31.10.14

Sob o efeito de um quiasmo...


«Milhor é merecê-los sem os ter, / Que possuí-los sem os merecer. Camões, OS LUSÍADAS, Canto IX, estância 93 

Referia-se o Poeta às «honras vãs, esse ouro puro», alcançadas por gente cobiçosa, ambiciosa e fraudulenta. 

Ao ler as notícias mais recentes sobre condecorações, fico na dúvida se, já no séc. XVI, o Poeta estava, apenas, a ser virtuoso, ao criar o quiasmo ou se, de facto, queria censurar aqueles que premeiam os que ao bem comum antepõem o interesse próprio…

/MCG

28.10.14

O Largo era a Praça da Jorna

a) « O Largo era o centro do mundo. (...) Era aí o lugar dos homens, sem distinção de classes. Desses homens antigos que nunca se descobriam diante de ninguém e apenas tiravam o chapéu para deitar-se. (...) o Largo que era de todos, e onde apenas se sabia aquilo que a alguns interessava que se soubesse, morreu.» Manuel da Fonseca, O LARGO.

b) «As praças de homens, que na realidade são mercados medievais da força de trabalho, tornam-se num instrumento de luta nas mãos dos camponeses havendo assim que lutar (...) contra  a tentativa para a sua extinção. Eis as razões porque é completamente justa a consigna lançada pelas organizações partidárias de alguns sectores rurais (...): que os camponeses se recusem a ir esmolar trabalho a casa dos patrões e obriguem os patrões a irem contratá-los à praça. O Militante, 29, Maio, 1944, citado por João Freire, O Movimento Operário e o Problema Rural na I República, in Mundo Rural - Transformação e Resistência na Península Ibérica, Coordenação Dulce Freire, Inês Fonseca, Paula Godinho.

A PRAÇA DA JORNA é uma locução que  me seduz, mas que não sei onde situá-la! De acordo com o esquecido Manuel da Fonseca, o Largo morreu com a chegada do comboio, com a multiplicação dos cafés e respetivas clientelas, com a leitura dos jornais e com a audição da rádio. 
O Largo metamorfoseou-se numa imensidade de pequenos largos e a Praça da Jorna  foi substituída pelos sindicatos...
Hoje, o LARGO alargou-se, é do tamanho da WEB. Pena é que os patrões não sejam obrigados contratar segundo uma regra universal e, sobretudo, pena é que os trabalhadores tenham deixado de usar chapéu...
  


26.10.14

Estou naquela idade...

Estou naquela idade em que a narrativa política me causa enjoo. Pode ser que passe, mas desconfio que, se a euforia dos idos de abril voltar, já por cá não estarei...
Estou naquela idade em que a narrativa pedagógica já não convence. Faltam valores e um rumo coletivo!
Estou naquela idade em que a emoção destrói o estômago e o coração. O amor e o ódio aliaram-se contra mim, como se o objetivo fosse aniquilar-me de vez...
Doravante só vou escrever sobre livros.Tenho tantos por ler e muitos mais por reler!
Por tudo o que fica dito, vou deixar de postar no facebook e no twitter... Resta a velha CARUMA.

25.10.14

Eu prefiro mil vezes os números da DGO...

Nos dias em que estou mais cansado ou até deprimido, gosto de fazer uma pausa. Há quem dê um passeio a pé, quem vá até ao ginásio, quem veja um filme. Por mim, nada disso! Eu prefiro mil vezes os números da Direção-geral do Orçamento...  
Só de os contemplar, acalmo, deixo de tremer, de entaramelar as palavras.  E é o que acaba de me acontecer  ao ler no i a seguinte notícia:

«Segundo os valores avançados pela DGO, entre Janeiro e Setembro os contribuintes pagaram 4738 milhões de euros só em juros da dívida pública, mais 4,2% que até Setembro de 2013. São mais 192 milhões de euros, dos quais 151 milhões vieram do aumento do preço cobrado pelo FMI.»

Em particular, a informação de que o FMI nos aumentou a fatura  em 3% pela ajuda financeira tem o condão de me libertar da neurose e de me devolver ao trabalho. Ao trabalho forçado! 

Não quero ser acusado de preguiçoso pelo primeiro-ministro...

24.10.14

O Bem comum

No século XVI, para Camões, só eram dignos de ser postos "em memória" aqueles que servissem Deus, o Rei e o Bem comum. 
O Estado Novo leu à letra a lição camoniana e durante mais de 40 anos impôs o culto de Deus e da Pátria (feita de famílias) e descurou o Bem comum, embora doutrinariamente  apregoasse o contrário. 
Dessa tríade, hoje, na sociedade laica e global, já só resta virtualmente o Bem comum! 
De entre os valores, o Bem comum deveria ser o principal guia de ação de cada homem... 
Pelo menos, no que me concerne, os jovens que vou servindo, olham para mim como se eu fosse um extra-terrestre.
A cada dia que passa, ao Bem comum vamos antepondo o "próprio interesse". 

/MCG



23.10.14

Delírio


Abundantes, as palavras precipitam-se em cascata, desfiando doutrinas de rejeição, em nome da unidade divinamente inequívoca. Fora das palavras, o ar rareia e asfixia os ouvintes que, apenas, podem silabar monossílabos de aprovação ou, em alternativa, espreitar o melhor momento para sair do círculo de encantamento...
A fuga é, todavia, quase impossível porque, enquanto as palavras se convertem em aplausos da unidade, os braços arqueiam-se em balanços de avanço e recuo e, no movimento, as pernas parecem ganhar molas que lançam o corpo sobre a presa, esmagando-a...

A pena que eu tenho de não saber desenhar! Saberia, talvez, captar o momento no seu alongamento em direção à UNIDADE.
Se eu soubesse desenhar, estaria mais perto da unidade inicial, e creio mesmo que preferiria ser surdo-mudo.

22.10.14

Reuniões (intercalares)

18:45. Numa sala vazia espero impacientemente por uma reunião intercalar marcada para as 19:45. As luzes permaneceram acesas durante todo o dia, apesar da luz intensa, apenas coartada por persianas emperradas por falta de manutenção... Num armário, ainda é possível vislumbrar, alaranjados e noturnos, uns tantos livros de sumários...
(As mesas e as cadeiras, modernos espelhos de alma, refletem a cinza dos dias.)
Para lá do caixilho, outra sala, vazia, dois computadores piscam, um em tons azulados... Olho à volta, e os painéis mostram-me rotinas desnecessárias em tempo de desmaterialização da informação. Pela janela, as folhas outonais dos plátanos escondem os carros que, ininterruptamente, circulam deixando um ruído maligno, sobretudo, para quem chegou a esta sala às 8:00 da manhã.  

Evito pensar na reunião intercalar - para professores, pais e alunos - porque sempre que nela participo, me sinto num psicodrama. Uma daquelas sessões em que peões saltam do respetivo território para o do vizinho, sem qualquer incómodo, e desempenham a rábula da partilha e da busca de soluções para problemas mal equacionados. 
Nas reuniões intercalares, devemos encontrar soluções facilitadoras da aprendizagem e da relação. Numa hora e 30 minutos, salvamos o mundo. Depois se verá!
Claro que há reuniões intercalares que não deveriam começar, porque, à partida, já sabemos que acabam mal.
O que é válido para as reuniões intercalares serve para muitas outras reuniões! Porque reunir significa voltar a unir o que entretanto se separou (nalguns casos, se emancipou)... O que me leva a pensar no trauma da perda do cordão umbilical...E quando me coloco nesta perspetiva, compreendo melhor a razão porque continuo à espera da reunião intercalar... reunião que mais não é do que uma partilha de silêncios ruidosos...
Já só faltam 20 minutos... Talvez 20 minutos ou um pouco mais. Oficialmente, a reunião termina às 20:15.