14.6.15

E toda aquela infância / Que não tive me vem...

«Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar ,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no meu coração.»

Fernando Pessoa

Ontem, referi que não encontrava grandes motivos para que o Poeta, qual náufrago do presente, se recolhesse no passado. Hoje, retomo a questão para reforçar a ideia de que, para Pessoa, só o presente (criativo) lhe podia trazer plenitude.
O passado é "enigma" e o futuro é "visão"! Nenhum destes tempos lhe pode devolver a infância que não teve ou antecipar o que o coração lhe pode dar - isto é, o alimento de que a razão necessita para poder levar a cabo a sua criação.
(...)
O passado é "enigma" e o futuro é "visão"!
Entretanto é bom não esquecer que em MENSAGEM, o trabalho do vate ´parece querer provar o contrário. Através da mitificação dos heróis, o Poeta aponta a solução para o futuro. Uma solução messiânica. 

13.6.15

As crianças de Fernando Pessoa

Se Pessoa não tivesse sido forçado a abandonar a infância, estaria hoje a celebrar o centésimo vigésimo sétimo aniversário. A hipótese é atrativa, mas absurda, pois o tempo teria deixado de ser mensurável.
Ele bem gostaria que tal tivesse acontecido e por isso fez da vida o estaleiro da arte, o único lugar em que as crianças podem brincar eternamente.
Embora, ao longo dos anos, tenha procurado rumar contra os estereótipos que poluem a "leitura" de Pessoa, a verdade é que a Madalena acaba de me dar a oportunidade de insistir no tópico de que a poesia de Pessoa é anti-romântica, sem ser necessário regressar à "autopsicografia"...
As crianças de Pessoa vivem todas libertas da duração, como se se movessem numa extensão, sem princípio nem fim... Basta pensar no menino Jesus de Alberto Caeiro!
E já agora acrescento que a infância de Pessoa não esteve livre de tristezas e de escolhos.

(...)

As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.
(...)
Álvaro de Campos

As crianças vivem eternamente!
A infância,em si, é eterna, porque não tem consciência da passagem do tempo (ou da duração). O argumento da nostalgia da infância é arriscado, porque o Poeta não se está a referir à Sua infância, mas, sim, às crianças «que brincam às sacadas altas». 
Para Pessoa, a arte é um estado lúdico absoluto e não um espaço confessional, romântico.

12.6.15

O estado da memória

Parece indiscutível que um dos indicadores do envelhecimento é a diminuição ou, até, a perda de certas memórias consolidadas, já que das efémeras se aceita a sua caducidade... Esse empobrecimento da memória resultará, por exemplo, de dietas desapropriadas, da qualidade do sono, de medicação agressiva,  ou de um excesso conflituoso e errático de informação ...
A explicação é, talvez, simplista, porque se as quatro causas apontadas estiverem corretas - dieta, sono, medicação, informação -, então o empobrecimento da memória começará a ocorrer muito mais cedo.
Basta olhar para os jovens, que por esta altura do ano se submetem a exames externos e internos, para perceber que boa parte do insucesso deve ser procurado fora da sala de aula. 
E na véspera dos exames, a situação agrava-se ainda mais...

O estilo de vida atual é a principal causa do envelhecimento precoce e, principalmente, do insucesso escolar dos nossos jovens e da inexistência de um modelo de crescimento e de desenvolvimento que transforme a sociedade em que nos vemos como reféns.

11.6.15

O segredo de justiça ou de polichinelo


Lisboa, 11 junho (Lusa) - O Ministério Público abriu um inquérito por violação do segredo de justiça, na sequência da publicação de transcrições de um interrogatório efetuado ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da "Operação Marquês".


Um inquérito para quê?

Afinal, quem é que, em tempo real, teve acesso ao interrogatório? Como é que o ato foi registado? Os presentes durante a inquirição puderam gravar por conta própria? Será que ainda estamos no tempo do registo audio, posteriormente, transcrito para o papel ou para outro suporte digital?

De acordo com a minha experiência castrense, toda a transcrição é manipulável, sobretudo se o continuum  for objeto de qualquer tipo de interferência, como, por exemplo, a tosse, a ira...

Na minha perspetiva, para além do inquirido, que já está detido, o melhor seria deter os restantes, isto é, todos os que estiveram presentes no interrogatório... 

10.6.15

Naquele cuja Lira sonorosa / Será mais afamada que ditosa

«Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados, 
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.»

Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto X, estância 128.

Cito hoje esta estância porque me parece ser a que melhor revela a incompetência dos que nos governam e que não têm qualquer tipo de vergonha ao servirem-se da inteligência, do trabalho e, até, da desgraça de muitos portugueses, condenados a partir ou a viver na indigência... sem esquecer os que se arrastam nas cadeias (ou fora delas) à espera que seja feita justiça.
Tal como no tempo de Camões, Portugal é hoje um país em que os valores são constantemente sacrificados ao interesse e à mesquinhez de uns tantos.
E não me digam que estou a ser pessimista!


9.6.15

Quantas vezes a memória

«Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história,
Em que ninguém está presente.»
Fernando Pessoa

A memória destes dias é a de um ser verdadeiramente aborrecido que memoriza enormes quantidades de informação para poder realizar umas tantas provas de exame, cujos resultados o deixarão mais perto do insucesso na vida...
Talvez ainda não se possa afirmar que se anda a fingir que se é gente ou que desta história não sobrará ninguém para a contar, mas pela incapacidade de interpretar, pela dificuldade de ordenar e de compor, tudo a leva pensar que o mundo, por estes dias, está virado do avesso. 

Provavelmente, nada disto é verdade, e mais não é do que o cansaço de quem passou 90 minutos numa repartição de finanças às voltas com um anexo G... Para quê contar a história, se ninguém está presente?

8.6.15

O outro lado de José Sócrates

"Agora, o Ministério Público propõe prisão domiciliária com vigilância eletrónica, que continua a ser prisão, só que necessita do meu acordo. Nunca, em consciência, poderia dá-lo", responde José Sócrates, numa carta a que a SIC teve hoje acesso.

Deste modo, José Sócrates poupa nas despesas e promove o turismo nacional. No caso, a grande beneficiada é a cidade de Évora!

Face a esta decisão, para que o contribuinte seja menos sacrificado, espera-se que a Justiça faça o que lhe compete, isto é, decida.

Diga-se de passagem que se eu estivesse no lugar de José Sócrates, faria exatamente o mesmo. As pulseiras nem aos rafeiros deveriam ser aplicadas...