22.5.18

Ainda a trabalhar!

Por aqui, o que há mais são afloramentos do que já foi, do que ainda não é nem se sabe se virá a ser, não esquecendo que o que é está pronto a deixar de o ser... dizer que se trata do tempo é vago, genérico, banal... é pensar que se está instalado, bem ou mal, sem saber que o fio pode estar a ser cortado...
Por isso, hoje, vou amputar O Velho de Rui Knopfli:

Não envelheço. Torno-me antigo.
O velho sempre viveu em mim,
sempre o pressenti no olhar
magoado demorando-se nas coisas,
em certa lentidão não premeditada
dos gestos e nas lembranças confusas
de uma outra recuada idade.

O acaso (outra figura do tempo por explicar) quis que, antes de aqui chegar, tivesse dois breves encontros com presenças de outros tempos (uma mais e outra menos idosa do que eu); em comum, a exclamação: - ainda a trabalhar!
O Rui Knopfli que me perdoe, ele, que nunca me encontrou, sabe dar razão à minha temporalidade...

21.5.18

Relances

«... relances há/ em que creio, ou se me afigura, / ter tido, alguma vez, passado // com biografia...»                      Rui Knopfli, Memória consentida, in nada tem já encanto, Tinta da China, 2017

não sei se são relances, se fulgurações...
de súbito surgem breves histórias inteiras...
mas tão distantes que por mais convincentes se perdem em vagares indiferentes
- não cresce ali nenhuma imagem e muito menos uma qualquer hipotipose...
- dizem-me que o imaginário caiu em crise 
- não sei se acredite... não temos nada em comum a não ser o animal acossado

bem replica o Poeta: « cada homem é uma ilha / cega na mais densa cerração.»
... apesar do outro Poeta: «cada homem é uma raça»...

20.5.18

No mundo imundo

(Poucos revelam reconhecer o mérito do adversário...
Poucos sabem respeitar o vencido...)

Vencer é hoje um objetivo maquiavélico.

Até o Poeta, quando ameaça retirar-se do mundo imundo, é acusado de sobranceria, como se a nova ordem o obrigasse a viver na lixeira mental e material que vai crescendo nas mais diversas instituições...
Como se a Arte devesse subordinar-se a populismos insanos.

19.5.18

É já maio!


Em círculos, por vezes, tangentes, reúnem-se os professores.
É já maio, o primeiro-ministro investe tudo na prevenção dos incêndios... 
Entre professores, o tratamento desigual agudiza-se.
É já maio, a classe docente continua desclassificada... é um peso insuportável para o OGE!
É já maio, em Alvalade, o "enfant terrible" revela que a educação é intransmissível...

18.5.18

'mínima gente'

«Il n'y a que dans les romans qu'on change d'état ou qu'on devient meilleur.» Albert Camus

A crença no bom senso e na regeneração do indivíduo não passa disso mesmo. Esperar que ele dê atenção às vozes desafiantes é uma ilusão que só serve para nos desresponsabilizar...

Hoje, voltei a adotar um tom solene e ameaçador para condenar aqueles que, entre outros males, dão diariamente prova de desonestidade inteletual e de falta de respeito pelos seus pares, advertindo-os para um futuro / presente de permanente oportunismo e de desrespeito...

Ao cair em mim, recordei o poeta Herberto Helder:

- e eu pedi ao balcão: dê-me um poema,
e o empregado olhou para mim estupefacto:
- isto aqui é o mundo, monsieur, aqui não se servem bebidas alcoólicas...

17.5.18

Não há vândalos sem maioral

O termo 'vandalismo' como sinónimo de ação destruidora foi cunhado no século XVIII, em janeiro de 1794 por Henri Grégoire, bispo constitucional de Blois.
(...) O vandalismo é a ação de destruir ou danificar propriedade alheia de forma intencional com o propósito de causar ruína. Muitas vezes é um ato gratuito, ainda que possa ser encomendado sem que muitos  dos intervenientes estejam conscientes desse facto.

No caso que tem abalado a nação, os rapazes têm sido acusados de atos de terrorismo. As instituições, como tal, confessam-se chocadas,  defraudadas e até 'vexadas', creio, no entanto, que seria mais apropriado designá-los de vândalos, porque, de facto, eles não revelam querer construir o que quer que seja... eles não percebem até que ponto estão a ser manipulados...
Esta destrinça parece-me útil, pois é bem mais fácil pôr termo ao vandalismo do que ao terrorismo, como a História bem ensina, desde que as instituições deixem de andar de mão dada com tais energúmenos, a começar pelos maiorais.

16.5.18

Voltar a ler...

Ainda sem perceber os vândalos que, ontem, resolveram atacar em Alcochete, apesar desta incompreensão não ser absoluta, pois, todos dias, me dou conta de que as sementes de violência estão a germinar nos nossos jardins, termino a leitura de A Conquista da Felicidade (1930), de Bertrand Russell.
Por acaso, tal aconteceu na pastelaria Charrette, na Avenida Almirante Reis, Lisboa, onde, chatice, não presenciei qualquer crime, a não ser uma velha senhora muito educada, que, um pouco alterada, dava conta às amigas de que se sentia feliz ali, pois lá em casa o marido gritava com ela  e os vizinhos insultavam-se aos outros. A senhora era mesmo muito educada, ao perceber que eu movia a cadeira para me levantar, pediu-me de imediato desculpa caso ela estivesse 'a falar muito alto'... Tranquilizei-a, porque não quis destruir-lhe a alegria da narrativa...
(...)
Na obra referida, Bertrand Russell analisa as condições internas que favorecem a conquista da felicidade, propondo estratégias pessoais que poderão libertar o indivíduo da alienação ideológica e religiosa, sem esquecer o narcisismo...
O caminho é necessariamente individual, tendo, no entanto, como interlocutores: o tempo cósmico, a natureza e todo o homem cujo sonho e ação se rejam por valores universais construtivos.
O conhecimento do passado, apesar de imprescindível, só será útil se orientado para a humanidade futura.
Em síntese, o que esta leitura me proporciona, para além de ter ficado deslumbrado com a competência argumentativa do filósofo, é a vontade de voltar ao início de modo a questionar as minhas indisposições, irritações, caprichos, fobias, e principalmente, a origem das minhas certezas...

                     «Soterrado / Por mil certezas de aluvião.» Miguel Torga