24.6.15

Seres imorais

«Pour entrer dans les songes de l' homme, if faut être un homme. Il faut être un ancêtre, être vu dans une perspective d'ancêtres, en transposant à peine des figures qui sont dans notre mémoire.»Gaston Bachelard, La Bible de Chagall, in Le Droit de Rêver.

Poder-se-á pensar que sonhar é uma das múltiplas formas de evasão, de voltar costas à realidade, no entanto, nada mais falso.
Neste tempo de crise, deparamos com dois problemas insolúveis. O primeiro resulta do sonho coletivo se basear na satisfação de desejos de curto prazo. O segundo tem origem na natureza dos decisores, que, de verdade, não são homens capazes de traçar um desígnio, de acordo com os valores que, ao longo dos tempos, orientaram as comunidades que, supostamente, deveriam guiar.

O problema dos decisores é que não têm memória dos acontecimentos e das figuras fundadoras das culturas e das organizações, reduzindo tudo à lei da oferta e da procura. E nessa voragem, o cidadão mais não faz do que responder a estímulos sabiamente ministrados por quem procura o enriquecimento célere e sem olhar a meios...
Esta é uma outra espécie de homens que nada tem a ver com a Bíblia de Chagall:

«Les êtres présentés par Chagall sont des êtres moraux, des exemplaires de vie morale.» op. cit.

Oiço as notícias da Grécia, de Bruxelas, de Portugal... e não consigo entender os sonhos dos homens, só descortino personagens sem moral que se movem em circuito fechado, preocupadas apenas com o vil metal...

23.6.15

Com tanta juventude sem futuro...

Escrever sobre a situação na Grécia é extremamente difícil, apesar de as notícias não faltarem. No entanto, a informação essencial não sofre qualquer alteração. A Grécia está cada vez mais endividada e uma parte dos gregos parece destinada a arcar com a despesa...
Só que, honestamente, não consigo avaliar qual é a parte sacrificada, pois as reportagens parecem sobrevoar as ilhas e os templos, sem descerem ao terreno, isto é, sem mostrarem quem beneficia com a crise e quem tudo perde.
A verdade é que, também, é difícil escrever sobre a situação em Portugal pelos mesmos motivos.

A informação é tutelada pelos grandes grupos financeiros e económicos, para quem os governos do Sul da Europa não passam de correias de transmissão. Poder-se-ia pensar que as redes sociais poderiam disponibilizar informação independente, mas tal não acontece. Nas redes sociais, não há informação.

Com tanta juventude sem futuro, creio que esta não está a saber aproveitar o saber e as redes sociais para construir uma rede de informação transnacional, que, liberta dos polvos que nos acorrentam, dê conta dos problemas e permita encontrar soluções em rede...

22.6.15

Trauma e recalcamento

Mais dia menos dia, o espaço fotografado, apesar do conjunto de símbolos que o constituem, nada significará para aqueles que, por formação, se veem convidados a ignorar o passado.
A sombra do esquecimento e do isolamento vai avançando de modo que, num futuro próximo, surgirá quem defenda que o desfasamento será resultado de um qualquer recalcamento por explicar. 
E o problema do recalcamento é que, apesar da eventual cura, o psicanalista, em regra, não explica a origem do trauma.
Acabo de confirmar esta ideia ao concluir a releitura de "Délire et rêves dans la "Gradiva" de Jensen", de Freud. Norbert Hanold, por motivo que não é explicado nem pelo novelista nem pelo psicanalista, esquece completamente Zoé Bertgang, amiga de infância, para, mais tarde, a redescobrir nas ruínas de Pompeia sob o fantasma de Gradiva... 

(...)

Infelizmente, a mim, ninguém me cura do trauma que é estar 6 horas, na rua de Entrecampos, à espera de uma explicação para a falta de comunicação entre o Centro Nacional de Pensões e a Caixa Geral de Aposentações. 
Acabei, no entanto, por perceber que o termo em moda é "divergências". O atraso resulta, afinal, de divergências entre o Centro Nacional de Pensões e o Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa. Como o período em causa se situa entre 1974 e 2005, estas "divergências" parecem estar para durar...

   

21.6.15

A minha interpretação pode não ser despicienda

Ontem, a temperatura chegou aos quarenta e dois graus em Tomar.
Hoje, chegou o Verão!
A descida da temperatura vem no momento certo, pois estou a contas com a interpretação de um enunciado:

«Quer no espaço público quer no espaço privado, somos permanentemente sujeitos a estímulos sensoriais (visuais, auditivos, olfativos...), por exemplo, através de campanhas publicitárias. Se, por um lado, essa experiência pode ser considerada enriquecedora, pode, por outro lado, ser perspetivada de forma negativa.» Prova 639 / 1º fase.

- Qual é o antecedente dessa experiência? Sermos permanentemente sujeitos a estímulos sensoriais
Se tal interpretação estiver correta, então as campanhas publicitárias não passarão de um exemplo!

Enfim, as instruções não deveriam ser ambíguas. Até porque se solicita a defesa de um ponto de vista pessoal sobre a problemática apresentada, com recurso a dois argumentos, devidamente ilustrados com, pelo menos, um exemplo significativo.

- A publicidade deve ser tratada como argumento ou como exemplo? 

(As consequências da minha interpretação não são despiciendas...)

20.6.15

Desatenção minha

Jardim da Estrela, Lisboa
É esta mania de ver tudo o que se passa à nossa volta que dá cabo do trabalho!
A desatenção é a principal causa da falta de produtividade, do aumento de acidentes de viação,  do fraco rendimento escolar. 
A situação parece estar a agravar-se! Vi escrito que 75% dos portugueses se preparam para votar no PSD / CDS...
Desatenção minha, que não encontro fundamento para tal intenção. A não ser a velha desatenção, sem esquecer que hoje não há um único órgão de comunicação (outrora, social) que não esteja ao serviço do Governo e da Presidência da República... E claro, a ausência de soluções concretas para os problemas que minam a sociedade portuguesa. Do centro esquerda à extrema esquerda, todos se propõem gerir o "bolo", mas ninguém deita as mãos à massa...

A continuarmos assim, só irão votar os que têm medo da TROIKA e os que se sentam à mesa do poder.

19.6.15

Que mais dizer?

A mão trémula assume o risco e tranca (a VERMELHO) todos os espaços em branco. A batalha dura horas, e lembra os torneios medievais organizados pelos senhores dos castelos para afirmação pessoal e deleite das favoritas... 
Que mais dizer?

*
O erro é uma evidência! Noutro contexto, já teria caído o Carmo e a Trindade. No caso, impera o silêncio da calma do meio-dia no deserto.

** 
A academia não arrisca pronunciar-se, vive em confraria. A academia não se compromete; afinal, as letras são, de há muito, subjetivas...

18.6.15

Uma sala em dia de exame

Rachas habitadas por teias de aranhas nos quatro cantos; bolor nos tetos escurecidos e nas paredes a empalidecer; três janelas voltadas para o excêntrico edifício da Polícia Judiciária; estores avariados e cortinados desprendidos de calhas soltas; duas portas, uma de entrada e de saída ( o que dizer de uma porta?) - a primeira acede à galeria debruçada sobre o pátio sul ( dos plátanos por ora frondosos), a segunda sempre fechada...
Ao fundo, dois armários metálicos. Sobre um, sacos de provas de exames inúteis carregados de pó; sobre o outro, dois artefactos, um de metal e outro de madeira, esquecidos das mãos que os fabricaram, adormecem ali...
Ao lado da porta de entrada e de saída, outro armário, de madeira rústica, fechado a cadeado, como se lá dentro tivesse ficado esquecido algum tesouro de outro tempo, irmão, talvez, do retroprojetor abandonado à sua sorte...Convém referir, também, as duas janelas que, da galeria, permitem provocações anódinas e passageiras...
De menos velho, apenas um datashow suspenso de um braço avançado que se ilumina, a espaços, sobre a parede branca, em tempos coberta por um painel de cortiça, e uma secretária metálica, cedida por uma repartição pública em remodelação socrática. As gavetas da secretária continuam vazias. Sobre o tampo de fórmica, um computador HP, um ecrã HPL1710, duas colunas gémeas, um telecomando, parecem prometer uma outra dimensão. Em frente, 20 mesas, hoje ocupadas por 18 jovens, muito sérios, que vão resolvendo a prova de Física e Química A...
(...)
E eu que estou proibido de ler o que quer que seja, estudo-lhes os olhares, os movimentos na cadeira, a azáfama nas máquinas de calcular - fica-me a sensação de que o segredo dos armários, afinal, está escondido naquelas máquinas, onde me parece ser possível guardar enormes quantidades de dados que eu não sei ler... 

Incapaz de vigiar o que está a acontecer naquelas máquinas, todas autorizadas por quem sabe, regresso às rachas, ao bolor, às persianas, às tábuas de antigos pinheiros longilíneos, procuro-lhes as juntas de união, os nós... e espero que tudo acabe nesta sala ou que um inspetor entre por aquela porta que, até hoje, sempre vi fechada...