13.12.07

O reencontro...

Fundo sem registo, apenas memória indecifrável . No centro, o prof. Monge da Silva, entusiasmado, traça a história do andebol no Liceu Camões. Dirige-se aos pioneiros, protagonistas de um desafio impossível, apesar de, numerosas vezes, a modéstia e o triunfo os ter guindado à vitória. Pelo meio, a eterna falta de recursos e a astúcia do regime.

A saga de ontem parece a saga de hoje. Como é difícil imprimir, a cores ou a preto e branco, uma simples página de jornal? Parece que temos tudo, mas não. Se olharmos bem: estão lá os campos e também lá está o Auditório, sem esquecer os computadores, as redes, as impressores,  mas falta-lhes sempre alguma coisa...

A propaganda assegura-nos que nada disto é verdade: temos mais equipamentos, os recursos humanos são mais eficazes, a organização em curso porá fim ao tradicional miserabilismo... Entretanto, vou escutando as várias intervenções solidárias e, por vezes, um pouco àsperas: há a saudade dos que partiram e a fraternidade dos presentes; há a presença inesperada daquele antigo professor, austero e dicisplinador que interpelo, na fútil esperança de que uma centelha nos ilumine. Mas como?

É mais fácil lembrar os espaços, falar de outras presenças. Podemos atravessar o ginásio encerado, rever os aparelhos, sentir o peso insuportável dos corpos, esbarrar nos obstáculos, elogiar a disciplina e a integridade de outros tempos, tolerar a arbitrariedade e a frieza das vozes, pois, a esta distância, tudo ganha sentido - afinal, por detrás daquelas muralhas fernandinas habitavam a austeridade, a frieza e a visão jesuítica. Só que naquele tempo não o sabíamos... E, hoje, ouvi erguer-se o remorso, o medo do castigo eterno... no fundo do ginásio ecoam sons de uma ordem defunta...

Felizmente, esta experiência é só minha..., hoje, tudo  se passou na Biblioteca  e não no Ginásio! E eu próprio me senti um pioneiro porque, afinal, também eu fui iniciado no andebol, desporto que eu imaginava muito mais antigo que, de facto, era. No entanto, a mim faltam-me os companheiros...

9.12.07

Aromas

A flor do eucalipto abre-se sobre a cabeça de S.Torpes, libertando um aroma salutar. No solo, os cogumelos disfarçam a sua presença, eclodindo em pétalas de malmequer prontas a envenenar enormes baratas incautas que lentamente procuram fontes e cloacas.
 As abelhas e as moscas, sobreviventes de Dezembro, não desdenham a esponja do peixe-espada.
Indiferente à mentira, à vaidade e à ostentação instaladas no chiquíssimo Parque das Nações, eu fixo o olhar no que me cerca e tudo são sequelas líticas do passado e também do futuro: da areia, despontam rochas oceânicas que me desassossegam, incapaz de com elas dialogar, de lhes narrar o tempo da sobreposição violenta - vulcânica.
Apesar disso, compreendo que houve um tempo em que os maciços de Sintra, de Sines e de Monchique se perfilavam, alinhados e altaneiros, sobre o Oceano, mas continuo sem saber se, nesses tempos, a flor do eucalipto e a pétala do cogumelo já cumpriam o seu desígnio... e subitamente, sinto que, talvez, o tempo não existisse, porque ele não será mais do que a medida da mentira, da vaidade e da ostentação humanas.
Antes que o corpo se separe da cabeça, vou fugir de S. Torpes e evitar Saint Tropez. No entanto, antes que parta devo aqui registar o gato preto que, furtivo, se atravessou três vezes no meu caminho, neste fim de semana.
E ainda me falta responder a uma intrigante pergunta sobre o que tenho lido nos últimos tempos. É que há quem se queixe que, apesar de me conhecer há algum tempo, sabe muito pouco sobre caruma, como se esta tivesse tempo para ler.




















29.11.07

Amanhã...

 

Há greve da função pública...

Mais uma vez, estarei do lado dos conformistas ou, se epicurista, do lado dos indiferentes... Se não é verdade, parece.

No entanto, esta semana, organizei uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra, em que a maioria dos alunos participou de forma empenhada, apesar de alguns terem primado pelo desrespeito quer dos colegas quer dos guias da visita - ostentam um ar trocista de aborrecimento e, ao mesmo tempo, de superioridade; não sentem qualquer pejo em cortar a palavra ou em chegar atrasados...

Amanhã, esses alunos esperam que os professores façam greve...

Um autocarro ficou sem embraiagem. Sem ruído, encostou à berma da autoestrada e a autoridade verificou zelozamente os documentos da viatura, que 30 minutos mais tarde é substituída e tudo volta ao normal. Entretanto, compreendi que o veículo já partira da sede da empresa "com problemas"...

Amanhã, os mesmos veículos continuarão a circular...

Afónico, desde 2ª feira, insisti em cumprir todas as minhas actividades lectivas e não lectivas... o que não impediu que certos alunos se estivessem nas tintas para a dificuldade em que o professor se encontrava.

E amanhã, esses mesmos alunos perguntarão se o professor faz greve...

Um pouco por toda a parte, encontramos quem não queira colaborar, quem não queira partilhar informação, quem esconda o jogo. E é pena, porque ao lado, há quem esteja disponível para colaborar na construção de uma sociedade mais esclarecida...

Amanhã, essa disponibilidade mantém-se, apesar dos olhares reprovadores, das palavras travessas...

Amanhã, serei menos (ou serei mais?) funcionário público...

21.11.07

A manha alastra...

Se ainda ouvissemos os poderosos, compreenderíamos que eles nos enganam de forma despudorada: Asnar, Blair, Bush, Barroso foram enganados por serviços de informação que eles próprios tutelavam. A seu tempo, cada um procura branquear o passado, fazendo-nos acreditar que o destino os escolhera para uma missão civilizadora, à data, incompreensível para o comum dos mortais. Vêem-se, a si próprios, como eleitos, como redentores da humanidade.

Se descessemos um ou dois degraus do Olimpo, veríamos como os Putins, os Fidéis e os Chavez troçam de ricos e pobres, em nome de plebes amorfas, prontas a adular "cabos de guerra" que prometem esplendorosos paraísos artificiais. Apostam no veneno, no chiste e na chantagem para se eternizarem no poder. E nós achamo-los encantadores, paramos para os ouvir como se as suas palavras nos redimissem das nossas humilhações quotidianas.

Ao abandonarmos o Olimpo, mergulhamos na terra dos Sarkosy e dos Sócrates que, dia-a-dia, nos prometem um futuro radioso, se os deixarmos emagrecer o Estado, se os deixarmos programar-nos numa língua de interesses privados transnacionais, que, em nome do pragmatismo, amontoam cadáveres um pouco por toda a parte. E nós aplaudimos-lhes a altivez, a convicção e o espírito de missão encenado nos bastidores dos média...

Se descessemos ao relvado, veríamos um povo prisioneiro dos gestos manipuladores de um seleccionador, das fintas gratuitas de malabaristas da bola, dos sorrisos dúbios e manhosos dos fiteiros do costume, prontos a enganar o árbitro, com o aplauso histérico de turbas para quem a verdade desportiva, ou outra, nada interessa. Quando o jogo se aproxima do fim, a farsa alastra às bancadas, senta-se nas poltronas... e deixa-nos com a sensação de dever cumprido e, nesse momento, a manha dos Bush, dos Chavez, dos Sócrates e dos Scolaris sai vitoriosa...

Todos eles fizeram o melhor que sabem, em nome de um interesse superior, aliás, como nós que os acompanhamos...

Lembrei-me,agora, dos "compagnons de route", sem ofensa para a inocência...

18.11.07

Confluências

O lugar onde o Tejo e o Zêzere tinham o hábito de confluir. Agora, estão dependentes das comportas... apesar das divergências, em Constância, fluem Camões, Vasco Lima Couto, Alexandre O'Neil, Baptista Bastos... e quantos mais?










16.11.07

Às horas cor de silêncios e angústias…

 

Para Fernando Pessoa, o tempo tinha cor, mas a paleta era apertada, feita de verde, cinzento, por vezes, azul e quase sempre preto. Por detrás dos óculos, erguia-se um fundo branco envolto em preto, e nas lentes, lentas partiam as naus nocturnas. Não se sabia se regressavam ao cais, mas se o faziam, as naus apodreciam para lá do silêncio do horizonte, num poente de cinzas. Ele queria que acreditássemos que naquelas cinzas ainda soprava a chama. No entanto, sabia bem que o fogo (a alma) quando se extingue se esconde debaixo da pedra, à espera que o vento se levante e se incendeie em notas quebradas…, novas vozes feitas naus que partiram um dia do Cais Absoluto – ideia feita da angústia de quem não aceita que a vida passe e não passe…

Para Fernando Pessoa, as palavras tinham a cor da música que ele não sabia bem se ouvira e no não saber estava toda a angústia que separava a partida da chegada, e na noite do Cais divino soprava uma vaga e doce aragem.

(Em homenagem a todos aqueles alunos que nesta noite, entre sonhos de sargaços, procuram compreender como é que se podia cantar naquele navio encalhado num cais de perdição...)           

11.11.07

A Casa-Museu

A Casa-museu existe um pouco por toda a parte. Escondida, envergonhada, de tempos a tempos, lá recebe um visitante, também, ele tímido e um pouco assustado.

A Casa-museu oferece a privacidade do seu antigo proprietário, quase sempre, ridícula e acanhada. Espera-se que o homem ou a mulher se tenham conseguido erguer daquelas quatro paredes e tenham deixado obra, lá longe, na capital, no estrangeiro, no mundo.

Por exemplo, o Alexandre Herculano de Vale de Lobos (Santarém), surge de pés-de-fora, tal é a pequenez da cama. Visto daquele lugar não ombreia, de modo nenhum, com o Herculano que jaz nos Jerónimos. Mas, mesmo lá, a centralidade, é fugaz ao olhar, quase sempre atraído para um qualquer evento musical. Pelo menos, sempre vai ouvindo música. Na casa-museu, talvez oiça os pássaros!

Ora, Salazar, tendo em conta a dimensão do homem, também merece a sua casa-museu, em Santa Comba Dão. Não irá incomodar ninguém e sempre deixará feliz algum turista ou algum nostálgico que por ali passe. A memória do homem deve ser preservada, até para que não se repita.

Desta vez, tenho de concordar com o Vasco Pulido Valente, apesar de eu saber que ele detesta o cheiro a caruma. Detesta tudo o que cheire a campo. O que faria ele, se o desterrassem para a província? É por isso que ele concorda que Salazar seja banido para Santa Comba.