23.5.06

Filha da noite...

Filha da noite e irmã do sono - és tão discreta que se pode dizer que não estamos à tua espera A ti, qualquer dia te serve Nós preferíamos um outro olhar menos discreto... O olhar líquido dos nenúfares.

22.5.06

Há algo de errado em Al-Kassar!

«Era o ano no mês de Abril, quando enflorescem as árvores, e as aves, que até então estiveram caladas, começam d'andar fazendo suas querelas doutro ano por entre o arvoredo deste vale, que bem podeis ver quejando seria então, pois agora o é tanto.»
Bernardim Ribeiro, Menina e Moça
Embora não tivesse visto, em Al-Kassar, qualquer sombra dos salacianos Bernardim Ribeiro e Pedro Nunes - certamente porque não me esforcei o suficiente! - continuo a pensar que há algo de errado por estas paragens outrora tão interessantes para romanos, árabes e cristãos. A água abundante dos rios Sobrena, Sado, Xarrama e das ribeiras do Areão, Algalé, da Ursa e de S. Domingos deveria atrair mais dos que os cerca de 13 800 habitantes que povoam o concelho de Alcácer do Sal.
Não me parece que o clima mediterrânico possa ser responsabilizado por uma certa atmosfera de incúria: a vegetação já ressequida, em Maio, invade a cidade, tal como o lixo, parecendo anunciar uma próxima abertura de telejornal - Sem se compreender bem, o fogo grassa na cidade de Alcácer, não poupando sequer as moradias...
Ironicamente, o terreno, destinado às futuras instalações dos bombeiros, poderá muito bem ser o rastilho, tal o estado de abandono em que se encontra.
Mas Alcácer é apenas um mau exemplo entre milhares, num país, onde os governadores raramente deixam o ar condicionado dos seus torrões... e continuam, impunemente, na praça pública, a agitar milhões de euros para o combate aos incêndios que eles próprios ateiam...

21.5.06

Alcácer do Sal, em Maio...


Bucólica localidade, onde múltiplos pequenos pássaros saltitam e chilreiam agradavelmente. As cegonhas brancas estão presentes um pouco por toda a parte e, nesta fase do ano, já terão começado a alimentar os juvenis, o que explica que, quando nos aproximamos, elas emitam um estranho e seco som de alerta...
Esta vida campestre, onde, hoje, ecoam os badalos dos rebanhos, é cingida por um extenso mosaico de águas rasteiras, que esperam o cultivo da oriza sativa (variedade de arroz oriundo da Ásia)... ou, em alternativa, a salinação.
A cidade de Alcácer, um pouco esquecida do passado, tranformou a fortaleza numa pousada e, presentemente, expande-se para a Nova Alcácer num estilo novo-rico, descurando a possibilidade de se transformar numa extraordinário miradouro sobre o Sado.
Apesar disso, há nela uma nítida preocupação com os equipamentos sociais, mas tudo num ordenamento bem desordenado.
No entanto, vale a pena visitar a bela igreja de Santiago, rica em azulejos com motivos locais, e algumas das capelas laterais ricamente decoradas. Este edifício foi inaugurado em 1746, no reinado do magnânimo D. João V. E também por aqui há um Convento de S. Francisco!
Em Maio, ficamos com a sensação de que a qualquer momento tudo pode mudar ... tal como na Carrasqueira, a cerca de 20 km de Alcácer do Sal. Fica a sensação de que nesta altura do ano, ainda tudo está por acontecer... embora este fim-de-semana tenha sido bem agradável no renovado parque de campismo... sem residentes e procurado, sobretudo, por ingleses e holandeses. Quem diria?

19.5.06

Esta pressa de florescer...

Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Camilo Pessanha
Mágoa mitigada
As rosadas pétalas murcham diante dos meus olhos; não esperam nem pela calma do Estio nem pelas chuvas do Inverno. Têm pressa de viver: inquietas, riem muito, trocam olhares furtivos, fingem preocupações; mas lá no âmago esperam ansiosamente que o gongue se faça ouvir ... para suavemente juncarem o solo da alheia caminhada.
E esta pressa de florescer não lhes deixa tempo para aprender!

18.5.06

Gigantes ou anões...

O eterno problema da fronteira
Levámos três séculos a construir a fronteira continental.
Levámos outro século a expandi-la.
Ficámos três séculos e meio a defender a nova fronteira. A cada investida do castelhano, do muçulmano, do otomano, do holandês, do francês, do belga, do alemão, do italiano, do inglês, do russo, do chinês, do americano, do indonésio, retraiu-se a fronteira...
Sacrificámos fazenda, homens, mulheres e crianças e, em nome da divina fronteira ou da fronteira divina, chacinámos outros homens, outras mulheres, outras crianças...
E regressámos ao torrão natal como se nada se tivesse passado... a nossa nova fronteira fora sacrificada em nome da emancipação dos povos, do direito que todos os povos reivindicam de ter o seu torrão original.
Hoje, para deixar que o tempo continue a fluir, fazemos parte da nova fronteira europeia... deixámos de ser o rosto que fitava o atlântico e passámos a ser uma cloaca transfronteiriça, à nossa maneira, temperada de lusofonia...
Defendemos acerrimamente o castelo sem castelão, a paróquia sem pároco, o hospital sem médico nem utente, a câmara sem munícipes, a escola sem estudantes, a caserna sem soldados... e estamos dispostos a não arredar pé em nome da nossa última fronteira... afinal, aquela que nunca conseguimos fixar.
E porquê? Porque nos falta o sentido das proporções - Gigantes ou anões...

17.5.06

- Pode ser a sombra de um fulgor!

Palavras afogueadas regressam quebradas de estupor Múrmuras ecoam prantos de dor Cansadas as palavras anoitecem à espera de um rumor - Pode ser a sombra de um fulgor!

15.5.06

Estaremos, de facto, a digitar?

Às nove horas, em Miraflores: a classe média, mansamente sentada, espera o momento redentor da análise... e eu, com a cabeça num tinteiro HP21, procuro-o numa rua, onde o lojista há muito desistiu de o vender.
Às 10 horas, no Colombo: encontro o desejado tinteiro, mas fico preso na caixa... uma expedita funcionária telefonava para um lugar aonde outro expedito funcionário deveria ter chegado.
Às 12:30, nos CTT de Torres Novas: 22 outras pessoas esperam pacientemente à minha frente, para pagar as contas da água, da luz e, sobretudo, para receber a pensão. Lentamente, olham para os relógios e para os rostos sombrios dos vizinhos, na expectativa de que falte alguém.
Às 13:30, nos CTT de Torres Novas: sou atendido.
Um acto simples: Para reencaminhar o correio, bastou preencher um impresso, no balcão ao lado, apresentar uma certidão de óbito de um obstinado mensageiro, mostrar uma procuração de..., ouvir a funcionária perguntar se não havia, de facto, alguém que passasse a levantar o correio porque «só os próprios é que poderiam reencaminhar o correio», refutar os argumentos aduzidos; fotocopiar numa secção interior os documentos carreados para um hipotético processo; digitar os dados que eu acabara de registar manualmente no impresso, passar um cheque de 67,20 € - nos CTT não há multibanco!-, esperar que simpaticamente a funcionária me devolvesse uma cópia do meu impresso e digitasse demoradamente um recibo... Sorrir de agradecimento e sair às 14:15 da estação dos CTT de Torres Novas...
Às 15:00, no Lar: Uns parecem não saber o que estão ali a fazer; outros não sabem explicar aquele braço inchado, aqueles dedos pisados... aconteceu de manhã, talvez às 9:00, num turno de que já não há memória... fico ali até às 16:00, à procura de palavras que me permitam uma aproximação a um tempo «felizmente bem diferente deste, onde não havia esta degradação». Infelizmente, não as encontro e saio, mais uma vez, a pensar que, ali, as palavras estão a mais...
Às 19:00, em casa: o tinteiro HP21 lembra-me que me falta reservar lugar em 2 companhias aérias que permitam a S. viajar entre o Porto e Budapeste, fazendo escala em 2 aeroportos londrinos, em cerca de 12 horas.
Em menos de 30 minutos, as reservas estavam feitas, digitando apenas...