de combater o determinismo social e cultural, desmontar os recalcamentos e, sobretudo, gerar novas formas de vida, de arte...

Só que a ausência de 'travões' está a tornar-se praga. Cada um diz, em qualquer circunstância, o que lhe apetece, sem pesar a força ilocutória do que diz e apregoa, sem fundamentar o gracejo ou a convicção.

Não sei se é a este comportamento que outrora se chamava loucura, mas parece que anda tudo louco.
E aos loucos não se pode responder! Só ouvir, respirar fundo e procurar compreender.

27.2.16

Mosquitos por cordas...

O governador do BP não se demite "por um pequeno incidente"...
João Soares, ministro da cultura, avisa que vai demitir o presidente do CCB na próxima 2ª feira...
O PCP vai aos ministérios discutir o orçamento...
A CGTP já aprovou a subida do ordenado mínimo para 600 € em 2017...
António Costa discute Novo Banco com UGT...
A Maçonaria quer escolher o secretário-geral do SIRP (Serviços de Informação da República Portuguesa)...
O BE prefere Jesus a Maomé...
Uma juíza trata a ré por "querida"...
Um ex-procurador despachou um inquérito-crime (2011) em quatro meses, deixando os restantes visados em água de rosas. Leia-se arquivou a queixa contra o angolano Manuel Vicente. Só, agora, Orlando Figueira foi detido!
A DGS garante que o mosquito zika não quer nada connosco até ao fim do verão...
O Novo Banco foi oferecido ao Santander e ao La Caixa...

(Isto ainda acaba mal!)

26.2.16

São encantadores, quando nos desafiam!

São encantadores, quando nos desafiam!
De nós, pouco querem, embora procurem afirmar-se como chefes de horda.
Há muito que o professor perdeu o estatuto de mestre; mais não é do que o inimigo de ocasião que lhes permite mostrarem-se superiores, pois pressentem que a abelha-mestra foi expulsa da colmeia ou, então, vai definhando na sala de aula até que o coração ou o cérebro estoirem de vez...
E o professor nem é o verdadeiro inimigo, é apenas um ersatz da família em desagregação - aquela em que o desafio seria natural e construtivo.
Destruído o porto de abrigo, as palavras e os gestos tornam-se soezes, a simulação questão de honra, até que, aos poucos, tudo degenera em violência verbal, depois gestual, e, finalmente, física...

25.2.16

A brincar, sem imaginação

Já não sei se aprendemos, se passamos o tempo a brincar, sem imaginação.
Se aprendêssemos, se experimentássemos, não nos faltaria a memória essencial à imaginação.
A memória facultar-nos-ia as imagens, as impressões dinâmicas, que poderíamos combinar até que fossemos mais do que réplicas do Ser inicial...
(...)
Migalhas de conversas transviadas mais não são do que verbetes de um estéril dicionário - nelas, mora um código cuja chave alguém perdeu num dia aziago: o dia em que passámos a brincar, sem imaginação.

24.2.16

Uma narrativa estática ou será pantanosa?

Estou aqui às voltas com um suposto conto, escrito por Fernando Pessoa,  A Estrada do Esquecimento ou, para alguns, A Estrada da Escuridão.
Tomando como válida a hipótese de que no conto tem que ocorrer um acontecimento que transforme a ordem em desordem para gerar uma nova ordem, parece pouco provável que, mergulhados na escuridão ou afundados no esquecimento, possamos testemunhar individual ou multiplamente qualquer ocorrência. 
No primeiro caso, desapossados da visão, no segundo desapossados da memória, deixamos de saber como recuar ou avançar e, portanto, espectros, pairamos como os pingos da chuva. 
Estáticos, talvez, ainda possamos percorrer os atalhos da audição ou do tato, mas por pouco tempo. Recobrando, por instantes, a memória, vislumbro centenas de milhares de soldados nas trincheiras da Flandres que esperam que a morte os liberte da escuridão e do gás pimenta...

23.2.16

Por um instante

Como aquilo que eu vejo não é o que tu vês, como é que eu te posso ensinar a ver?
Como aquilo que eu oiço não é o que tu ouves, como é que eu te posso ensinar a ouvir?
Como o meu corpo não é o teu corpo, como é que eu te posso prender?

Por um instante, talvez possa ser o teu bordão no caminho que só tu podes percorrer!
O teu poder não está ao alcance do meu ser!

22.2.16

O dia está a ficar ilegível

«A noite estava ilegível. (...) Só havia escuridão, sem forma, lugar ou fundo. (...) Apenas por atalhos das sensações podíamos confiar na existência do céu, em cima,  e da terra, em baixo. (...) Como os meus olhos não podiam ver, eu via com os ouvidos.» Fernando Pessoa, in A Estrada do Esquecimento.

Há muito que a noite deixou de ser ilegível nas cidades. 
Só nos campos desertos, a escuridão insiste em persistir, a não ser que a lua se deixe esconder... Eu ainda atravessei essa escuridão que ecoava sob os meus passos apressados e desconcertados... passos que calcavam a terra num desafio ao medo que medrava sob os uivos da canzoada. 
A escuridão que me envolvia tinha um chão, tinha um teto, e eu só ansiava que do fundo eclodisse a luz. 
Nunca fui tão longe na noite, porque ainda assim raiava o dia, mas, hoje, a escuridão começa a adensar-se nos sons nocturnos, e o dia está a ficar ilegível. 

21.2.16

O Estado não paga...

«Na origem deste último erro detectado pelo Ministério das Finanças esteve o cálculo das contribuições imputadas à Caixa Geral de Aposentações (CGA), sabe o Económico. Os serviços públicos não pagam efectivamente uma contribuição pelos seus trabalhadores à CGA (apenas os funcionários fazem uma contribuição efectiva), mas em contabilidade nacional é-lhes imputado um valor.» 

Pois é, o Estado não paga, no devido tempo, a contribuição devida à CGA. E depois, mais tarde, queixa-se do peso excessivo do valor das aposentações. Ao contrário do patronato, o estado adia a despesa, impedindo que a CGA possa gerir autonomamente as contribuições dos funcionários públicos e do estado.
O que depois se torna ainda mais penoso é perceber que as equipas que preparam o esboço (?) de OGE parecem desconhecer o modo como o estado foge às suas responsabilidades sob o manto da "contabilidade nacional", conceito que, se não está, deveria estar consignado na "arte de furtar"...

20.2.16

De Umberto Eco recordo sempre...

De Umberto Eco recordo sempre a fábula do riso que ia envenenando os austeros conservadores da "arte poética" que, na verdade, não tinham qualquer motivo para zelar por uma morte inevitável, sem retorno nem passagem...
e
também recordo o grande e os pequenos inquisidores que preferiam o dogma à dúvida, atirando à fogueira todos aqueles que não eram suficientemente manhosos para se colocarem sob a proteção do magnífico Tribunal...
o que me traz de volta, não os fazedores de teses e nem os devotos da obra aberta, mas, sim, o António José da Silva, o Bernardo Santareno e o José Saramago...

19.2.16

Só os abutres vivem da morte do outro

« - Impossível. Você sabe, tanto quanto eu sei, que a morte é sempre nova e sempre pessoal. Se assim não fosse, já a tínhamos tornado científica.
- Aí está, señor. Sempre nova e sempre pessoal, diz bem. Ao fim e ao cabo, foi só a mim que eles condenaram a morrer por fuzilamento.
- Por isso mesmo é um ato novo e pessoal. Você vai ter de começar tudo pelo princípio. E, se mais alguém morrer, não terá aprendido nada com o seu exemplo. Eu próprio, como nunca morri, não posso nem sei dizer mais nada.» Excerto de um diálogo entre o filósofo e o condenado, in Sombra de Touro Azul, de João de Melo. 

Não aprendemos nada com a morte do outro.
Não aprendemos nada com a notícia da morte do outro.
Não aprendemos nada com a repetição da notícia da morte dos outro.
Não aprendemos nada com o comentário obsceno da morte do outro.

Só os abutres vivem da morte do outro. E não se pode dizer deles que sejam hipócritas, pois a morte do outro é o seu próprio sustento.

18.2.16

Juíza de Carrilho e Bárbara

Juíza de Carrilho e Bárbara é fascinada pelo nazismo - fonte: CMTV

Ingenuamente, pensava que o juiz deveria ser o fiel da balança.
Parece que não! Esta juíza, de acordo com o CMTV, inclina-se para o lado do carrasco.
A situação noticiada é muito grave: ou o CMTV manipula deliberadamente a informação e deve ser sancionado ou, então, a juíza  não deve julgar este ou qualquer outro caso de justiça.
(...)
Embora não tenha a certeza, desconfio que o Centro de Estudos Judiciários tem vindo a prestar um mau serviço à causa da justiça. Não basta conhecer a lei, é necessário que o juiz quando a aplica o faça, regido por valores bem definidos, como, por exemplo, o da isenção. 
(...)
Espero não estar a incorrer em qualquer juízo de apreciação. Creio, no entanto, que a crise de valores se manifesta cada vez mais na educação e na formação... dos políticos, das polícias, dos magistrados, dos médicos, dos professores, dos bombeiros... E quando tal acontece não há estado de direito que resista.