14.5.14

A fatuidade

"Chamam-te a bela imperatriz das fátuas / A déspota, a fatal, o figurino. " Cesário Verde, A Vaidosa


Estamos num tempo de fatuidade. A notícia vive um instante e morre por mais que a repitam.
Houve tempo em que a beleza, porque efémera, só podia ser vista à luz de um Ideal. Por outro lado, ainda não há muito tempo, a beleza podia não ser fátua, se interior. A beleza interior inspirava e compensava-nos da eventual fealdade exterior. Neste caso, a fealdade era um produto da imaginação, porque particular...
Em Cesário Verde, é a distância que cria a fronteira social e económica que corrói o modelo de beleza "Dizem que tu és pura como um lírio (...) e que eu passo por aí por favorito
Logo que a beleza cai na boca do vulgo, ela torna-se chiste, frustrando qualquer tipo de aproximação do "eu", obrigando-o a ocultar o que nele havia de sedutor-seduzido...
Tudo é distância! Ela é imperatriz, é déspota, fatal, loura, granítica, frígida... vaidosa, mortífera. Ela é romântica, importada do Norte, protestante...E ele, aos 19 anos, não querendo ser confundido com o vulgo burgesso e maledicente, refugia-se na vingança e no cinzel...e vai escangalhando, poema a poema, a catedral romântica e ficando só...

( Este é o resultado da falta de comparência de quem, presumido, prefere a fatuidade...De qualquer modo, ainda não desisti... )

13.5.14

Saber relacionar Fernando Pessoa com Eça de Queirós

Há quem procure a génese do heterónimo Ricardo Reis na formação helénica e latina de Pessoa numa austral, distante e isolada Durban.  Há quem veja no sobressalto provocado pela Guerra, a rejeição de uma vida que inevitavelmente conduziria ao sacrifício e à morte de milhares de seres humanos, e consequentemente este heterónimo viria dar expressão a uma filosofia de vida, simultaneamente estóica e epicurista, no essencial anti-belicista de raiz humanista. Afinal, o Velho do Restelo camoniano bem poderia ser apresentado como "pai" de Ricardo Reis...
Hoje, considerando todos aqueles alunos e professores que andam às voltas com as leituras obrigatórias para o exame de Português do 12º Ano, proponho simplesmente que olhem de perto para a "teoria da vida" atribuída por Eça de Queirós a Carlos da Maia. A teoria «que ele deduzira da experiência e agora o governava:
Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada que se chama o Eu ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no Infinito Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades. 

De regresso à Europa, Fernando Pessoa devorou e assimilou o que de mais essencial havia na literatura portuguesa... Nem Eça terá escapado!
Experimentem, agora, ler Ricardo Reis e digam-me se é absolutamente necessário ler Horácio ou Ecclesiastes para recomendar que todas as horas devem ser plácidas...

Houve tempo em que também eu fui professor de Didática, reconhecendo o papel da erudição... De qualquer modo esta não basta. É preciso saber relacionar não só o que está longe como o que está perto. Para Fernando Pessoa, Eça de Queirós era uma fonte inesgotável... É só lê-los!

12.5.14

Falho de humor...

Todos os dias me fazem perguntas a que me vejo obrigado a responder com humor. Quando me perguntam "o que devo fazer para subir a nota", primeiro paro, depois suspendo a respiração e finalmente respondo relembrando uma atividade que já deveria estar concluída. Por exemplo, ter lido "O Frei Luís de Sousa", o "Memorial do Convento", alguns poemas de Fernando Pessoa, independentemente do sentido de humor ou do sentido lúdico do Poeta... 
E o meu humor está na lentidão, no cansaço e no tom com que refiro os autores e os títulos, sabendo que ao meu interlocutor não lhe passa pela cabeça que ler a obra, ter uma ideia sobre ela, escrever um apontamento de rejubilo ou de enfado, são as condições exigíveis para que a nota possa subir...
Hoje, o meu sentido de humor caiu no ridículo, virou graçola. Respondi com toda a naturalidade  para que a nota suba, suba a um plátano e olhe à sua volta.
No essencial, o humor só surge quando o desaforo se torna inexplicável e não podemos sair do campo da linguagem. É nesse território que nasce o contraste, a ironia, a hipérbole, a caricatura, o chiste, o espírito. E esse território é o contexto em que me movo, em que o autor se move, em que o leitor se poderá mover... Só que as zonas de interseção são cada vez menores...
À escola compete alargar essas zonas de confluência, sem que seja necessário que haja sobreposição absoluta. Quando tal acontece, a liberdade criativa morre!
Hoje, todavia, a escola deixou de cumprir esse desígnio; a família não exige que tal desiderato seja cumprido; as metas do ministério da educação são tão primárias que as zonas de interseção passaram a dar lugar à violência... 
Infelizmente, estou a perder o sentido de humor e a cair na piada ou na graçola. Ou, então, a fazer prova de mordacidade chistosa...
De regresso à leitura, recordo que já Cesário Verde, aos 20 anos de idade, em 1875, teve necessidade de exprimir humoristicamente o seu deslumbrado desprezo pela nórdica, metálica e decadente flor baudelairiana: «gélida mulher bizarramente estranha / (...) ó grande flor do Norte! / O sossegado espectro angélico da Morte!...
Temendo as balzaquianas meridionais, Cesário Verde, em versos alexandrinos, vira a sua atenção provinciana para a "milady do Norte":
Balzac é meu rival, minha senhora inglesa! / Eu quero-a porque odeio as carnações redondas; / Mas ele eternizou-lhe a singular beleza / E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas./

Se ao menos os meus interlocutores não me fizessem perguntas tão rasteiras! Se ao menos os meus interlocutores não quisessem ter uma excelente nota sem se dar ao trabalho de ler, de ter uma ideia, de escrever um apontamento!
Se ao menos os meus interlocutores soubessem relacionar! Se ao menos os meus interlocutores se dessem ao trabalho de procurar, de saber o que significa, de criar pontes! Talvez um dia as soubessem construir e nesse momento entenderiam que, por vezes, é necessário subir a um plátano e olhar à volta, sem cair...
                   ou até caindo...


11.5.14

O encanto da Fonte da Telha


Hoje, fui à Fonte da Telha. Lá verifiquei que levam muito a sério a recomendação do Ministério do Ambiente.

Nada mudou nas últimas décadas:  o pó, o lixo, os cães, os quintalejos, as construções clandestinas, tudo misturado com bares e restaurantes prontos a servir uma clientela mais fina… e a areia, muita areia para os pobrezinhos….



Como ainda há sol e praia, o melhor é deixar que cada um viva ao seu ritmo. Por mim, prefiro o azul filtrado pela palmeira (reminiscência infantil!) e a encosta verdejante, sob a ameaça da escarpa…

Sempre gostei de escarpas e de falésias! Elas, pelo menos, protegem-me das areias tórridas do deserto…

10.5.14

A europa barbuda

( Anda por aí uma conchita, neutra, mas com barba... austríaca. Pobre Freud! Será que chegaremos a 25 de Maio? E para quê?)

Digressão pessoal
Desde que a penugem me começou a atormentar que a deixei seguir o seu caminho. Várias foram as vezes que tentei ver-me livre dela, mas as infeções aconselharam-me a desistir de a domar. 
Não sendo oficialmente árabe nem judeu, não encontrava na família qualquer barbudo que pudesse imitar. Chegado, em 1979, ao quartel das Caldas da Rainha, ainda temi que o regimento me impusesse o corte diário. Mas não! Tiraram-me a habitual foto de cadastrado sem qualquer interdito. Depois, promovido a tradutor, nenhum general se preocupou com a minha apresentação...
Talvez por isso me tenham colocado no Centro de Transmissões, em Murfacém, localidade da freguesia da Trafaria, onde ainda haverá vestígios da presença muçulmana, designadamente cisternas... Lá traduzi, durante 12 meses, o que havia a traduzir, das 18 às 24 horas, e sobretudo, em suporte "stencil", editei um jornal diário com a transcrição da informação recolhida, via rádio, telex, escuta....Chamava-se "perbol" o dito boletim... Ou será truncagem?
Os destinatários eram distintos, mas nunca obtive feedback... Se calhar tudo não passou de uma cabala!
Prometo que ainda hei de regressar a Murfacém e lá procurarei uma cisterna árabe que, provavelmente, guardará todo o meu amor à pátria... Só espero não encontrar a conchita austríaca!

9.5.14

Sinto-me cada vez mais longe

O plano é inclinado, sinto-me cada vez mais longe. Podia dar liberdade ao corpo, deixá-lo ir, mas vejo-o tropeçar, despenhar-se na escadaria… O cérebro já não controla os olhos – difusos, vagueiam desorientados – as mãos deixam de ser tenazes e as pernas parecem de borracha…

Paro no meio da ruela, ofegante, e penso “quem é que me trouxe até aqui”. Já não estou em mim, não por capricho, mas porque apenas oiço um vozear interminável…
Há quem pense que lhe faço falta, mas tal mais não é do que um sobressalto amigo.

O problema é que cheguei a um ponto em que nem à quietude posso aspirar… talvez ainda pudesse inquietar. Mas quem?  E para quê?

Na rua nem folhas há! Varreram-nas não fosse eu escorregar…

Lá ao fundo mais não fazem do que atrasar-me a corrida!

8.5.14

Deve ser do mês de maio...

Canta Aires Rosado: Por mayo era por maio. (Vicente)

Anda tudo num corrupio
anda tudo numa roda vida. 
A troika está de partida
o Pinto da Costa de saída! 
Rosado não vê o IVA subir
diz que o  IRS já está a cair.

Já não há programa
já não há cautelar!
Já não há nada que roubar...

Só nos resta naufragar!