5.11.08

Acudam ao Mestre...

As sensações são as mesmas de 1975. Continua a ser possível fazer a revolução. Para que o eclipse se dê, só é preciso que os interesses de uns se cruzem  momentaneamente com os dos outros. Ganha a batalha, vem o saque...

Ainda, estou a ver o  pagem, a mando do Álvaro Pais, a galopar rijamente pelas vielas obscuras de Lisboa: -"Acudam ao Mestre..."

A lição de Fernão Lopes é das poucas que nunca me sai da memória.

4.11.08

Naïf

A Crónica Contos (d) e realidades, de António Souto, publicada na floresta-do-sul.blogspot.com, consegue libertar-me, por momentos, da última sessão do Conselho Pedagógico, toda ela sobre avaliação ou, talvez melhor, sobre a necessidade de manter viva uma imagem que o espelho há muito deixou de reflectir. Sempre que   alguém me fala de Urbano Tavares Rodrigues, sorrio por instantes.

Sorrio da sua bondade, da sua leveza, da sua crença na fraternidade e na solidariedade, e, sobretudo, do modo como continua a alimentar essa Instituição que poderia ser a Literatura, se esta não tivesse sido colonizada por uma casta de sacerdotes que, pouco a pouco, nos afastam do gosto da leitura...

Pode não ser verdade, mas, para mim, Urbano Tavares Rodrigues é um homem naïf que nunca me pediu nada, e que os deuses decidiram premiar, deixando-o ficar um pouco mais para que o sorriso não vire esgar.

Nestes dias, também eu gostava de ser um pouco naïf, de sublimar as emoções e de olhar com menos rigor as vagas alterosas do deserto que cresce de norte para sul. Ou será ao contrário?

Enfim, de um naïf não se pode esperar que ele tenha a noção de perspectiva!

31.10.08

Uma estranha herança...

Usualmente, as peças movem-se num ritmo lento, ocupando os lugares que lhes são destinados. Tudo parece encaixar: o especialista expõe o fruto da sua longa investigação, e nós ouvimos, deslumbrados...

Na  4ª feira, Aquilino Ribeiro Machado trocou as voltas ao destino. Acordou-nos da modorra, deixou-nos curiosos e sorridentes. Afinal, a cultura ainda desperta os olhares mortiços e suspende  os dedos dos telemóveis.

Basta um alfinete para acordar um piano...

Na 5ª feira, Rita Ferro deslumbrou a plateia, na comodidade e sonoridade da palavra, e deixou Raúl Mesquita, autor de "O Pai e os Outros", à procura de coisas boas e divertidas no Auditório. Será que as encontrou?

Na 6ª feira, Adelaide Canas, no extremo oposto da velha mesa, irmã silenciosa de Aquilino Ribeiro, cercada das altas estantes prenhes de livros desertos, prepara meticulosamente as últimas aulas de uma vida votada a um magistério que, entretanto, perdeu a grandeza que, outrora, regenerava as nações...

E fenecem teclas de piano amotinadas na pirueta de um alfinete...

27.10.08

Pelo pouco que eu vi...

O VI Festival Internacional de Cinema Documental esteve desperto para a crueldade do mundo, fazendo-me recordar os versos de José Gomes FerreiraVai-te, Poesia / Deixa-me ver friamente /a realidade nua /sem ninfas de iludir / ou violinos da lua / Vai-te, Poesia.

E eu só vi:

 ALL White in Barking, de Marc Isaacs, Reino Unido, 2007, que retrata um mundo de preconceitos, fonteiras e xenofobia, à mistura com um ou outro ensaio de aproximação cultural, sob os holofotes do documentarista;

The Tailor, de Óscar Perez, Espanha, 2007, mostra um alfaiate paquistanês, no Raval, em Barcelona, acolitado por um indiano, e que não têm o menor sentido de responsabilidade. Ao paquistanês, só interessam o lucro e a religião. A curta, pelo insólito da relação, do paquistanês com as clientes promove o riso fácil, mas, a mim, deu-me vontade de fugir...

Bab Sebta, de Pedro Pinho e Frederico Lobo, Portugal, 2008, perante o encerramento da porta (fronteira) entre Marrocos e Ceuta, questiona, através de imagens secas e frias, a vida daqueles africanos que tudo fazem para chegar à Europa. A mesma Europa que no passado (e no presente) lhes liquidou as matérias-primas.  Estes africanos, depois de colonizados, foram abandonados à fúria dos elementos, ao despotismo dos novos líderes, à condição de infra-humanos... Um longo documentário que desgasta o espectador. As cidades, na sua profunda miséria, comovem pela vitalidade daqueles que, lá vivem e, sobretudo, que lá se escondem. E do deserto, resta-me o conselho: a única orientação que poderei ter, depois de dormir, é aquela que resulta da capacidade de manter a cabeça voltada para o horizonte que persigo... o resto é morte.

25.10.08

Salvo erro...

«Quando é que foi feita a avaliação de professores? Nunca no passado. Esta é a primeira vez que está a haver. (...) Mas a verdade é que, neste momento, já mais de, salvo erro, 17 mil professores foram avaliados. Desses 17 mil, 7% foram classificados com "muito bom" ou excelente". Uma das coisas que pretendíamos era isto: distinguir o mérito, o esforço, os melhores.» Primeiro-ministro de Portugal, DN, 25 de Outubro de 2008.

Eu até posso concordar com o voluntarismo, mas discordo dos factos.

Primeiro: no passado houve avaliação - os professores submeteram-se, ao longo dos anos, ao modelo aprovado pelos diversos governos de Portugal, antes e depois de 1974. De facto, a maioria dos professores foi sendo classificada com satisfaz, gerando um imobilismo que sempre agradou aos ministros das finanças; apenas uma minoria via ser-lhe a atribuída a classificação de bom, depois de suar as estopinhas, já que era necessário descobrir "testemunhas abonatórias" que só se disponibilizavam se o presidente da Secção de Avaliação tivesse alguns "conhecimentos", em regra, no Ensino Superior. A bonificação, em termos de progressão na carreira docente, dependia da atribuição de 2 bons consecutivos ( de 4/5 em 4/5 anos) ou, então, da conclusão de um mestrado ou de doutoramento, na área de Educação ou de docência. Como é que o Estado distinguiu o esforço dos professores que, pelo esforço e mérito, progrediram mais depressa na carreira? Onde é que eles estão? A fazer o quê?

Segundo: Se a classificação de insuficiente não era atribuída, era porque, de facto, o M. E., descurava por inteiro essa realidade.

Terceiro: Os 17 mil professores foram avaliados. Acredito. Mas como? Será suficiente ser assíduo e cumprir as tarefas atribuídas pelo presidente do Conselho Executivo? Como é que, em 2007/2008, com base nos referidos critérios, os Senhores Presidentes conseguiram distinguir os "bons" dos "muito bons" e dos "excelentes"? E o que é que aconteceu às outras duas menções? A estatística parece ignorá-las?

Quarto:Como é que, até ao momento, foi reconhecido o mérito dos professores "excelentes"? Será que não lhes acontecerá o mesmo que aos "bons" do sistema de avaliação anterior?

Finalmente: Desconfio que está para nos acontecer o mesmo que ao professor Henrique Sapardo de Domingo de Lázaro, de Aquilino Ribeiro:

« O meu amigo reitor continuava no seu posto, eu é que fora rasurado como dispensável. O sicofanta literário, que se emboscara no ministério por trás dum rufador de caixa, assim o decretara. Aquilo era para ele, para os amigos e apaniguados da situação. Depois que regalo para um homem pequeno que se dê conta dele, ainda que seja pelo mal que faz!? Podia lá perder-se a ocasião de ofertar este sacrifício sádico à personalidade?»

24.10.08

O rastilho...

O rastilho já está aceso. As frentes são múltiplas e Sarkosy já avisou os chineses que a presente crise pode hipotecar o futuro da humanidade. O que é que os chineses terão pensado de semelhante aviso?

Por aqui, o futuro é hoje e o amanhã que se lixe!

21.10.08

Uma questão de mãos...

Dá-se com uma mão e tira-se com a outra. Entre o dar e o tirar, cessa a propaganda e morre o projecto. Entretanto, os bolsos de uns tantos vão enchendo, e o país fica de mãos a abanar.

Assim estou eu, de mãos vazias, à espera das sobras que caem da mesa dos ricos. E enquanto espero, não me pronuncio... não vão os esbirros do Pina Manique voltar à rua, em nome da rainha louca, levada em braços para o Brasil, e deixando, para trás, um reino de mãos a abanar.

Mãos cheias, mãos vazias. E eu, obrigado a servir de mãos vazias... Se fosse o único, consideraria essa situação como justa punição, mas não, à volta, uma multidão implora, de mãos vazias... e a esfíngica sécia, nos braços da sua loucura, esbraceja nas ondas atlânticas...

(Do fundo do mar, eleva-se D. Miguel, pronto a casar com a infanta real, não fosse ficar de mãos a abanar.)