14.8.12

Prefácios

I - Em discurso relatado, Chez Barbey d’Aurevilly, 1882: Paul Bourget: Enfim, Bloy, o Senhor detesta-me, não é verdade? Léon Bloy: Não, meu amigo, eu desprezo-o.

Léon Bloy, que não morria de amores por Paul Bourget, não hesita em tratá-lo por «O Eunuco», talvez porque este ousara publicar, num jornal, «la mucilagineuse préface de son prochain livre». E ao escolher o adjetivo “mucilaginoso” para definir o prefácio, Léon Bloy retrata Bourget como um homem viscoso que facilmente passa do estado sólido ao líquido – a mucilagem é rígida quando seca e pegajosa quando húmida!

II – Maria Lúcia Lepecki, por seu lado, ao reler, em 17 de maio de 1987, «Casa Grande de Romarigães» de Aquilino Ribeiro, e procurando os princípios éticos e estéticos em que assentava a escrita de Aquilino, convida-nos a pensar que o prefácio deste romance, cujos capítulos se distinguem uns dos outros por números, corresponderá ao ZERO – o ponto de partida, o PROGRAMA…

É essa ideia que Lepecki explora na sua leitura do prefácio, deixando-se envolver na teia doutrinária do Autor. E por isso, Ela termina o seu texto de crítica literária ZERO À DIREITA do seguinte modo:

« Uma alegoria também ela dúplice, ao mesmo tempo iconoclasta e iconográfica. Nela se estaria dizendo o País, «personificado» no espaço de uma casa e nos tempos de uma família.»

III Coincidência ou talvez não! O romance Casa Grande de Romarigães foi publicado em 1957 e quem nos governava era o mucilaginoso Salazar… E o PROGRAMA não deixaria de querer acertar contas com o ditador. Um romance a reler num tempo em que a viscosidade se nos agarra à pele.

IV – E a propósito de prefácios, gostaria de destacar três nomes que, por motivos diversos, sempre lhes deram (dão) grande atenção: Almeida Garrett, Osório Mateus, Carlos Reis.

12.8.12

Não sei quem teve a ideia

Não sei quem teve a ideia, mas a instalação parece nascer do chão e enquadra-se bem no Jardim de Santo Amaro (Oeiras). E até o eléctrico, ao fundo, parece esperar por nós para uma derradeira viagem.

O espaço, à medida que avançamos, contrai-se, apesar das janelas que se multiplicam, como se uma miríade de olhos decepcionados se fixasse em nós.

Em alternativa, talvez possamos balouçar-nos uma última vez!

E também não sei porque é que quando escrevo, recorro à primeira pessoa do plural - “à medida que avançamos” - porque nada acontece no plural. É pura ilusão mercantilista! É pura ilusão comunicacional de quem procura a complacência da miríade de olhos sem rosto que me acompanha desde que a luz me despertou…

/MCG

11.8.12

Nem na Caverna de Platão…

Nem na Caverna de Platão se poderia viver descansado. Mesmo que os prisioneiros se mantivessem voluntariamente agrilhoados à sua miserável realidade, eles não escapariam ao olhar escarninho…

Aí estão os muros para nos lembrarem quão risíveis somos!

10.8.12

Um Passeio pela História

«Que me importa /o perfume das rosas /os lirismos da vida /se meus irmãos têm fome?»Agostinho Neto, A Renúncia Impossível

Ao longo dos anos, fui construindo enunciados cujo fim era sintetizar conhecimento e contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e mais livre. Entretanto, céptico, fui assistindo ao crescimento da liberdade que foi pondo termo aos vários muros instalados um pouco por todos os continentes. E essa desconfiança tinha razão de ser pois, nas últimas décadas, essa liberdade em vez de trazer mais justiça trouxe mais desigualdade.

Ao arrumar os papéis, indeciso entre rasgá-los e queimá-los, acabei por tomar a decisão de os disponibilizar. Incompletos e trapalhões, vou-os deixando em http://sites.google.com/site/salamcg/

Nesses papéis, encontrei os versos do poeta Agostinho Neto, que cito porque também ele sentiu a confusão bíblica que se instalara entre os homens. E por caso, hoje, vi parte de um filme sobre François Mitterrand “Um Passeio pela História”, e dei comigo a pensar que aquele homem, que governara a França entre 1981 e 1995, tinha percebido completamente os perigos que a Europa corria, pois, em vez dos princípios, o mundo passara a ser dirigido pelo capital.

8.8.12

Dos que furtam com unhas invisíveis

Tela praevisa minus nocent.
A lição é de S.Jerónimo e vem citada na ARTE de FURTAR.
No essencial, significa que temos que aprender a ver o mal antes que ele nos prejudique. O caso é que a TMN insiste em cobrar todos os dias 1,07 euros, mesmo depois de ter procedido à alteração da relação contratual e de ter assegurado ao cliente que, num prazo de 24 horas, lhe iria desligar o acesso à internet.
O objetivo do cliente era reduzir custos, mas a TMN, com unhas invisíveis, insiste em aumentar-lhos.
Quantos cidadãos são diariamente presa destas unhas invisíveis?
 
24.03.2013
A Arte de Furtar é das poucas obras que não corre o risco de ficar obsoleta. Ainda na última semana, a União Europeia e o FMI institucionalizaram a rapina eletrónica. Vai-se à conta bancária do cliente e subtraem-se 20%! Dizem que acima de 100 mil euros..., em Chipre. No futuro, tudo é possível!
   

6.8.12

Não são os coveiros…

«Não sãos os coveiros que nos matam. Simplesmente estão lá quando morremos.» Mafalda Ivo Cruz, Mil Folhas, 26 de Janeiro de 2001, PÚBLICO

O registo fotográfico não deixa de impressionar pelo fulgor do volume e da cor da pedra. Porém, passado o deslumbramento, fica por perceber por que motivo, ao longo dos séculos, se insistiu no transporte da pedra para um lugar onde a areia  cedo começou a escassear. A exuberância dos edifícios esconde a míngua do homem comum e a vaidade dos governantes.

E passando do coletivo ao individual, nada difere: o egoísmo (ou a cegueira?) de uns leva-nos, de súbita morte, à cova. Passada a surpresa, só o coveiro se empenha momentaneamente em esconder-nos dos vivos…

5.8.12

O fotógrafo

«O etnólogo em exercício é o que se encontra em qualquer parte e que descreve o que observa ou o que ouve nesse mesmo momento.» Marc Augé, Não-Lugares

O fotógrafo é, assim, um etnólogo involuntário. Captura, num momento, linhas de tempo distintas, formas circulares, verticais e horizontais. Captura o grupo e a individualidade, a luz e a sombra…

… e deixa o Infante a enxergar o lado errado da missão, ao contrário do ciclista que segue confiante, mesmo que, amanhã, caia no desemprego.

Mas esse detalhe pouco importa ao etnólogo!

/MCG