28.9.11

As flores do Poeta…

Um poeta tradutor, se por um lado corre o risco de matar a criação, por outro arrisca tudo ao ocupar o lugar do feiticeiro que antecipa as chuvas que fazem a glória do rei.

Este tradutor é modesto, pois não se pensa singular, e, ao mesmo tempo, não abdica de dar voz (asas) a uma realidade de pés descalços, seca, sem hino e sem bandeira, mas que, no antigamente, transformava cada semente em flor. Tudo como se o presente tivesse perdido o rumo ao deixar-se formatar por estranhos lugares-comuns.

E quem poderá traduzir essa vontade de regresso ao tempo solidário?

Na verdade, só a semente / oferece flores, mas, para que isso aconteça, o chão (o poeta) terá de ser permeável às chuvas.

Ser ponte, voltar atrás, parece ser o caminho escolhido pelo “palavrador” Mia Couto, em Tradutor de Chuvas,  pois a verdade reside num tempo definitivamente perdido, a não ser que as chuvas façam germinar as sementes…

O papel / antes do poema, / é um chão depois da chuva. // O idioma do grão / lavra a caligrafia do pão.//

Em conclusão, apesar de nem todos os poemas serem flores, fica-nos a lição da semente…, embora haja quem nela tenha visto uma prova de machismo, que, creio, precipitado!  

25.9.11

À sombra…

Barro, plástico, cobre, latão, vime, flores, farturas, bifanas…tudo a pataco (euro) e à sombra da Ordem franciscana! (As gentes chegam mais tarde para o encerramento espiritual da Feira da Luz.) Por mim, faltam as peras cozidas. A dizer a verdade, já devo estar a pensar na Feira das Mercês…

E ainda há quem pense que Portugal não tem futuro!

24.9.11

Tempo malbaratado…

I - Para quem estuda na Escola Secundária de Camões, a leitura de Domingo de Lázaro deveria ser obrigatória. Aquilino Ribeiro retrata, de forma sarcástica, a vacuidade das opções ideológicas dos docentes do Liceu  durante o 1º conflito mundial. Por outro lado, mostra com crueza o comportamento indisciplinado de alunos que desprezam o trabalho…Finalmente, descreve o irrealismo e a fatuidade docentes, para além de deixar um olhar impiedoso  sobre a família portuguesa, sobretudo, rural.

II – Acabo de reler, em Estrada de Santiago, a novela A Grande Dona que introduz uma reflexão sobre a incapacidade do homem aceitar a sua condição, seja ela de pobreza ou de efemeridade. O filho do moleiro do Gorgulhão, afilhado da Morte, vai ao ponto de litigar com Ela para adiar o seu destino… À terceira refrega, o afilhado afunda-se irremediavelmente no pélago sem fundo… ( o outro lado do céu).

A demanda do padrinho rico é uma narrativa cheia de surpresas no que revela da capacidade argumentativa e indagadora de Aquilino. Nem Deus nem o Diabo servem como padrinhos! Os argumentos seriam mais tarde (?) partilhados por Miguel Torga. Só a Grande Dona!: «Alta, delgada como círio, de órbitas cavas e dentes alvíssimos, a cabeça toda uma mancha de calcário, a intrusa vestia um capindó da corte triste do luar.»

Os textos de Aquilino são verdadeiras lições de história, geografia, política, antropologia, religião, mitologia e costumes… mas o que me seduz é o vastíssimo conhecimento da língua, testemunho de um tempo que se perde a cada dia que passa.

Com a morte da língua portuguesa, morremos todos!

23.9.11

No lugar do céu…

O que eu vi,/ à nascença, foi o céu.” Mia Couto, Tradutor de chuvas, 2011

Só um poeta poderia afirmar tal coisa. Eu, que nunca fui poeta, não me lembro de quando é que vi o céu pela primeira vez, embora desconfie que, quando atentei na palavra “céu”, deva ter pensado que ela seria demasiado pequena para o que escondia. No meu frágil entendimento, “firmamento” representava melhor a abóboda que me cobria…

Por outro lado, à nascença, mais do que sujeito terei sido objecto. Fui  visto, e não sei com que olhos! Pressinto que o que de mim era esperado não seria muito diferente do destino dos homens daquele dia…

E ainda agora me parece que o céu é demasiado estreito e, no entanto, sinto que o firmamento substituiu melhor o ventre que durante algum tempo me acolheu.

Por isso, sempre que posso, olho o firmamento na esperança de adiar as contas com o céu.  

21.9.11

A responsabilidade

Irrita-me o comportamento de quem, na atual situação de descalabro, faz de conta que o problema é dos outros…

A saída da crise obriga a que cada um assuma as suas responsabilidades sem tergiversações.

As decisões unilaterais podem ser simpáticas a curto prazo, mas a médio prazo revelam-se ruinosas.

Os adiamentos têm custos irrecuperáveis!

( Os exemplos são cada vez mais inúteis!)

18.9.11

O acordo ortográfico de 1990

Quem é que beneficia com o acordo?

Num país deprimido, ganho o humor. Basta pensar na hipótese de  o acordo ter sido feito com os pés – acordo ortopédico!!! Os humoristas portugueses têm matéria até à próxima revisão se, entretanto, a nação não tiver sido extinta.

Num país ecológico, ganha a floresta. Sempre que o felino informático (Lince) converter um documento menos árvores serão abatidas.

Num país poupadinho, ganham a cultura e a língua. As universidades estrangeiras que queiram ensinar a língua portuguesa, deixarão de ter duplicação de professores, dicionários, manuais, gramáticas…Portugal pode deixar a tarefa aos brasileiros, angolanos. Por sua vez, os milhares de professores desempregados podem aventurar-se nas margens do atlântico sul e até do índico…

No país de abril, de cepa anglo-saxónica, que, a cada passo, diaboliza os gregos, os linguistas, obrigados a explicar o ‘factor etimológico” irão, finalmente, redescobrir o latim, o grego e até o árabe, se não tiverem morrido afogados no caldeirão da ambiguidade ou sugados pelos humoristas.

17.9.11

Eu desbasto…

 O pessimismo de nada serve! O melhor é deixar que a onda se desfaça e desbastar a realidade, se tomada no sentido etimológico, e, logo, tudo será mais límpido, apesar dos carrapatos…

Hoje, descobri um ninho vazio, situado a menos de um metro de altura, e que terá cumprido a sua função, porque, se o homem se afasta, a avezinha do céu deixa de ter inimigos em terra…

E foi o bastante para desbastar três ou quatro pereiras já que não me é permitido desbastar os jardins que nos sufocam.