25.12.12

José Matias, na rua de São Bento

De relance, na rua de São Bento, às 0h30 do dia de Natal, sobre o passeio da direita, cambaleia uma figura esguia. Parece que vai cair, mas, a custo, contorce-se e vai ficando para trás, sem que eu possa distinguir se é homem ou mulher, se o desequilíbrio é apenas uma questão de bebedeira redentora... 

Não é esse o caso de José Matias que, durante três anos, noite fechada, se esconde num portal donde pode avistar a sua divina Elisa no 214 da rua de São Bento, e colar-se diurnamente ao amante, o apontador de Obras Públicas, para se assegurar fidelidade deste à sua esposa celestial.
O José Matias ama espiritualmente e, mesmo sabendo-se correspondido pela bela Elisa, foge dela, do corpo dela, como o Diabo da Cruz. E esse é o mistério que Eça de Queiroz oferece ao leitor guloso de paixões carnais e fatais.
Curiosamente, o narrador entrelaça a história de José Matias e de Elisa com referências a estudos maçadores de filosofia e de psicologia, sem qualquer alusão à religião.  
Ou porque José Matias sofreria de impotência - não há uma palavra que o explicite - ou porque Eça tivesse decidido testar a primazia da amizade sobre o amor  - Platão - ou, finalmente, porque este José Matias não é mais do que um clone do carpinteiro que toda a vida serviu desinteressadamente Maria, a verdade é que esta história não parece encaixar no espírito de Natal...

Lido o conto José Matias, estou agora convencido que a figura esguia que subia a rua de São Bento era nem mais nem menos que a divina Elisa que continua à procura do seu amante espiritual, há muito enterrado no Cemitério dos Prazeres...

24.12.12

Queirólogos e não só...

«Queirólogos» de serviço: José Hermano Saraiva; António Valdemar; Agustina Bessa-Luís; João Gaspar Simões, José Régio, Maria Filomena Mónica - todos eles se servem de Eça de Queiroz, revelando poucos escrúpulos e bastante ignorância, para não dizer má-vontade. A argumentação é inócua e, por vezes, ao sabor da época e reveladora de traumas pessoais...
Tudo isto é dito pelo bisneto, António Eça de Queiroz, na obra Eça de Queiroz e os seus Clones, Guerra e Paz, 2006.
António Eça de Queiroz procura rebater os argumentos dos detratores do ilustre escritor, no que respeita ao seu nascimento, às relações familiares, às imaginadas taras e, até, à suposta falta de originalidade.
Mesmo que, em alguns casos, o objetivo não fosse diminuir a grandeza de Eça, o facto é que o biografismo e a psícocrítica são métodos redutores.
Por outro lado, o bisneto, António Eça de Queiroz, também, se insurge contra as várias adaptações "mexicanas" a que a obra tem sido submetida, pois o critério principal é satisfazer as taras do público e enriquecer à conta do nome de Eça. 
Uma leitura descomprometida desta obra ajuda a compreender um pouco melhor a "verdadeira " biografia de Eça, designadamente a partir do capítulo V - Uma trisavó tremenda. Tal como ajuda a compreender a atmosférica política, diplomática e cultural de boa parte do século XIX...
Eça de Queiroz e os seus Clones é uma obra que os jovens estudantes, condenados a ler OS MAIAS, deveriam ler:
« Ora o Eça do programa - e o mesmo se passará com muitos autores - encontra-se desde tempos quase imemoriais preso a OS MAIAS, como um velho brigue atascado no lodo duma qualquer baía de mares desconhecidos.»

22.12.12

A dívida é deles e nós é que pagamos!

A dívida é deles e nós é que pagamos!

Primeiro: Sócrates deu cobertura aos interesses cavaquistas ao nacionalizar o banco português de negócios e, simultaneamente, os seus amigos ocuparam o bcp e a cgd...
Segundo: Coelho destituiu Sócrates para salvar o bloco central de interesses, atirando a responsabilidade para cima das funções sociais do estado, dos funcionários públicos e dos aposentados...
Terceiro: Seguro, será ele capaz de pôr de lado o bloco central de interesses?
Entretanto, os responsáveis pelo descalabro das finanças e da economia continuam em liberdade dourada. 
Até quando?
A dívida é do bloco central de interesses, nós calamos... e continuamos a celebrar o Natal!

21.12.12

A notícia não dá conta...

A notícia não dá conta do que Passos Coelho esteve a fazer durante duas horas na "Universidade Sénior" da Portela, às portas de Lisboa.
As televisões, rádios e jornais noticiam a decisão do ilustre visitante de percorrer vinte metros a pé e de saudar a vintena de manifestantes que o insultavam. 
Cercado de seguranças, o primeiro-ministro seleccionou um manifestante e desejou-lhe "Bom Natal", pedindo-lhe que transmitisse o seu voto aos ruidosos correlegionários. Por seu turno, o interpelado aproveitou para solicitar "melhores políticas".
Pobre jornalismo!

( Para a polícia foi um dia de treino: chegou cedo; barrou o estacionamento; posicionou-se no terreno;  as forças de intervenção circularam discretamente. Eram mais os agentes do que os manifestantes!) 



20.12.12

Com tanta gente sensível...

Com tanta gente sensível, é estranho que ainda se continue à espera do fim de mundo! Basta abrir os olhos e os ouvidos para ver e ouvir o galopar da miséria. 
Os passeios cobrem-se de restos pestilentos e as mãos vasculham os sobejos de derradeiros banquetes dos corvos que não os de São Vicente.
O fim do mundo não se anuncia, não precisa nem de calendário nem de profeta! 
Ele chega simplesmente na fábrica que encerra, no negócio que falece, na prece muda de quem anoitece... 

19.12.12

Alheado

De manhã, pareceu-me que havia vida para além da minha rua, que o pensamento existia fora de mim e que este se revelava na cor e no movimento de gulosos cisnes brancos. A certa altura, desconfiei do meu pensamento e apeteceu-me dizer que os cisnes daquele lago só lá estavam porque eu os estaria a ver. Pobres cisnes, ficavam à mercê do meu olhar!
À tarde, fiquei absorto no homem que falava 29 idiomas e vários dialectos, que foi pioneiro dos estudos etnológicos e ainda teve tempo para se converter a vários credos, e fazê-lo tão completamente que entrou e saiu de Meca sem perder a vida, e pelo caminho subiu o Rio São Francisco e chegou ao lago Tanganica, sempre no meio de escândalos e de violentas inimizades - um homem que traduziu o mundo, do Kama Sutra  às Mil e Uma Noites e conquistou o ouro necessário à metamorfose de uma vida. Um homem que confrontou o puritanismo do seu tempo - Richard Francis Burton (1821-1890).
E à noite, cheguei a pensar em  responder a vários pavões que ocuparam o Largo fronteiro, mas para quê? 

Confluência

"A Casa Secreta" de José Eduardo Agualusa. Em Janeiro, irei privilegiar a leitura desta pequena "estória", escrita sob influência de Os Lusíadas, Canto II.
(O texto será distribuído na primeira aula de Janeiro.)
Entretanto, para quem goste de pesquisar e de ler, recomendo pequenas viagens ao universo não só de de José Eduardo Agualusa mas também de Richard Francis Burton (1821-1890).