15.10.06

Será que estou sozinho?

Encontro-me, hoje, numa posição assaz difícil: estou numa terra de ninguém - entre os que querem mudar tudo e os que não querem mudar nada.
Os primeiros decidem a mudança, mas não sabem como fazê-la e, por isso, insistem em avançar às cegas, independentemente das perdas; os segundos não querem mudar nada, pois a manutenção do estado das coisas há muito tempo que os favorece, independentemente de saberem que o abismo se avizinha.
Nos próximos dias, o conflito agudizar-se-á. A greve prevista irá certamente reforçar a convicção dos descontentes e, os governantes, por seu lado, manterão o rumo ancorados na confortável maioria...
O país ficará um pouco mais pobre porque a quem decide falta o saber e a ponderação e a quem protesta sobra a cegueira dos interesses...
E eu, aqui, forçado, no meio... Será que estou sozinho?
- Já não seria a primeira vez...

14.10.06

O que estamos sendo...

(A acumulação de cansaço torna-nos irascíveis, debilita-nos a concentração e pode, mesmo, paralisar-nos. É esse o estado actual da CARUMA que passou a ter dificuldade em caminhar... os movimentos respiratórios vão sendo cada vez mais irregulares... sente-se asfixiar.)
Habitualmente, perguntamos "O que é que te aconteceu?", mas esta pergunta não satisfaz, porque, de facto, raramente, nos acontece alguma coisa... O que estamos sendo é o resultado dum fluxo lento que nos empurra e asfixia, como se o ar fosse rareando...
E esse fluxo é o envelhecimento que, por vezes, chega inopinadamente, outras vezes nos sinaliza o inexorável... Resta saber se estamos suficientemente atentos.
Quanto à CARUMA... ruma, agora, mais atenta aos sinais não se deixando inebriar por essa prometida longevidade que parece ser a única responsável pela decadência dos povos.
Se Antero de Quental vivesse hoje, escreveria certamente sobre a longevidade, apontando-a como a causa fundamental da decadência dos povos peninsulares!

7.10.06

Sob uma pirâmide invertida...

Se os políticos fossem menos demagogos não estaríamos hoje soterrados sob uma pirâmide invertida. Se estes demagogos tivessem pensado menos nos seus interesses não teriam tido tanto empenho em defender o funcionário público, criando-lhe expectativas irrealistas. Agora que mais do que 40% dos funcionários se encontram nos dois últimos escalões, os novos zeladores da res publica decidiram alterar as regras, congelando a progressão nas carreiras, destruindo o statu quo..., enquanto que os decisores dos anos 80 e 90 ocupam impunemente as cadeiras de Belém, do Banco de Portugal, da CGD, do BES, do BCP, do BPI, da Assembleia da República, das últimas empresas públicas...
E, infelizmente, ainda ninguém percebeu que a pirâmide pode girar progressivamente sobre si própria, sem ser necessário sobrecarregar / punir mais os velhos, impedindo os mais novos de aceder à vida activa. Basta que por cada dois reformados se contrate um jovem. Esse jovem, ao entrar na função pública, irá preencher 2 horários, ganhando, no início de carreira, 50% do que ganhava apenas um dos reformados.
Por mais estranho que pareça, o país ficaria a ganhar com o rejuvenescimento dos funcionários, com a possibilidade dos jovens quadros encararem a vida com optimismo e segurança, aumentando, consequentemente, a natalidade...
Mas não, a Ministra da Educação, por exemplo, anda feliz porque conseguiu aquilo que ninguém conseguira depois do 25 de Abril de 1974: professores com mais de trinta anos ao serviço da juventude, inclusivé da dela, são obrigados a cumprir um horário superior àquele que lhes era distribuído no início de carreira. A Senhora ministra está a impedir o rejuvenescimento dos quadros docentes, quando o ensino mais precisa de um novo impulso. Está a prestar um mau serviço ao país.
E o Governo parece agora apostado na reciclagem da elite universitária gastando, nos próximos anos, mais de 100 milhões de euros, em vez de apostar na formação da base da pirâmide, uma base sólida, jovem, com iniciativa e produtiva.
Parece que o socialismo se converteu ao elitismo norte-americano, substituindo-se, paradoxalmente, à iniciativa privada. Ou talvez não!?
Afinal, a base da pirâmide vai ser entregue à iniciativa privada e não só! As universidades privadas e as universidades públicas (2ª categoria), os politécnicos (3ª categoria), as Escolas superiores de Educação ( 4ª categoria), vão licenciar centenas de milhares de portugueses de boa vontade, desde que tenham mais de 23 anos e vontade de pagar as propinas...
O futuro da pirâmide promete... só é pena que as dunas se movam tão lentamente!
PS: Não falei dos sindicatos. Mas eles não irão esquecer-se de se colocar rapidamente na linha de partida - seja no topo seja na base da pirâmide... lá, onde estiverem os interesses!

2.10.06

As estações do homem...

As estações do ano mais não são, para o homem, do que literatura. As estações do homem, como as dos restantes mamíferos, regem-se pela linearidade... E é a essa linearidade que escapa o pinheiro, mas já não a caruma...
A inevitabilidade do fluxo perturba e, por isso, sempre que podemos, fugimos para a estação da fantasia, único lugar onde o refluxo ainda é possível: preferimos o sonho à vida para não termos que enfrentar a morte - esse lugar inexorável onde a ténue linha termina.

1.10.06

No Outono, a caruma...

Avoluma-se sob o verde, a caruma. As agulhas despedem-se temporariamente das pinhas para lhes prepararem o leito da morte. E lá longe, já perto, ecoa o rugido do oceano... Nada disto é literatura... nada disto é Nhada, isto é, nada disto é renovação, renascimento, ressurreição... Quando mudamos de estação, quando mudamos de língua tudo se torna mais sombrio... Na literatura, não: podemos fingir, simular que voltamos, outros, atrás...
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26.9.06

Um diálogo absurdo?

( Um diálogo sem tom... ou talvez um pouco arrastado e monocórdico) - Minha Senhora, que horas são? - São três e um quarto? -Muito obrigado. (Pausa de 20 segundos) - Meu senhor, que horas são? - São três e 20. - Muito obrigado. (Para a primeira interlocutora) - No relógio daquele senhor são três e vinte! - Pois é!O meu relógio deve estar um pouco atrasado... - Pois é! Muito obrigado. (Pausa de três minutos) - Minha senhora, que horas são? - São três e 20. - Muito obrigado. Ah, mas no relógio daquele senhor são três e 25! - Pois é. Ainda não acertei o relógio! - É pena! Onde é que estamos? - Na paragem do aeroporto. - Muito obrigado. Há aqui um aeroporto? Pra quê? Vozes espontâneas: - E se fosse apanhar o avião!?
Há cada vez mais perguntas absurdas, perguntas que não procuram uma resposta. Perguntas que, apenas, servem para experimentar o outro - o amigo, o colega, o vizinho, o estranho, sobretudo o estranho ( o sociólogo dirá que a pergunta pode criar uma relação de vizinhança!)... Perguntas estranhas que servem para assegurar que o outro ainda nos vê ou nos ouve. E o outro, polido, lá vai respondendo monotonamente: - São 17:12 horas... Os outros, sem paciência, já há muito que deixaram de ouvir!
E se deixassemos, todos, de fazer perguntas?

24.9.06

Um sargento de Abrantes...

Lembrou-me agora que há 60 anos, em Abrantes, havia um sargento que gostava de castigar os soldados, obrigando-os a subir um monte com um almude de água às costas para, depois de o esvaziar, repetirem o movimento até à exaustão.
Digamos que, deste modo, o sargento colocava à prova a resistência de homens que, talvez, mais tarde, numa qualquer guerra, lhe ficassem eternamente gratos.
Os sargentos sempre gostaram de se imaginar no papel de Zeus ao condenar o mestre da malícia e dos truques - Sísifo - a rolar a grande pedra de mármore até ao cume da montanha, para depois Zeus a impelir impetuosamente para o vale, recomeçando Sísifo, indefinidamente, o movimento...
E por isso, as tarefas que envolvem esforços inúteis passaram a ser chamadas "trabalhos de Sísifo"...
Creio bem que, hoje, continuamos a ser instruídos por um sargento de Abrantes que, perante a anuência das praças, as condena eternamente aos trabalhos de Sísifo...
(...)