26.5.12

Os temas

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser:  dois argumentos perdidos num só com múltiplos exemplos de interação; uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, em quatro ou cinco parágrafos devidamente conectados; ignorados acentos e vírgulas e pontos deslocados; uma escola que cuida do bem-estar de alunos e professores e, onde inesperadamente, os alunos cuidam dos professores (quem diria!); uma escola no lugar da casa, onde pouco se estuda, mas inevitavelmente se cresce…

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser: nas primeiras páginas, há números de apoteóticos desvarios e notícias que não o chegam a ser…

Há ainda promessas por cumprir, desculpas de última hora, empates auspiciosos, vidas emparedadas e outras adiadas… ou simplesmente arrimadas! Tudo e nada, apesar da procissão das velas que tremeluzem ao luar…

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser…

23.5.12

Proust e a redenção

«On cherche à se dépayser en lisant. (…) La grandeur de l’art véritable (…) c’était de retrouver, de ressaisir, de nous faire connaître cette réalité loin de laquelle nous vivons, de laquelle nous nous écartons de plus en plus au fur et à mesure que prend plus d’épaisseur et dímperméabilité la connaissance conventionelle que nous lui substituons, cette réalité que nous risquerions fort de mourir sans avoir connue, et qui est tout simplement notre vie.» Marcel Proust, Le Temps Retrouvé

Na Biblioteca Central da ESCamões, gostei de ouvir Pedro Tamen dissertar sobre a obra de Proust. Fê-lo com simplicidade e delicadeza, inventariando temas e falando das dificuldades que a obra coloca ao leitor (e ao tradutor).

Houve, no entanto, um detalhe que me fez regressar a um exercício anterior e interior: a arte redentora, a arte que nos redime do tempo. Confesso que, para mim, a arte ( a literatura – a leitura e a escrita) é um pouco mais proustiana: ela permite-me suspender o tempo, metamorfosear-me; dissociar-me das convenções. Como a cobra, deitar fora a pele!

E é nessa metamorfose que ao matar (devorar) cronos, reencontro a realidade de que sou feito – a vida – e morro satisfeito.

PS: Claro que ninguém tem culpa de que, ao fim de tantos anos, eu continue a rejeitar a redenção. E já agora acrescento que, para mim, desde os anos 70, o Marcel, mesmo se amortalhado no seu leito de escrita, é um mestre da vida. O Pedro Tamen que me perdoe!

22.5.12

Ambiente de Aprendizagem Dinâmico Orientado a Objeto (AADOO)

Se fixámos facilmente o acrónimo MOODLE, correspondente a Modular Object 0riented Dynamic Learning Environment, porque é que não nos habituamos ao AADOO? Será assim tão difícil de pronunciar?

Nos últimos dias, tenho frequentado esse novo «ambiente de aprendizagem», mas vão-me crescendo algumas dúvidas sobre o tipo de dinâmica e, sobretudo, sobre a natureza da estratégia de intervenção dos participantes.

Por vezes, parece criar-se uma certa empatia com o formador e até com os temas em debate, sem, no entanto, deixar de pôr em causa os objetivos, as peias e a oportunidade da formação.

Este ambiente, apesar de poder parecer caloroso, pode tornar-se claustrofóbico. E quando isso acontece, desenvolvem-se  movimentos de avanço e recuo sucessivos até que alguém pega o touro. E aí assiste-se a um relaxamento colectivo propício a novas cumplicidades e até a novas iras.

Seja como for, se fossemos consequentes poderíamos organizar de forma mais produtiva e, também, mais económica, os processos de aprendizagem, regulando-os de forma muito mais interativa.

20.5.12

Interior

Em ruínas. As colunas e os arcos impedem o desmoronamento por mais algum tempo. A luz, no entanto, insiste em quebrar a penumbra, mas, ao fazê-lo, põe a nu o bolor e a imundice.

O futuro aparece-me sob a forma de viagem. Todavia ao percorrer os mapas regresso sempre a lugares onde nunca estive. Por exemplo, Lagny-sur-Marne, a 28 quilómetros de Paris, onde nunca vivi com os meus pais. Partir é uma forma de regresso. E não sou apenas eu que penso deste modo: José Luís Peixoto escreve como se a única hipótese fosse aprisionar o tempo perdido – na aldeia, na emigração, na infância e na velhice - porque o resto do tempo é de desperdício.

O Tabu de Miguel Gomes conta uma história num desses lugares onde nunca fomos, mas vemos como se lá tivéssemos estado. As personagens, a espaços, parecem sair da boca da «Senhora do Tempo Antigo» de Bernardim Ribeiro, ou, em alternativo de um filme anglo-saxónico ou australiano. Tudo jorra de uma colónia penal e acaba numa mistificação sobre a origem da guerra colonial. Tudo muito decadente! Gostei da Laura Soveral e da Teresa Madruga, talvez porque representassem personagens do José Luís Peixoto.

E a propósito de desperdício, estou sem palavras, gastei-as a negociar critérios de avaliação com quem olha mas não vê, com quem ouve mas não escuta; apenas bajula ou enche a burra…

18.5.12

Se eu fosse romancista

Li algures que «o romancista vai sempre além da realidade!»

Este é o tipo de afirmação que não consigo entender! O que é que pode haver para lá da realidade? Ou aquém da realidade?

Pensava eu que a grande frustração do romancista seria a consciência da impossibilidade de captar a realidade. E como exemplo, lembro o Poeta que procurou «ser tudo de todas as maneiras» e, ao fazê-lo, estilhaçou as leis do género, porque a verdade lhe escapou irremediavelmente. Pensava ele que teria escrito um «drama» em gente ou sem gente. Na verdade, o Poeta deixou-nos um romance, um lugar (uma arca) onde cabem todas as coisas  desde que Platão inventou os diálogos socráticos.

Se eu fosse romancista viveria desesperado pois a realidade é tão múltipla que não saberia como a capturar. Mesmo Penélope desfazia, todas as manhãs,  o seu bordado não porque fugisse do casamento com um dos zelosos e sanguíneos pretendentes ( ou porque muito amasse  o estouvado Ulisses), mas porque não sabia como entrelaçar as malhas que a prendiam à ambição e cobiça desmesurada  dos que a cercavam.

Hoje é um desses dias em que não preciso de pensar no que está para além da realidade: Eu simplesmente sinto-me incapaz de a nomear.

17.5.12

A não ser a dita crise

A - "Durante os anos, os salários foram sendo melhorados e agora, sem razão alguma a não ser a dita crise, estão a tirar tudo aos trabalhadores: os subsídios de férias e de Natal e parte do ordenado", disse à Lusa Anabela Carvalheira, da Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS).
B –“Nenhuma intervenção externa age se não for percebida, interpretada e assimilada pelo próprio.(Leonor Santos, Auto-avaliação regulada:porquê, o quê e como?)
6000 professores, num momento decisivo para a conclusão da atividade escolar, seguem um rigoroso calendário de formação sem que se torne visível a relação próxima com o ato de classificar que gratuitamente terão de desempenhar nos meses de Junho e Julho, até porque outros milhares estarão, também, envolvidos na classificação de exames sem  prévia formação. Sem esquecer que os professores, enquanto funcionários públicos, perdem os subsídios de férias e de Natal e parte do vencimento!
Na situação de crise prolongada, não posso deixar de pensar que o Governo anda distraído ao gastar recursos que não tem com ações de formação desajustadas no tempo e, sobretudo, que se enganou no destinatário. Esta ação deveria ser ministrada aos sindicalistas do metro (e não só), pois não conseguem interiorizar a crise e os seus efeitos sobre o povo português.
E já agora parece que ainda há muita gente com responsabilidade neste país que não entende que existe em Portugal uma intervenção externa (estrangeira), e que nestes momentos o oportunismo não deixa de fazer o seu caminho.
PS. Eu sou um dos 6000 privilegiados, mas que, hoje até às 10h30, não poderá apanhar o metro por causa dessa coisa estranha que é a crise!

15.5.12

O rei de Argos

O Dia é da Latinidade, o Dia Internacional dos Museus!
Na praça central do Museu de S. Miguel de Odrinhas, o espaço Ágora – local de eleição do Mundo Antigo – o Grupo de Teatro Thíasos do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra representou, hoje, “As Suplicantes”, de Ésquilo. O público, maioritariamente escolar, enfrentou um inimigo para o qual não estava preparado – o Sol intenso. Tal como As Suplicantes, uma boa parte dos jovens encetou uma fuga que acabou por os distrair da representação e, também, de certo modo, desconcentrar os atores. Claro que os jovens não fugiram para Argos nem compreenderam por que motivo As suplicantes recusavam casar com os primos, filhos de Egito, irmão de Danao.
De qualquer modo, esta viagem à obra de Ésquilo permitiu-me confirmar as sábias palavras de Jorge Silva Melo (Ésquilo, Teatro Completo, editorial estampa, 1975): «Este livro não é bem um livro: é apenas uma ruína.» Palavras que poderemos aplicar à Grécia atual: « Esta Grécia não é bem a Grécia: é apenas uma ruína.» Permitiu-me também confirmar pela tradução ensaiada que «ruíram as palavras de uma língua que ninguém fala.»
No entanto, o rei de Argos surgiu-me, pelo menos na tradução de Virgílio Martinho (1975), como uma consciência apolínea: “Já disse antes que nada posso fazer sem ouvir o povo, mesmo que tenha poder para tomar uma resolução. Não quero que um dia o povo me diga, se por acaso uma tal desgraça acontecesse: «Para honrares a uns estrangeiros, levaste à cidade à perdição.»
O povo de Argos acabou por votar  o acolhimento d’As Suplicantes por unanimidade, apesar da ameaça de uma guerra que não era deles. Hoje, a Grécia decidiu voltar a ouvir o povo. E faz bem!