22.11.14

Argumentar contra a violência doméstica

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1949), Art. 1º


Nas escolas, os alunos são convidados a escrever textos argumentativos, mas, em geral, não o conseguem porque, em primeiro lugar, não dominam o assunto e, principalmente, não o enquadram nem o aprofundam. Acreditam que basta pegar numa folha de papel e aplicar uma qualquer receita. Claro que a maioria fracassa!

O que aqui registo são meia dúzia de ideias que dirijo a aluna desesperada que não consegue escrever um texto argumentativo:

Todos nascemos iguais, mas não crescemos livres e iguais em dignidade e direitos.

Tradicionalmente, a maioria das mulheres vivia numa situação de tal dependência económica do marido ou, mesmo, do pai, que os direitos humanos não se lhes aplicavam, designadamente o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
Depois da segunda Guerra mundial, as mulheres desempenharam um papel importante na reconstrução dos países. As mulheres passaram a estudar e, sobretudo, passaram a ter uma carreira profissional, o que lhes trouxe independência económica.
No entanto, a independência económica da mulher não lhe garante a igualdade de direitos no agregado familiar, porque o homem (e a mulher) não foi educado para uma relação diferente da que vivera na família em que nascera… (uma das causas da violência)
Entretanto, a globalização trouxe o consumismo e a precariedade no emprego e na vida quotidiana. Uma precariedade que passou a atingir ambos os sexos.
É neste novo contexto que a insatisfação pessoal e familiar cresce, trazendo de volta o autoritarismo e a violência do mais forte contra o mais fraco.
Volta a colocar-se a questão de saber como combater a violência doméstica, ela própria fruto da desigualdade social, económica…

Assim, pode defender-se que a educação é uma das soluções contra a violência. Deste modo, é preciso alterar radicalmente o paradigma educativo.

A escola atual não satisfaz minimamente este objetivo. Basta pensar nos casos em que os namorados consideram normal agredir as namoradas,com a bênção paterna e materna, ou em que os alunos agridem as professoras com a cumplicidade dos pais… e das mães.   
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20.11.14

O Homem de Cristo tira mais um coelho da cartola


«Não quero com isto dizer que temos de ser como os franceses. Apenas digo que temos margem para tornar o nosso acesso ao ensino superior mais justo. Seja por via de acesso livre (entram todos os que concluírem o secundário) ou por via de dar às instituições autonomia para escolher os alunos (o que me parece mais exequível).» 
Artigo de A.H.C.:E se as notas não contassem para entrar na Universidade?

Gosto imenso de ler as reflexões deste cavo pensador, sobretudo quando estou aborrecido e desligo o televisor para não ter de esbarrar com o PP ou o PC ou a ML ou a PTC , isto sem falar dos comentadores ajumentados ( peço desculpa, se soar a jumentos...)
Desta vez, por um instante, concordei com o Homem: - Para quê exames de acesso à Universidade? Que maçada! Entram todos e pronto... ou será prontos?
Passado o devaneio, dei comigo a pensar que o Homem de Cristo (!) poderia ter apresentado um argumento ainda mais convincente: - Para quê exames de acesso à Universidade se, à saída da mesma, as classificações e os diplomas obtidos não servem para nada?
Como se teima no Ensino Secundário, para um bom argumento é necessário um exemplo certeiro! Ora que melhor exemplo que o do Ministro Crato que se está borrifando para as classificações de mestrados e doutoramentos e já marcou a data do próximo exame para 20 de dezembro, precisamente nas mesmíssimas universidades que tanto despreza!

Há, no entanto, um lado positivo, na proposta cartesiana deste cavo pensador: Acaba o desemprego docente no ensino superior. Ou será inferior? 





19.11.14

Nem sempre vemos as fontes...

Para o caso de haver quem acredite na originalidade e não compreenda o que é a intertextualidade, vou citar Gonçallo Anes, de alcunha o Bandarra, que terá vivido na primeira metade do século XVI, no reinado de D. João III, o qual, entre 1530 e 1540, compôs um conjunto de trovas sobre a decadência dos costumes e os futuros destinos de Portugal.*

(...)
Forte nome he Portugal,
Um nome tão excellente,
He Rei de cabo poente,
Sobre todos principal.
Não se acha vosso igual
Rei de tal merecimento:
Não se acha, segun sento,
Do Poento ao Oriental.

Portugal he nome inteiro,
Nome de macho, se queres:
Os outros Reinos mulheres,
Como ferro sem azeiro;
E senão olha primeiro,
Portugal tem a fronteira,
Todos mudão a carreira
Com medo do seu rafeiro.

Portugal tem a bandeira
Com cinco Quinas no meio,
E segundo vejo, e creio,
Este he a cabeceira
E porá a sua cimeira,
Que em Calvário lhe foi dada,
E será Rei da manada
Que vem de longa carreira.

Este Rei tem tal nobreza,
Qual eu nunca vi em Rei:
Este guarda bem a lei
Da justiça, e da grandeza
Senhorea Sua Alteza
Todos os portos, e viagens,
Porque he Rei das passagens
Do Mar, e sua riqueza.

Este Rei tão excellente,
De quem tomei minha teima,
Não he de casta Goleima,
Mas de Reis primo, e parente.
Vem de mui alta semente
De todos quatro costados,
Todos Reis de primos grados
De Levante até ao Poente.

Serão os Reis concorrentes,
Quatro serão, e não mais;
Todos quatro principaes
Do Levante ao Poente. 
Os outros Reis mui contentes
De o verem Imperador,
E havido por Senhor
Não por davidas, nem presentes.

Comendadores, Prelados,
Que as Igrejas comeis,
Traçareis, e volvereis
Por honra dos Tres Estados.
E os mais serão taxados;
Todos contribuirão
E haverá grande confusão
Em toda a sorte de estados.

Já o Leão he experto
Mui alerto,
Já acordou, anda caminho,
Tirará cedo do ninho
O porco, e he mui certo,
Fugirá para o deserto,
Do Leão, e seu bramido,
Demonstra que vai ferido
Desse bom Rei Encuberto.
(...)

Para o caso de haver quem acredite na originalidade de Camões e de Pessoa, vale a pena  olhar à volta e, sobretudo, não desprezar a tradição. Nem sempre as fontes estão à vista ou, melhor, nem sempre vemos as fontes porque porque vivemos de olhos fechados...

* Consultar: António Machado Pires, D. Sebastião e O Encoberto, Fundação Calouste Gulbenkian.

17.11.14

Que farei eu com esta espada?

A pergunta é do Conde D. Henrique: À espada em tuas mãos achada/ Teu olhar desce. / «Que farei eu com esta espada?» // Ergueste-a, e fez-se.»

É a primeira vez que a guerra surge em Mensagem, apesar da 1ª parte - Brasão - surgir sob o lema BELLUM SINE BELLO.
A guerra é um dos fios condutores da obra. Um fio místico, redentor, eivado das novelas de cavalaria medievais, do messianismo de Vieira e do sebastianismo do século XIX...
Vale a pena tomar nota que os cavaleiros-heróis são transformados em mitos, prontos a alimentar a ideologia do Estado Novo:

D. Afonso Henriques, o PAI: (...) a bênção como espada / A espada como bênção!

D. Fernando, o Infante de Portugal, o FILHO: «Dá-me Deus o seu gládio, por que eu faça / a sua santa guerra (...) E eu vou, e a luz do gládio erguido dá / em minha face calma

Nun' Álvares Pereira, o CAVALEIRO: «Que auréola te cerca? / É a espada (...) / Mas que espada é que, erguida, / Faz esse halo no céu? / É Excalibur, a ungida, / Que o Rei Artur te deu. // Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!» 

Na 2ª parte, Mar Português, apesar das vitórias não há sinal de espada, de gládio ou de Excalibur!

Só na 3ª parte, O Encoberto, surge O Desejado: Mestre de Paz, ergue o teu gládio ungido/ Excalibur do Fim, em jeito tal/ Que a sua luz ao mundo dividido / Revele o Santo Graal

Embora a obra termine com a exortação - É a hora! - o Poeta parece estar muito próximo do Apocalipse, abraçando o mito do Quinto Império de Vieira, pois ao AÇO sempre preferiu a LUZ...


16.11.14

Este fulgor baço…

«Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer…» / Fernando Pessoa
Temos rei e temos lei,
temos paz e temos guerra.
Todos sabemos o que queremos,
todos conhecemos quem somos.
(Temos peritos em ansiedade
e até já não há nevoeiro!)
De nada serve ser inteiro
desde que se possa
deitar a mão ao dinheiro…
(…)
Há quem floresça num canteiro
e queira ser quem não é
Não importa se espinho
se erva daninha…
(…)
Para ti
que, longe de ti,
procuras quem és,
cava
e em ti acharás
quem és…

15.11.14

Quando os Lobos Uivam

Se decidir ler Quando os Lobos Uivam (1959) de Aquilino Ribeiro, dê, também, atenção ao estudo de Dulce Freire, Os Baldios da Discórdia: As Comunidades Locais e o Estado, in Mundo Rural - Transformações e Resistência na Península Ibérica, 2004

Aquilino Ribeiro, mesmo que se por razões pessoais*, não enjeitou a hipótese de tratar literariamente um tema que, aparentemente, só dizia respeito a comunidades rurais conservadoras ciosas de preservar os baldios que cercavam os povoados e dos quais extraíam parte do seu sustento...
Para Aquilino, o problema não era "local", pois do outro lado estava o Estado, pronto a esburgar o povo de uma das últimas fontes de sobrevivência, em nome de uma 'moderna' política de florestação que, hoje, bem sabemos a quem aproveitou...
O povo 'retrógrado' sabía que a intervenção do Estado raramente o favorecia... Tal como Aquilino sabía que a Literatura ao ampliar o conflito, pode torná-lo bandeira de uma luta sem quartel contra o despotismo e contra o nepotismo do Estado.
E foi o que aconteceu à época: O romance vendeu 9.000 exemplares em três meses...; Aquilino teve de enfrentar a PIDE e a Censura, e o Estado Novo ficou mais desacreditado...


* Litígio pessoal com funcionário dos Serviços Florestais em Sernancelhe, Viseu, que o terá levado a ampliar os conflitos ocorridos na Serra de Leomil.

/Manuel C. Gomes

13.11.14

Trust me, não me parece...

Jeff Abbott is the New York Times bestselling, award-winning author of many mystery and suspense novels. He has been called “one of the best thriller writers in the business” (Washington Post). 
(...)
Nos últimos anos, tenho sido testemunha de uma verdadeira paixão pela leitura de autores 'anglossaxónicos'. Cada vez que me apresentam uma nova "descoberta", imagino que o fascínio não é muito diferente daquele que certos animais sentem pela fava seca: cai bem no estômago e aumenta a adrenalina. Durante umas horas, a adrenalina sobe e a cavalgadura fica eufórica; depois cai no abatimento até que nova dose lhe volte cair no cocho...

Nesta mesma semana, também me apresentaram "Os Emigrantes" (1928) de Ferreira de Castro. Fiquei feliz com a opção, mas creio que fui só eu e aquele jovem que encontrou aquele romance lá em casa e ousou lê-lo, porventura, porque saiba que eu gosto pouco de romances em que "são todos bons rapazes e boas raparigas», mesmo que não saibam interpretar o verso de Pessoa: «nem o que é mal nem o que é bem».
Talvez porque rejeite a aculturação ou, mais grave ainda, a leitura como forma de alienação, ao chegar a casa, "castiguei-me" com a tradução d'  UN APERÇU DE L'HISTOIRE DES KURDES, par Kendal NEZAN, Président de l'Institut kurde de Paris, com a conclusão da leitura do estudo "Mobilización campesiña, clientelismo politico e emigración de retorno, de Raúl Soutelo Vasquez, e com o retorno a 100 Cartas a Ferreira de Castro, edição da Câmara Municipal de Sintra, onde numa delas, a propósito da leitura do romance Sangue Negro (1923), Raul Brandão refere: «o senhor escreve sem se deter em pormenores inúteis e escolhe sempre para o assunto, ao contrário do que fazem para aí todos os fúteis, problemas cheios de grandeza e humanidade. É alguém.» Cit. por Alberto Moreira, A Carta é de L. Consiglieri Sá Pereira.
O sublinhado é meu!