26.9.14

O interlocutor

Já não encontro ninguém que reconheça que de determinado assunto nada sabe. Desconheço se o estado do conhecimento atual deve ser considerado como sincrético…

Em cada ação verbal pressinto que o interlocutor detesta que lhe seja atribuído esse estatuto. O interlocutor moderno finge que ouve e acredita mais no que vê… os restantes sentidos, entretanto, vão definhando se algum dia desabrocharam…

O  interlocutor não dá tempo ao locutor. Rasura-o e cavalga-o despudoradamente, mesmo que para isso tenha de desconversar, de mentir, de amalgamar. O  interlocutor galopa numa estrada de ambiguidade e de ambivalência…

O interlocutor desconhece o silêncio e o deserto e o abismo…

O interlocutor, apavorado, despreza o nada.

O  interlocutor não descansa enquanto não mata o locutor. Não aquele que há em mim, mas o que há em si! O interlocutor é um génio e eu sou o NADA.

25.9.14

Dos que mentem e furtam com unhas políticas

« A primeira máxima de toda a Política do mundo é que todos os seus preceitos se encerram em dois: o bom para mim e o mau para vós.» Anónimo do séc. XVII, Arte de Furtar.

No dicionário da política portuguesa, os termos "mentira" e "furto" ocupam lugar de relevo. Não há dia em que não sejamos confrontados com uma nova mentira ou um novo furto, com a particularidade dos protagonistas já não se satisfazerem só com o furto ou só com a mentira...
Será necessário nomeá-los?
(...) 
Há por aí uns tantos comentadores bajuladores, preocupados com a governação da res publica, que, confrontados com a venialidade dos seus mentores, acabam de descobrir que, neste país, para ser político é necessário ser santo.
Ao ouvir pensamento tão beato, não pude deixar de associar duas ideias: a) Só chega a santo quem faz carreira como pecador; b) nos últimos dias, os governantes têm vindo a reconhecer os seus pecados, pedindo desculpa aos fiéis e, até, aos infiéis...

Afinal, não há motivo para desesperar: os pecadores já estão a subir ao Céu. Só que o Céu deles fica, cá, na Terra. 
/MCG

24.9.14

À conversa com um aluno

Professor,
Li hoje no seu 'Blog' o texto: «Sou contra os TPC por princípio.»
E agora, sendo contra os TPC não por princípio, mas por meio e fim, fiquei também contra a ideia do professor (que não entendi bem se o professor a defendia realmente ou estava apenas a ser irónico...).
Não vejo qualquer problema em que os alunos peçam ajuda aos professores e que se aproximem deles para tirar dúvidas, acredito até no benefício que um tempo dedicado apenas a essa tarefa, conhecido como "Apoio", possa trazer. Mas será no fundo esse o problema? Vamos agora aumentar a carga horária de forma a que todos os alunos façam aquilo que não fizeram nas aulas?
Parece-me que é uma decisão pouco considerada...
A meu ver, existem dois tipos principais de alunos que não "progredirão ao ritmo exigido", aqueles a quem não lhes interessa progredir, aos quais eu chamo 'desinteressados' (e com os quais vejo demasiada gente não se "ralando") e aqueles que até são interessados, mas não conseguem progredir (sabe Deus porquê, julgo eu).
Estes últimos parecem-me aqueles para quem o "Apoio" deveria ser a solução.
Mas sendo franco, parece-me que qualquer um com ou sem dificuldades, pode procurar informação, interessar-se por ela, desenvolvê-la e evoluir com isso.
Os trabalhos de casa não deveriam ser uma obrigação, mas sim um interesse do aluno; parece-me que a ideia do trabalho de casa ser obrigatório e verificado é perigosa. Inverte-nos as ideias, deixa de ser uma tarefa para o aluno e passa a ser uma tarefa do professor.
Com a habitual exaltação,
Manerix Ventus

Poucos são os alunos que têm a coragem de abordar questões que são decisivas para a vida familiar e, sobretudo, para a consolidação da aprendizagem realizada na sala de aula. Manerix Ventus é uma exceção: fá-lo sem tibiezas.
Compreendo que possa surgir o temor de que o tempo vivido na escola pudesse aumentar, caso os TPC fossem realizados na Escola e não em Casa. Esta decisão, a ser tomada, exige uma clarificação da matriz curricular de cada ciclo de estudos e, consequentemente, do tempo necessário à sua aplicação.
Por outro lado, as tarefas de consolidação das aprendizagens não visam substituir a inatividade a que muitos alunos se entregam durante os tempos letivos - até porque, em regra, essa falta de aplicação é substituída, com claro prejuízo para os restantes alunos, por comportamentos informais de quem se encontra numa esplanada...
Na perspetiva de Manerix Ventus compete ao aluno procurar o apoio de que necessite em fontes diversificadas e não apenas no professor, deixando de ser um sujeito passivo às ordens de pais, tutores, professores, explicadores... Só posso concordar, apesar desta assunção da responsabilidade pelo aluno estar condicionada pela idade e, particularmente, pela sua maturidade...
Finalmente, quero tranquilizar o meu interlocutor, pois ele desconfia que eu esteja a ser irónico ao colar-me ao enunciado "Sou contra os TPC por princípio.» Como deve ter entendido, eu não prezo os TPC, pois, em muitos casos, eles são sinónimos de pouca inteligência, apesar de exigirem repetição e memorização.
A IRONIA, se existe, resulta da incapacidade do sistema educativo em encontrar estratégias de consolidação da aprendizagem que não provoquem instabilidade familiar, sobrecarga física e desperdício de tempo e de recursos materiais e humanos...
A IRONIA, se existe, resulta da incapacidade de PENSAR e de FAZER PENSAR.
Obrigado, Manerix Ventus!

23.9.14

O reino deles é o pronto-a-vestir

Os meus alunos detestam alfaiates; preferem o pronto-a-vestir!
Tirar as medidas, fazer as provas não é com eles. Hoje, revi-me no alfaiate, atento aos detalhes, convencido de que o todo só assentará que nem uma luva se por  trás houver um protótipo a suplantar... Ainda pensei que faria sentido que ignorassem a Odisseia ou a Eneida, mas o fastio é mais extenso. Pouco lhes interessa que a Epopeia lusa celebre os heróis (navegadores, reis e outros que, por mérito, se foram libertando da lei da morte) e menos ainda os preocupa que, no seu tempo, o Poeta denunciasse a apagada e vil tristeza que se apossara dos dirigentes, a começar pelo rei...  
O reino deles é o pronto-a vestir!   

O debate entre Seguro e Costa deveria ter decorrido numa barbearia (ou numa alfaiataria). Lá há tesouras, há navalhas que bem poderiam ter utilizado para que nos víssemos livres deles. Dum PS fratricida! Também, o reino deles é o pronto-a-vestir!  

22.9.14

O contrato de leitura

A Revolução» de que ele e os seus amigos nunca paravam de falar seria como apontar um lança-chamas a tudo, até restar apenas terra queimada, e depois - bem, era simples - ele e os seus amigos reconstruíriam o mundo à imagem deles. Uma vez vista, esta realidade tornava-se óbvia, mas depois havia que enfrentar um pensamento: como podiam pessoas incapazes de organizar as suas suas próprias vidas, que viviam em permanente desordem, construir alguma coisa que valesse a pena?" Doris Lessing, O Sonho mais Doce, editorial Presença, pág. 59 

Passo os dias a pedir aos meus alunos que, na apresentação oral e escrita da obra lida, em vez de se enredarem interminavelmente no enredo, aproveitem para destacar o que terão aprendido durante a leitura...
O excerto de O SONHO MAIS DOCE, de Doris Lessing, é um bom exemplo do que é possível apresentar e debater com os colegas de turma (e não só!)...
Nos anos 60 ( tal como nos anos 70, em Portugal), a Revolução fazia parte do discurso quotidiano das juventudes europeias; o que era necessário era deitar abaixo as instituições e depois se veria... E é neste "depois" que tudo se torna caótico, porque, afinal, os modelos da "revolução" eram totalitários... Os jovens que detestavam os pais, que abandonavam as escolas, que viviam em "comunidades" só podiam reconstruir o mundo à sua própria imagem...
São estes jovens (e os seus filhos) que, hoje, governam o mundo - um mundo igual ao dos seus pais, embora mais precário e asfixiante...
Terá valido a pena?

21.9.14

Um ministro polémico que a quase tudo diz NÃO...


Pessoalmente, NÃO vejo qualquer motivo para considerar o Doutor Nuno Crato "uma personalidade polémica". 
Sempre gostei de ler entrevistas, só que as respostas de Nuno Crato a João Céu Silva (DN 21 de setembro de 2014) deixam-me frustradíssimo.
Quando leio uma entrevista, procuro compreender o pensamento do entrevistado, o móbil das suas ações.
Ora o pensamento e a ação de Nuno Crato são fáceis de configurar. SeNÃO, vejam:

  • O director-geral NÃO faz parte da equipa governamental... 
  • NÃO estou de acordo com essa perspectiva...
  • NÃO, NUNCA afirmei isso...
  • NÃO estou a comentar sobre o futuro
  • SEMPRE tive um relacionamento muito bom com o ministro Vítor Gaspar...  
  • A educação é o futuro do país...
  • NÃO tenho reparado nisso ...
  • NUNCA o vi a incentivar jovens à emigração...
  • A educação é o setor do país que afeta mais pessoas...
  • NÃO queria entrar nesses pormenores ...
  • NÃO é verdade...
  • NÃO o diria...
  • Alguns comportamentos NÃO são aceitáveis...
  • NÃO sei responder caso a caso...
  • NÃO sei dizer o que são mega-agrupamentos...
  • NÃO preciso de um segundo mandato.
  • NÃO é um assunto que conheça o suficiente.
  • NÃO há despedimento de professores contratados, nem conheço algum professor despedido.
Li a entrevista e fiquei cansado. Felizmente, o ministro confessa que NÃO precisa de um segundo mandato...

20.9.14

«Sou contra os TPC por princípio.»

«.... da mesma forma que eu não tenho qualquer autoridade na elaboração de um exame, na escolha das disciplinas que são leccionadas aos meus filhos, na forma e no ritmo com que o professor dá as aulas, também a escola não deve invadir o nosso final do dia e apropriar-se de um tempo que não é seu por direito. Os trabalhos de casa são uma espécie de tempo roubado aos pais, às famílias e às crianças.» Inês Teotónio Pereira, i 20 setembro 2014

Hoje, sábado, enviei um mail a 75 alunos a especificar o trabalho de casa, a curto e a médio prazo. Fi-lo por falta de tempo, pois, na sala de aula, continua a haver alunos que pensam estar em casa - despreocupados e a preguiçar...

Inês Teotónio Pereira é contra os TPC, porque estes roubam tempo «aos pais, às famílias e às crianças». 
Por uma vez concordo, até porque há muitos alunos que, sobretudo, ao fim de semana, passam o tempo a mudar de casa: ora, a mãe; ora, o pai; ora os avós... 
O problema é que, sem tarefas de consolidação das aprendizagens, os alunos dificilmente progredirão ao ritmo exigido.
Então, como resolver o problema sem perturbar mais a vida familiar?

Creio que há uma decisão que poderia ser tomada pelo MEC, agora que as escolas adotam, na sua maioria, o turno único: As tarefas de consolidação de aprendizagem seriam feitas na escola, com supervisão de professores contratados para tal função.

... Os alunos não necessitariam de transportar os materiais escolares de casa para a escola e da escola para casa; as tarefas de consolidação de aprendizagem eram verificadas de imediato; os pais deixariam de culpabilizar os professores; o desemprego diminuiria; o sucesso escolar aumentaria...