29.8.10

As Intermitências da Morte

De forma intermitente, lá consegui ler a obra até à última linha.  Vem classificada como romance, o que me parece abusivo, a não ser que, neste século XXI, tudo caiba neste “saco”…  Há muito que penso que José Saramago é, sobretudo, um ensaísta que gosta de pôr à prova a genologia. Saramago explora com enorme rigor os limites dos nossos conceitos, relativizando-os ao ponto de “as aberturas” serem, regra geral, inverosímeis. E neste caso, o mesmo acontece com o desfecho. Invertendo os desejos, é a morte quem suspende a rotina do dia seguinte, e não o violoncelista… o autor que, através da figura da suspensão, experimenta, como Penélope, prolongar a vida.
Claro está que a consciência da irremediável finitude convida à paródia e ao ajuste de contas e, n’As Intermitências da Morte, as instituições são as principais vítimas de um discurso soberano capaz de desossar a própria língua.
PS: No lugar onde me encontro, a internet também se encontra suspensa, não sei se por decisão da morte ( das tecnologias) se por distracção dos nossos ilustres governantes… 

25.8.10

A multiplicação na Esc. Secundária de Camões

E as abóboras enraizaram e crescem no parque de estacionamento da Escola Sec. de Camões, Lisboa, sob o atento olhar da árvore do  centenário do edifício e da República - a tília. Entre os frutos ilustres, passámos a contar com singelas abóboras. E para o efeito, para além da semente, do sol e da água, convém não esquecer o denodado jardineiro.
Afinal, o que o país e a escola necessitam é de sementes e de bons jardineiros!
/MCG

24.8.10

Afinal, de que Anjo falamos?

"Je voudrais clarifier ce que je comprends sous le mot ange. Depuis que l’homme a acquis un certain degré de conscience il a connu cet être spirituel sous différents noms :

au Japon, c’est Kami,

dans l’hindouisme, Deva ,

dans l’ancien Iran, Daena ou Fravarti,

dans la Grèce antique, Genios,

et Socrate parlait de son Daimon,

la tradition hébraïque le nomme Malach,

la chrétienne Angelos ou Ange,

et un journaliste jungien m’a récemment demandé si ce n’était pas la projection de mon inconscient…
Toutes ces dénominations n’ont aucune importance.
Ce qui est capital est ceci :
Comment cet être spirituel agit-il en moi ?
S’il m’aide à devenir plus conscient de moi-même et de ma tâche sur terre,
à trouver mon  indépendance, même face à lui,
à me sentir non seulement créature, mais aussi créateur,
à me délivrer de mon attachement au passé, mais aussi de ma peur du futur, et à vivre intensément l’instant présent ;
à être responsable de moi-même autant que de l’univers entier ;
alors c’est une force de l’amour divin,
c’est mon pareil de lumière
et moi je suis son pareil plus dense sur terre.
"

Le saut dans l'Inconnu, Edit. Aubier

Gitta Mallasz

23.8.10

Um diálogo perturbador…

Em 1991, Gitta Mallasz publicou «petits dialogues d’hier et d’aujourd’hui. No essencial, a autora húngara pretende, de forma rigorosa e clara, explicar a experiência espiritual vivida por quatro jovens,1943-1944, em Budaliget, na Hungria, e que  deu origem  aos  «DIÁLOGOS COM O ANJO». E, sobretudo, pretende dizer-nos que o futuro do homem depende do diálogo que cada um de nós consegue estabelecer com o ANJO.
Em termos pedagógicos, o futuro exige esse diálogo interior que pressupõe: a) um ensino individual; b) um ensino pelo «vivido»; c) um ensino natural; d) um ensino pelo despertar; e) um ensino pela pureza do verbo.
Importante será perceber que o ANJO vive em cada um de nós… e não em qualquer território mais ou menos distante…

22.8.10

A escolha…

Há uma linha que foge ao mesmo tempo que sinto a necessidade de me aproximar cada vez mais das pequenas coisas, de me não perder em sombras espúrias. A cada momento, escolho entre a folha caída e o botão que desabrocha. Para a linha que foge, a minha escolha pouco importa, mas para mim não escolher é o NADA…

21.8.10

Reacções desabridas…

Venho procurando não falar de comportamentos de quem quer que seja. Afinal, quem sou eu para ajuizar os actos alheios! Numa sociedade que diariamente impõe e destrói (novos) valores, faz pouco sentido querer fundamentar as escolhas feitas por cada um de nós. No entanto, não resisto a abordar sumariamente uma situação recorrente.

Os automobilistas que, pelas mais variadas razões, decidem dirigir-se, por exemplo, de Lisboa para a Praia Grande, Sintra, deparam-se com percursos estreitos, sinuosos e perigosos, quer a partir da Malveira da Serra  quer a partir de Sintra. E sabemos que no Verão e aos fins-de-semana, o número de carros que circula nessas estradas aumenta exponencialmente! Frequentemente, os automobilistas vêem-se impedidos de circular a grande velocidade porque um recém-encartado ou um condutor mais receoso conduzem ‘pastosamente’… E como é que reagem?

Ontem, fui testemunha de uma ultapassagem desesperada em que o condutor de um jipe, concluída a manobra, imobilizou deliberamente, por duas vezes, o veículo a não mais de três metros de modo a testar os reflexos ( e provocar um acidente) do condutor que, cautelosamente, conduzia nas curvas de Colares… Hoje, numa situação parecida, tive que ouvir palavras desabridas de quem não respeita minimamente o seu semelhante…

Não é certamente agradável ficar preso numa fila de veículos em marcha lenta, mas o que é que justifica os insultos e as provocações dirigidos a quem ainda não interiorizou muitos dos automatismos necessários a uma condução segura?

18.8.10

Ler o quê e quando?

No meu caso, é grave que só agora tenha lido O Coração das Trevas (1902), de Joseph Conrad (Józef Teodor Konrad Korzeniowski (1857-1924). Sempre soube que muitos escritores conseguem a atenção dos leitores mesmo que as suas obras não evidenciem um conhecimento experimentado da realidade descrita. Muitas dessa obras tornaram-se manifestos de ideologias colonialistas e  anticolonialistas e, em torno delas, foram tomadas muitas decisões com efeitos perniciosos…

Ao ler O Coração das Trevas, entendi que, antes de muitos outros autores que se debruçaram sobre a colonização de África nos séculos XIX e XX, deveria ter lido a obra de Joseph Conrad. Se o tivesse feito teria poupado tempo e teria encontrado uma síntese do comportamento previsível do colonizador. Marlow e, sobretudo, Kurtz representam a abordagem interna de quem avança no território do outro de modo a submetê-lo pela palavra – A VOZ; A Companhia (e seus Administradores) representa a abordagem externa de quem, pela força das armas, vai tomando a pulso o território e eliminando o outro (o inimigo). Se no último caso, tudo se resolve pela eliminação, no primeiro, a VOZ tudo explica até a alienação do outro, em seu claríssimo prejuízo…

E assim se justifica que Kurtz tenha descoberto, no fundo da sua consciência, o HORROR. Quanto à Companhia, nada é preciso dizer, pois ela no lugar da consciência colocou, desde o início, o MARFIM… a pimenta, o açucar, o ouro, o petróleo, o ópio!

E se, no meu caso, foi insensato pretender ensinar alguma coisa a alguém sobre ‘literaturas africanas’ sem ter lido O Coração das Trevas, o que pensar sobre todos aqueles que tomaram decisões ao longo do séc. XX sobre o futuro de África?

Hoje, interrogo-me cada vez mais se há princípios capazes de justificar as opções de leitura.

15.8.10

O MEC e a praga circulante…

O ódio não devia ser uma delícia da velhice! Esta devia tornar-nos mais sensatos, menos elitistas…

O MEC odeia as autocaravanas porque tem pressa, porque gosta de caminhos secretos e, sobretudo, porque outrora escorregou na baba de algum mísero caracol. Claro está que o MEC não utiliza o termo português, prefere o «escargot» francês para destilar a sua raiva contra os internautas franceses que conjuram contra a placidez da Serra de Sintra e, particularmente, contra a esperteza do cronista que bem confessa que não tem razão.

O MEC sabe certamente que muitos destes caravanistas são vítimas da incúria portuguesa que se esquece de assinalar a estreiteza das vias e de lhes proporcionar áreas onde possam aparcar. Por outro lado, é verdade que um dos equipamentos de uma autocaravana é um frigorífico, mas que dificilmente pode guardar o peixe necessário para um mês… De facto, um caravanista não frequenta restaurantes de luxo; compra o peixe na praça ou no supermercado e grelha-o ele próprio, prescindindo de ‘criados’…

Os caravanistas não são somíticos e, ao contrário do que o MEC imagina pois nunca entra, por exemplo, em parques de campismo – campings – estes deixam muito dinheiro em Portugal… Basta visitar os parques de campismo na época baixa.

PS: Não é habitual responder a este tipo de micro-crónicas, mas o snobismo do seu autor devia ser taxado!

12.8.10

Na morte de Ruy Duarte de Carvalho

(Santarém, 1941- Swakopmund,Namíbia, 2010)

Como agradecimento pela capacidade de escutar o outro, aqui colo algumas das minhas notas sobre as leituras que fui fazendo da obra deste ilustre contemporâneo (e, de certo modo, conterrãneo).

Infância em Moçâmedes. Foi regente agrícola.Vive e ensina[1] – professor de antropologia numa escola de arquitectura da Universidade de Luanda; e também de Coimbra. Antes de ser antropólogo, trabalhou como engenheiro técnico agrário. É cidadão angolano, embora tenha nascido em Portugal. Angola é o seu "lugar no mundo". " Sou angolano, vivo em Angola, sem família, sem etnia, sem enquadramento institucional que preencha todas as necessidades políticas e de cidadania e, sobretudo, sem ambição pessoal que se enquadre no quadro das ambições possíveis em Angola."[2] Após a independência de Angola, viveu em Londres, fez um curso de televisão e cinema, e realizou filmes em 16 mm que os Cahiers de Cinema elogiaram. As rodagens levam-no à antropologia (doutorando-se na parisiense École des Hautes Études en Sciences Sociales.

Obra: Chão de Oferta (1972); A Decisão da Idade (1976); Exercícios de Crueldade (1978); Sinais misteriosos... já se vê (1979); Ondula Savana Branca (1982); Hábito da terra (1988); Como se o mundo não tivesse leste (1992); Ordem de Esquecimento (1998); Aviso à Navegação; Vou lá Visitar Pastores[3] (Cotovia, 1999); Observação Directa (2000); Actas da Maiaga (2003); As Paisagens Propícias (Cotovia, 2005)[4]; Desmedida (Cotovia, 2007)[5]


[1] - Aos 59 anos de idade.

[2] Opções / definições: Sobre o início da guerra, há 40 anos: "tinha 19 anos. Foi talvez o dia em que estive mais perto da morte. Estava no Quitexe e tinha começado a trabalhar como regente agrícola numa grande fazenda. Não morri porque cheguei três minutos tarde de mais ao posto administrativo onde fora buscar o correio. Foi uma situação tão extrema, que os horrores que se lhe seguiram não me deixaram dúvidas sobre o lado em que passaria a colocar-me daí para a frente. Por isso é que digo ser angolano por condição e não opção. (...) Estava do lado da razão de Angola." Sobre a literatura: "Em relação à produção literária, o que me interessa na escrita são os seus elementos detonativos. E a poesia militante é, quase sempre, conotativa e, muitas vezes (o que sempre a diminui!), demonstrativa. Mas pode de facto acontecer que através dela se produza, por diversas razões, conjunturais e não só, um tal grau de exaltação no leitor que lhe assegure o efeito de "revelação" sobre a "causa" que o poeta, independentemente da qualidade do poema, quis cantar e apoiar. Foi o que aconteceu comigo. Sobre o comprometimento da literatura: Sobre se a Angola independente e soberana nunca lhe causou "arrepios" que o levassem a pegar na pena, denotativa ou demonstrativamente, Ruy Duarte de Carvalho responde: Antes do "Vou lá Visitar Pastores", cujo terreno seria "a priori" o da escrita demonstrativa, mas onde, por um artifício literário, introduzi elementos de escrita criativa, eu já tinha escrito o " Aviso à navegação", dirigido a interventores, a políticos, a ONG, etc. ... Foi a minha resposta cívica, se quiser, feita em termos demonstrativos, sobre os mesmos kuvale (ou mucubais, como toda a gente lhes chama) e sobre as sociedades angolanas de economia doméstica em geral, para que técnicos e executores políticos pudessem servir-se do livro como instrumento de consulta. Está implícita em todo o livro a crítica ao poder, às práticas mais reprováveis dos poderes. Sobre o boi kuvale: " A raça dos bois kuvale corresponde a uma matriz dos bovinos de toda a África. São os sanga, descendentes em linha directa dos "Bos primogenitus", que dá o "Bos taurus" (bois sem bossa) e o "Bos indicus" (com bossa).

[3] - Sobre Angola (1999): "Estou a chamar a atenção para uma Angola que as pessoas não sabem que existe porque a actualidade de Angola é de tal forma confrangedora que as pessoas só se detêm nos aspectos catastróficos. A Angola de hoje é uma coisa geograficamente de tal forma insularizada e de difícil circulação que as pessoas acabam por se ocupar só de Luanda. Esquecem-se que Angola é vasta e tem Angolanos... lá no fim...! que por razões culturais, como é o caso dos Kuvale, ou por razões de actualidade político-militar, vivem em situações de grande isolamento, que reabilitaram sistemas de produção, de circulação económica que até implicam dispositivos de troca... (...) São estes processos que me interessam. À medida que o mundo cumpre a globalização, de que vocês tanto falam, há processos de insularização em curso, que desligam as pessoas mas ao mesmo tempo lhes garantem a sobrevivência. E são tão angolanos como os outros! E raramente são tidos em conta: quer pelos poderes nacionais quer pela chamada assistência humanitária, que normalmente não atende à especificidade das populações e, a coberto de uma acção que pressupõe um resultado positivo, introduz formas que se revelam negativas para as populações. Tudo isto acontece, tudo isto é referido aqui. Sobre o "mundo Kuvale": Toda a gente come, a redistribuição é um facto, há gente mais rica e gente mais pobre, mas do comportamento dos ricos consta a componente intrínseca de distribuir a sua riqueza. Entre estes pastores, há famílias que detêm milhares de cabeças de gado; há outras que detêm dezenas ou unidades. Mas, de uma maneira geral, todos acabam por comer da mesma maneira.Por todo o mundo os ricos ostentam a sua riqueza, não há acumulação que não vise exibir-se... No caso destas populações, a exibição da riqueza passa pela redistribuição, um homem é mais prestigiado quando alimenta mais gente, quando da riqueza pode extrair vantagem e destaque social através da sua capacidade de dar, não de acumular.Todos os anos os homens ricos matam pelo menos dois, três bois, que partilham com toda a vizinhança. Essa é a diferença fundamental! Enquanto os homens ricos de Luanda acumulam automóveis nos quintais, os homens ricos pastores que eu trato acumulam bois de que depois fazem beneficiar as pessoas que estão à volta.

Eu posso ter que sair de Angola, no dia em que sair fechei o escritório, não falarei mais de Angola. Angola não é uma coisa que a História destinou à extinção e de que nós sabemos tudo porque extraímos uma leitura. Não! Angola vive, pulsa, é maior do que as situações que lhe assistem. Era maior do que a condição colonial que lhe estava imposta, hoje é maior do que a situação de catástrofe que vive.

Dados biográficos: Conheço esta sociedade desde criança. O meu pai era português, de perto de Lisboa, foi para Angola com 30 anos. Eu ia com ele para o mato, caçar, foi aí que eu apanhei o vício do mato. Ainda ando a dormir nas pedras. Este é o livro que escrevi para me explicar a mim mesmo. Tinha 19 anos quando rebentou a revolta contra o poder colonial, vi de tudo, fui bombardeado, lutei pela independência e pela autonomia. Desde então que sei perfeitamente de que lado estou – do lado de Angola como país que ainda não desistiu.

Sobre a adopção de um estilo literário no discurso antropológico:"É verdade que a adopção de um estilo literário, ficcional, no discurso antropológico não é novidade. Já não o era quando Geertz e seus seguidores mais radicais, em Writing Cultures, assumiram a etnografia como uma forma de escrita e os antropólogos como um tipo de autores: Lévi Strauss nos seus "Tristes Trópicos", Michel Leiris e Georges Balandier nas suas "Áfricas" (para o primeiro "uma Afrique Fantôme", para o segundo uma "Afrique Ambigue") já o haviam feito, tentando escapar aos constrangimentos que o figurino de uma ciência moderna impunha à tradução difícil das realidades culturais (...) Mas, em "Vou lá Visitar Pastores", Ruy Duarte de Carvalho transcende tudo isto e todos eles: turistas, viajantes, ficcionistas e etnógrafos de caderno de campo em punho e diário no bolso. Ele consegue, aqui, o milagre de uma "antropologia doce". Uma antropologia que, sem qualquer ingenuidade, se reconhece e transcende recuperando formas discursivas que estiveram, afinal, na sua origem, para se impor em novo formato. O verdadeiro milagre reside na capacidade de imposição de um olhar antropológico ( subrepticiamente exclusivista, diga-se), sem fazer recurso evidente aos elaborados alicerces de uma ciência clássica - que apesar de tudo, está lá nos bastidores (nas entre-linhas, nas referências múltiplas e cruzadas, nas perspectivas poliédricas, no glossário, no post scriptum) - mas antes ressuscitando a sua vocação original mais universalista e humanista (...)

Testemunhos / Leituras: Nas palavras de José Eduardo Agualusa:"Vou lá Visitar Pastores" está organizado como se fosse uma conversa entre o narrador, Ruy Duarte, e um jornalista angolano do qual não se refere o nome (é Filipe Correia de Sá, ele próprio escritor, há anos a trabalhar nos serviços portugueses da BBC, em Londres), que combinou encontrar-se com o amigo para visitar o deserto. Filipe Correia de Sá não comparece ao encontro e Ruy Duarte deixa-lhe uma série de cassetes... – curioso artifício literário / de um discurso antropológico... " Vou Lá Visitar Pastores" – exploração epistolar de um percurso angolano em território Kuvale (1992-1997) Luís Carlos Patraquim: Observação Directa estabelece uma relação tanto com a obra "Vou lá visitar pastores" como com a obra anterior "Habito da Terra". Aqui, autor, tradutor, língua, recriam-se em jogo onde o legado da tradição oral se institui como instância decisiva, única e primeira razão produtora de sentidos, alavanca para a instauração de um ser-outro "no Texto, lugar de encontro"...Tudo neste livro se conjuga, confundindo-o: a mera notação de viandante ou de antropólogo viandante, o provérbio que se retraduz em derivação, a enumeração de pontos / temas de observação, a estruturação no sentido da complexidade que quer conotar territórios poéticos ainda em gestação, o registo de um retraduzido lirismo pastoril, hínico, salmódico, ritualístico, sincopado, a fragmentação quase como pose de olhar, uma encenação charadística, labiríntica, mas também plana que só os pastores, os que cantam a beleza da vaca e do carneiro e a pele da chana, lograrão saber.

[4] - Em entrevista, a propósito de Paisagens Propícias, Ruy Duarte de Carvalho defende uma tese que sempre me foi cara: »Poucos retêm que o último embate da guerra fria ( a batalha do Cuíto Canavale) foi em Angola, e que esta tem sido campo de batalha de muitas guerras que não têm a ver connosco: Afeganistão, independência da Namíbia, reflexo da luta armada no fim do apartheid na África do Sul…»

[5] - O livro narra uma viagem física e literária pelo rio S. Francisco ( ver referências brasileiras: Guimarães Rosa e Euclides da Cunha). Resulta de uma estadia de alguns meses no Brasil com intervalo para o autor regressar a Angola e voltar a cruzar o Atlântico.

10.8.10

Lacuna…

«Enfim: acabamos por ser o que resta do que somos, mas também, e às vezes sobretudo, aquilo que os outros vêem em nós.» (Fernando Namora: autobiografia sem biografia, in JL)

«Depois da Instrução Primária, o Colégio Camões em Coimbra. Em As Sete Partidas do Mundo conto como foi .(…) Depois, ainda, dois anos de liceu em Lisboa, um liceu também chamado Camões (1932/1933; 1933/1934). Com duas parentes solteironas, morava num casarão do Paço do Lumiar. (…) Escondia (delas) também o jornal do liceu, todo ele escrito e ilustrado por mim (exemplar único, como se poderá calcular), distribuído aos colegas num certo dia da semana, Jorge de Sena era um deles. Não quero lembrar-me desse tempo, salvo de outro grande amigo meu companheiro de turma, um altarrão de músculos sólidos, que se fez meu protector. Minha mãe apercebeu-se de que as coisas não corriam bem. Regressaria, pois a Coimbra, dessa vez para uma pensão de estudantes.»

(Fernando Gonçalves Namora - 15.04.1919-31.01.1989)

O que é que os outros – os de hoje – vêem em Fernando Namora? E os do passado, por que motivo o silenciam?

8.8.10

Para trás…



A ameaça de trovoada acompanhou-me no regresso temporário a casa. Nos próximos dias, vou tentar (des)arrumar alguns papéis. Há muito que sonho com uma queimada! O fogo que me alaga o corpo bem podia libertar-me do ‘lixo’ acumulado ao longo dos anos.

Face à brevidade da vida, não faz qualquer sentido este amontoar de “bens”, este sentimento de posse.

/MCG

7.8.10

Preia-mar em Burgau

Ir de Valverde a Burgau, em transporte público, é uma aventura. Os horários afixados nas paragens não servem de nada, embora possam ser considerados como sinais de esperança! Atravessar a vila da Luz revelou-se quase tão difícil como dobrar o Cabo das Tormentas. Na sequência de uma primeira avaria envolvendo um autocarro ONDA, deu-se um segundo acidente envolvendo outro autocarro ONDA; e eu, que viajava num terceiro autocarro ONDA fiquei retido num cotovelo de estrada que há muito deveria ter sido desfeito se houvesse algum planeamento no concelho de LAGOS, à espera que a polícia apeada surgisse para pôr um pouco de ordem no drama.
Estancado o trânsito, tiradas as medidas aos veículos envolvidos, o segundo ONDA pôs-se em marcha, deixando a condutora do outro veiculo sinistrado a contas com a autoridade, pois a vista da senhora há muito que deixara de ser capaz de traçar uma perpendicular… Quanto ao terceiro ONDA acabou por seguir viagem, ignorando os passageiros que estariam na paragem da Igreja a contas com o primeiro ONDA avariado… Enfim, lá cheguei a BURGAU, onde o mar é quem manda e a maioria dos restaurantes só abre às 18 horas. Vá lá saber-se porquê!
Como o meu almoço não interessa a ninguém, pois só me dá duplo prejuízo, refiro, no entanto que, no restaurante BARRACA, servem benzinho e são simpáticos. O pior foi o regresso, depois de uma hora na paragem, acabei por entrar num quarto ONDA que para me trazer a Valverde, me levou à Praia da Luz, me fez regressar a Burgau, e de novo à Praia da Luz, para, finalmente, me deixar no lugar de destino…
Um belo exemplo de economia planificada…

6.8.10

Acerto de contas…

(Para quem quer caminhar de Valverde até à Praia da Luz, onde é que fica o passeio? Não vale a pena afirmar que o turismo é uma riqueza para a economia nacional quando as acessibilidades são descuradas!)

Hoje, porém, abandono o meu lado negro para me referir a Teixeira de Pascoaes. Mário Cesariny publicou, em 1998, um pequeno livro, intitulado AFORISMOS, recolhidos em parte da obra de Teixeira de Pascoaes.

Da leitura que venho repetindo, gostaria de referir alguns tópicos que me parece merecerem aprofundamento: a) um certo desprezo pela ‘literatura’ – «a literatura (…) um produto industrial»; b) o elogio da raça dos poetas, em contraste com a condenação dos políticos – «cá em baixo, a acção criminosa dos políticos»; c) a superioridade dos valores populares –«Devemos substituir Os Lusíadas, esse Livro de Linhagens, pelos Autos populares de Gil Vicente»; d) o retrato de Camões, homem triste, sofredor e intérprete da morte – «Camões é um abismo de tristeza»; e) o fascínio pela transgressão – «A corrupção forma as novas ideias» / «O bom senso tem quatro patas» / «O pecado é mais fecundo do que a virtude»; a dúvida sobre a essência Deus – «A morte é a pessoa feminina de Deus».

Desta leitura, forçada pelo espírito rebelde de Mário Cesariny, fica-me a ideia de um Teixeira de Pascoaes crítico da Geração de 70 e defensor de uma nova ideia de educação. Uma ideia que acabou por morrer na sarça ardente da primeira república.

PS: A partir desta data, vou escrever mais sobre livros, pois, tendo decidido abandonar o ensino esporádico da Literatura, necessito de comigo acertar umas contas…

5.8.10

A pretexto…

O Algarve é pequeno e diverso. Cheguei a Valverde, parque da Orbitur, que, depois de eu ter entrado, me enviou um e-mail a dizer que, nesta época do ano, não fazem reservas. Simpáticos! O parque está cheio de franceses, de italianos e de espanhóis, isto sem falar nos ingleses que, na zona, são senhores.
Ao fim da tarde, viajei até à Praia da luz, tendo tido a oportunidade de descobrir que os condutores dos autocarros lidam melhor com as libras do que com os euros. Praia a esvaziar e um vento frio a fazer-se sentir. Inesperadamente, acabei a visitar as ruínas romanas que, oficialmente, encerram às 17 horas.
Afinal, os árabes e os romanos chegaram a este lugar muito antes dos portugueses e dos ingleses!

A vila de Alvor

Saio da vila de Alvor, do camping da Dourada, com uma frase na cabeça. De manhã cedo, uma agente da autoridade comentava com um almeida: «Quando chego à zona ribeirinha, e olho à direita e à esquerda (registo no relatório de ocorrências de ontem), vejo duas realidades bem contrastivas.» No essencial, esta agente relatou tudo o que eu penso sobre a vila de Alvor.

Entretanto, percebi que a agente faz acompanhar o seu relatório das devidas fotos para que o seu chefe possa, de forma documentada, interpelar quem de direito. E, também, senti uma certa ironia naquela afirmação devidamente corroborada pelo almeida que continuava a varrer o lixo que os ébrios turistas tinham abandonado na via pública…

Finalmente, continuo sem saber quem é que lê os relatórios diários dos milhares de agentes de autoridade e quais os efeitos na melhoria da qualidade de vida das populações…

(Nem só de literatura se faz o discurso!) 

4.8.10

O casulo…

Lá dentro, não mora ninguém! A cigarra, com a canícula, libertou-se para nos dar cabo dos ouvidos. Arreliado com o canto, apetece-me exclamar como o Teixeira de Pascoaes: o ruido estridente e monótono da cigarra é literatura. Com as devidas distâncias, pois Pascoaes, no momento em que redigiu o aforismo, pensava num cão: o ladrar é literatura.

3.8.10

Na praia de Alvor… com procurador

Hoje, desci à praia de Alvor. Um areal imenso prenhe de corpos. Lá arranjei um buraco para me esconder de mim mesmo, enquanto lia 4 ou 5 páginas do DN sobre a morte do antigo director, Mário Bettencourt Resendes. Claro está que quando um homem morre só tem qualidades (de facto, eu até gostava da serenidade do comentador!) Percebi que quando o Mário se zangava mudava o registo de língua para Os Açores, o que, a mim, me faz falta – talvez haja por aí um registo ribatejano falho de vogais que simplifica de tal modo a fala que nenhum interlocutor chega a saber o que queremos dizer, os ribatejanos.

Enquanto o calor me obrigava a pensar em atirar-me à água, ia percebendo que, mesmo ao lado, no jornal, morava o meu vizinho, da Portela, procurador da república, que se imagina rainha da Inglaterra. Nunca percebi esta falta de consideração pela (velha) rainha e, consequentemente, pelos seus súbditos que nos cultivam o Algarve! E já é tempo, de 100 anos depois de instaurada a república, deixar de estabelecer analogias com a monarquia, a não ser que o procurador queira ser um monarca…, o que, repentinamente, me faz pensar que o melhor é pôr-me a averiguar por que motivo veio D. João II falecer em Alvor.

De qualquer modo, não consigo compreender porque é que o procurador não bate com a porta, e põe cá fora tudo o que sabe. No meio de tudo isto, parece que a investigação só existe para afastar, de qualquer modo, as acusações feitas a alguém,  ou, pelo contrário, para incriminar, custe o que custar, quem lhe sai ao caminho…

( E o maldito calor sufoca-me e atrofia-me a mente!)   

/MCG

2.8.10

Lição de uma rola…



Nem todas as obras cumprem com a mesma eficácia o objectivo para que foram criadas.  Umas deviam tratar-nos do corpo; outras da alma. As primeiras, rasteiras, passam despercebidas; as segundas, altivas, elevam-se aos céus. Descrente das primeiras, quiseram-me purificar a alma. Resisti por palavras e omissões até ao dia em que fui convidado a repensar a minha vocação. Ainda, hoje, não sei onde é que perdi o apelo do céu (ou seria da terra?); continuo a cumprir algumas tarefas, umas mais nobres outras mais mesquinhas. Nem mesmo, em férias, me liberto de quem esperam que eu seja. Corro o risco de não conseguir ser eu próprio e, principalmente, de não perceber que o único objectivo deve ser, em vez do tronco firme e resistente, procurar o ramo instável e quebradiço…
/MCG     

1.8.10

Os meus hypomnemata…





Ontem, referi-me aos termos askesis e hypomnemata sem lhes explicar o sentido. Hoje, passada a neblina matinal, aproveito para elucidar que a askesis é um velho termo para designar o adestramento de si por si mesmo. Em regra, este procedimento, na convicção de Epicteto, exige que nos submetamos a três tarefas diárias: meditação, escrita e exercício físico.

Quanto aos hypomnemata, estes são uma memória material das coisas, lidas, ouvidas ou pensadas, e podem servir a via da ascese. Sem qualquer tipo de pretensão, quero crer que estes meus “posts” são, afinal, os hypomnemata dos antigos, se eu persistir na askesis de mim mesmo.

Tudo isto pode parecer inútil se a desorientação se tiver apoderado de nós. Todavia, se fixarmos o olhar, o cavalo sabe qual é o caminho…

31.7.10

Com sol, omnes cogitationes…

Com sol tudo é diferente, bem sei que há quem prefira a noite, com ou sem luz artifical. No meu caso, a simples ideia de caminhar no convés de pedra só se coloca sob a intensa luz natural. E o rendilhado da pedra sob os meus pés desperta-me para os tempos em que o oceano assolou as montanhas e a força das ondas as vergou. Há quem pense que eu estou de férias, mas não.
Aqui vejo e ouço o modo como o diverso se submete à lei do mais forte. Aqui, descubro que nem sempre é o pobre quem passa mais fome. Aqui, descubro palavras que verdadeiramente me interessam: “askesis”; “hypomnemata”… Aqui, procuro  ir além do «in memoriam non ingenium»…

30.7.10

Sem sol…

Cheguei sem sol e, assim, continua. A praia fica a 500 metros do parque de campismo. O caminho é bom, apesar de obrigar a algum esforço no regresso (isto para quem anda a pé!) A areia branca e fina abriga-se entre falésias de ardósia. Tudo parece acolhedor, mas, hoje, falta o SOL.

25.7.10

Reapreciar…

Desde sexta-feira que reaprecio provas de exame. A tarefa é melindrosa. Sobretudo, porque, a certa altura, deixam de estar em causa as respostas, passando para primeiro plano a qualidade das perguntas e dos critérios de classificação.

E nem vale a pena falar das alegações, sempre cheias de razão…, ignorando, por inteiro, a diferença entre o texto argumentado e o texto digressivo, desconhecendo o que é um argumento e apostando em exemplos descabidos.

Mas esta ignorância não é apenas dos examinandos, ela está inscrita nas instruções das provas de exame, desrespeitando a tipologia textual consagrada nas orientações programáticas do actual Programa de Português.  

24.7.10

Os reizinhos…

Os reizinhos não necessitam de ser eleitos nem herdam o trono. Cercam o poder, sabotam os pilares das instituições e progressivamente impõem os seus interesses. Ao contrário do monarca, educado para servir a colectividade, para exercer o poder em nome dos súbditos, o reizinho está-se nas tintas para o outro; ele é o soberano que abdicou dos vassalos…

Os reizinhos têm, todavia, um enorme defeito. São incapazes de criar o que quer que seja e/ou admirar a obra alheia. E encaixam numa enorme moldura, à espera de serem adulados…


22.7.10

Homo homini rex

Diz Michel Foucault, n’A vida dos homens infames, que cada um, se souber jogar o jogo, pode tornar-se face ao outro um monarca terrível e sem lei.

Todos os dias, nas mais diversas circunstâncias, dou conta desse jogo que, em nome do igualitarismo e da justiça,  dá cabo do empenho e, muitas vezes, do desempenho do outro…

O que fazer?  Desistir ou enfrentar os reizinhos? 

19.7.10

A pedir pasto e cajado…

Ao contrário do que muitos defendem, ninguém faz o que eu faço. Se a ideia de que nada nos diferencia fosse válida, não passaríamos de um rebanho a pedir pasto e cajado.

Eu faço mal, bem, assim-assim. O outro também faz mal, bem, assim-assim. Mas faz diferente. Se tudo fosse igual, não haveria nem EU nem OUTRO, e muito menos TU. Apenas, o solilóquio dos pastores…

Aquilo que nos diferencia vem de longe ou de perto, conforme a idade, a experiência (a aprendizagem formal /informal), o estado de saúde física e mental. Omitir a maturação individual, subordiná-la à vontade do grupo é crime, porque mata o diálogo sobre o modo como resolver os problemas…

Quantas horas perdidas a fazer perguntas já gastas! Quantas frases repetidas sem nada dizer!

Hoje, compreendo bem melhor aquele avô que só soltava a voz após longo silêncio. O silêncio era a sua forma de comunicar. E incomodava porque me fazia pensar. E eu respeitava-o.

18.7.10

O que vemos…

Nem sempre o que vemos dá conta do que percepcionamos. As cores distendem-se até tudo ficar azul. No entanto, a visão sente-se perturbada por um vento agreste que tudo desgrenha como se o Inverno estivesse de regresso.

De qualquer modo, não é esta confusão dos sentidos que mais inquieta. É, principalmente, o despropósito dos comportamentos, a irracionalidade das atitudes…

Claro está que poderia ter descido ao areal…

16.7.10

O Espírito Santo…

O Espírito Santo bem podia baixar sobre algumas cabeças que ainda não perceberam que o combate à flatulência não obriga a uma dieta extrema… (Cuidado que há muita flatulência que não é apenas ventosidade!)

Ser menos infeliz à custa do sofrimento alheio pode trazer um prazer imediato, mas torna-nos mal-humorados e, sobretudo, depressivos.

Nenhum “paraíso artificial” devolve a serenidade que nos devia governar… Bem sei que não há nada pior que o orgulho e, embora não entenda completamente a semântica do termo, creio que uma das suas faces é a necessidade predadora de assegurar um lugarzinho na pequena história dos homens.

E infelizmente quanto maior é o orgulho, menor é a vontade de contribuir para o bem comum. Pouco importa que o vizinho se mate a trabalhar para compensar a nossa preguiça! Pouco importa que o futuro da comunidade, por nós amordaçado, seja hipotecado…

Nota: orgulho, conceito exagerado que alguém faz de si próprio (do germ. urgoli.)

13.7.10

Estamos em Julho…

Estamos em Julho e aborreço-me porque deixei de ouvir os melros. Sobretudo um que, de madrugada, cantava desalmadamente como se alguém lhe ameaçasse o território. Creio que nunca o vi, ao contrário de muitos outros que sempre se mostraram indiferentes à minha passagem… Espero que ele regresse em Março pois, creio, que já passou a fase juvenil.

Ouvir é cada vez mais a minha profissão, já nada me apetece dizer… que interessa quem fala? A todo o momento, oiço falsas perguntas de quem não quer saber a resposta.

Talvez se dizer fosse uma actividade sazonal, eu me sentisse menos aborrecido. Se fossemos melros, poderíamos  viver em silêncio, de Julho a Janeiro… Bem sei que teríamos saudades da voz.  Mas evitávamos os charlatães que nos cercam…

11.7.10

Planos distintos…


«O lobby da educação tem tido mais poder do que todos os sindicatos dos professores do país.» Nuno Crato, Notícias Magazine, 11Jul 2010

Urge eliminar o lobby da educação, começando por fechar as escolas de formação de professores e os múltiplos departamentos do M.E. que vivem de costas voltadas para o que se passa nas escolas.

Em termos de planeamento, as medidas que estão a ser tomadas levam à desertificação do território e à secagem da inteligência. Em termos de gestão, os directores não têm qualquer autonomia (mais não podem fazer do que aplicar as ordens do referido lobby). Em termos de avaliação dos alunos, os resultados dos exames são miseráveis, sobretudo porque mostram que estamos a formar indivíduos incapazes de pensar e de expor uma ideia que tenha alguma substância. Os mais instruídos estão cada vez mais iguais aos mais ignorantes.

Deste modo, assistimos a um nivelamento por baixo que acabará por nos convencer que somos definitivamente um país falhado.

8.7.10

Passemos antes por Paris…

Com as Juntas Médicas da Caixa Geral de Aposentações nem todos os caminhos vão dar a Roma! Já todos ouvimos falar da estreiteza  dos atalhos. O que eu não sabia é que podemos chegar a Roma desde que, antes, passemos por Paris.

Se eu estiver incapacitado para o trabalho, não devo tomar a iniciativa de solicitar uma Junta Médica. Essa decisão prova que, afinal, não estou tal mal como isso. Então, que fazer?

Decididamente, não me apresento ao serviço. Arranjo um atestado médico, de preferência, passado por um psiquiatra que domine as novas tecnologias de informação, não vá algum grafólogo pôr em causa a saúde mental do atestador. Deixo-me ficar por casa (ou por onde me apetecer!) 60 dias. Terminada a “quarentena”, o chefe de serviço lembra-se que a Lei o obriga a enviar-me a uma Junta Médica do Ministério a que o (dis)funcionário pertence…

Combalido, chego à primeira Junta Médica do meu Ministério, a qual, incapaz de contrariar a declaração do ilustre psiquiatra, me devolve a casa, justificadas as faltas, sabendo, desde logo, que o ritual deverá durar, no mínimo, dezoito meses… para que a Junta Médica do meu Ministério, perdida a esperança de que eu entre em remissão (isto é, que o meu psiquiatra me dê alta), me despache, finalmente, para a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações…

De regresso ao lugar (no caso, uma cave!) onde, um dia, me perguntaram quem é me lá mandou, eu, serenamente, responderei: a Junta Médica do meu Ministério!

Está claro que não devo ir sozinho. O (meu) caminho há muito que é percorrido por um médico de medicina interna e /ou por um reputado psiquiatra… Se bem percebi, eles passaram a ser o meu corpo e a minha voz! Eles falarão por mim…

Se nem assim conseguir chegar a Roma, há que ter paciência: voltar para casa; arranjar novo atestado médico de outro ainda mais reputado psiquiatra; faltar mais 60 dias ao serviço… até que a Junta Médica do meu Ministério…

Mas, nunca, por nunca, tomar qualquer iniciativa…    

6.7.10

A personagem…

«Quando encontro um leitor que é capaz de falar de uma personagem apetece-me abraçá-lo como um amigo.» Lídia Jorge, entrevista ao DN de 4 de Julho de 2010

Ora aqui está uma boa ideia: incentivar o leitor a escolher uma personagem e a falar dela. Para os burocratas que inventaram o contrato de leitura, ler já é, em si, um acto de progresso, mesmo que o leitor valorize apenas a acção e o insólito das situações; mesmo que falar da obra não passe de um acto gratuito e, frequentemente, deseducativo.

De facto, nos tempos que correm quem é que se interessa pela personagem? A crise da personagem radica no falhanço da pessoa, nas falhas de carácter.

E se, por instantes, cedemos ao fascínio da personagem, não resistimos, contudo, a investigar os defeitos do homem que supostamente a gera…

5.7.10

Na sombra…

A viagem, iniciada na última 6ª feira, terminou hoje às 20h30. Os olhos percorreram linhas atrás de linhas à espera de encontrar uma ideia fundamentada, uma resposta rigorosa, uma centelha de originalidade… Em vão. Chavões atrás de chavões… Apenas uma ideia sombria! Descoberta a Índia, ao entrarem no Tejo, os nautas apátridas fundaram a nação lusa. 

A ignorância da História mata qualquer hipótese de contextualização, sabota a interpretação. E esta falha é cada vez mais frequente. Basta ler os jornais:

«D. João II era grande apreciador de sardinhas, que considerava baratas e saborosas, de acordo com os relatos de Fernão Lopes.», Notícias magazine, de 4 JUL 2010.

Na sombra deste discurso vive uma singularidade que vem brincando impunemente com coisas sérias (e não é única!). E brinca porque a Academia não cumpre a sua missão. Pelo contrário, recompensa a ignorância, o disparate e, sobretudo, o laxismo.

3.7.10

Absurda viagem…

Viajei todo o santo dia, sem sair do lugar. Resta saber se aprendi alguma coisa. Do outro / outra é melhor não falar, e de mim, vejo-me refém de uma absurda engrenagem… E o prazo a cumprir obriga-me a interromper o discurso…

1.7.10

Em nome da verdade…

«A biografia não é um meio de unir a vida e a obra, mas um discurso sobre a vida / a morte que ocupa um certo espaço entre o logos e o drama.» Jacques Derrida, Otobiographies…, 1984 

A biografia ao querer transformar o Singular em Discurso atira-nos, de imediato, para o território da ficção, apesar de nos apresentar como sujeito absoluto o que é apenas um sujeito possível. A coerência da vida e a coesão do discurso não passam de mecanismos de autenticação do sujeito / autor.

Na Idade Média, o discurso biográfico era naturalmente hagiográfico ou, em alternativa, satânico. O homem pouco importava… a sua singularidade morria com ele, salvo se pelo Discurso (seu ou/e alheio) se conseguisse apresentar como sujeito absoluto – lugar de fingimento ou mesmo de mentira…

Em nome da verdade, vamos construindo um discurso de mentira…

29.6.10

Quando os amigos…

Quando os amigos partem, todos ficamos mais pobres. Da vida vivida, sobram, por enquanto, os caminhos que percorremos a par, cientes de que a Natureza, que aprendemos a amar, nos pode trair… Que Ela te acolha e te abrigue nesta última caminhada, amigo Alberto… 

27.6.10

Os brincos de ouro…

Vi, ontem, com alguma surpresa, a ariana Marlene Dietrich transformada numa cigana (Lydia), no filme Golden Earrings, de Mitchell Leisen, estreado em 1947. Para o efeito, Marlene concebeu a sua própria maquilhagem e aprendeu a tocar correctamente cítara. E como mandava o figurino segregacionista, Marlene representa uma malcheirosa e suja cigana que, quase, viola o Coronel Ralph Denistoun (Ray Milland) que, perseguido pelos nazis, é transformado em cigano. A cena da sua metamorfose é brilhante, sobretudo quando ela, a cigana,  lhe desflora a primeira orelha para prender os brincos de ouro (elemento de disfarce e, ao mesmo tempo, estruturador da narrativa).

À época, em Hollywood, os casais inter-raciais eram proibidos (Código Hays). No entanto, como, no filme, Lydia e Ralph não passam de amantes, em que um deles é temporariamente transformado em cigano, a transgressão é tolerada…

(… o que me leva mais uma vez a destacar a importância do contexto histórico e do contexto de enunciação…; sem eles, a interpretação torna-se arriscada e incongruente.) 

26.6.10

Da interpretação…

«Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas.»José Saramago, As Intermitências da Morte

A interpretação de um texto (das linguagens) pressupõe um razoável conhecimento do contexto de enunciação e uma enorme atenção ao significado da palavra. Para que a ideia não seja atraiçoada, há que percorrer o enunciado, observando-lhe a sintaxe e, sobretudo, procurar com rigor o significado da palavra. Nenhum autor ama a ambiguidade, a não ser que esta lhe permita dar conta dos equívocos em que facilmente caímos.

A fatuidade, a impaciência e a avidez desvalorizam a atitude heurística, relativizando qualquer esforço interpretativo. Na escola portuguesa, a insolência verbal (e não só…) há anos que vem ganhando terreno, à sombra da “indisciplina”, mas, de facto, o que acontece é bem diferente: a instrução / a codificação da aprendizagem matou a educação ( o lugar onde o domínio e a consequente valoração dos códigos de linguagem é essencial).

Se nos últimos dias as incongruências linguísticas me perturbaram pelo desrespeito que evidenciavam pelo texto camoniano, ontem, na Esc. Sec. de Camões, fiquei um pouco mais tranquilo: A Academia do Bacalhau de Lisboa premiou os quatro melhores alunos do 11º e do 12º anos, na disciplina de Português, todos com classificações entre os 19 e os 20 valores.

Para quem queira descobrir esta singular academia: www.academiadobacalhaudelisboa.com e / ou O GAVIÃO DE PENACHO

24.6.10

Impropriedades…

«Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas.» José Saramago, As Intermitências da Morte 

Há quem:

- tencione visitar “o estrangeiro”…

- diga que o rei ordenou que se construísse o convento para agradecer o “bastardo” que a rainha lhe colocava nas régias mãos…

- prefira a “purificidade” à pureza da língua ou “grandificar” a coragem do povo lusitano…

- “mergulhe” no Memorial do Convento com enorme subtileza, confundindo o Padre Bartolomeu de Gusmão com o (Padre) Bartolomeu Dias, a esta hora, a contas com os “navegadores” que lhe invadiram o terreiro… 

- goste do verbo “focar-se”…

- pense que D. Sebastião recebeu Vasco da Gama no regresso da Índia…

- refira que, no Canto X de Os Lusíadas, quem voltou à Pátria foi o Rei…; imagine que os navegadores estão de partida e o fazem por obediência a um rei, possessivo…; ou imagine que os nautas pedem ao rei que nunca mais os envie para o mar porque estão de pouca saúde…

22.6.10

Em tempo de equívocos…

Os teólogos católicos defendem que José Saramago nunca soube ler a Bíblia. Acusam-no de nunca ter ido além da leitura literal. Saramago, afinal, nunca percebera  o que havia de literário no texto bíblico. A argúcia teologal não passa disso mesmo, basta lembrar que a Inquisição sempre condenou, baseando-se na leitura literal. Ora Saramago pertence a uma geração que aprendeu no seio do Partido que o inimigo do povo português era, em primeiro lugar, o Tribunal do Santo Ofício, o braço dilecto da Contra-Reforma que nos dominava desde o século XVI, mesmo que esse Partido servisse um dogma de sinal contrário. (O terreno é fratricida!)

Bem sabemos que a Literatura é inimiga do dogma, que ela exige uma leitura plural… e que sempre que se torna “oficiosa”, as obras que a constituem são devoradas por cronos.

Em princípio, todos deveríamos ter uma noção do que é a Literatura. No entanto, encontramos, por exemplo,  nas provas de exame de Português e de Literatura Portuguesa, indícios de que isso se está a perder. Se relermos os questionários, percebemos que as perguntas não pressupõem rigor interpretativo dos textos seleccionados ( de Camões, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes. E por isso aos alunos não é pedido que interpretem globalmente os textos. Quem percebeu que o POETA INTERPELA O REI? QUE A MUDANÇA DE MENTALIDADE EXIGE QUE O REI ALTERE O ALVO DO SEU OLHAR?

E porquê?

Porque de há uns anos a esta parte, a vontade de filtrar e controlar a leitura adoptou as vestes teologais que nunca deixaram de estar presentes nos «iluminados» que nos governam e nos conselheiros que os adulam. Todos eles  lêem pouco … e seguem a velha cartilha do miserável ‘controleiro’…

20.6.10

Os corvos

«Porque a filosofia precisa tanto da morte como as religiões, se filosofamos é por saber que morreremos, monsieur montaigne já tinha dito que filosofar é aprender a morrer.» José Saramago, As Intermitências da Morte

Passei o dia longe de Lisboa, entre troncos e raízes, à beira-rio. Nas margens, os eucaliptos esventram o solo à procura da água que os faz crescer escandalosamente. Por perto, os jarros resplandecem, indiferentes à opulência do plantio vizinho. Do outro lado do rio, estendem-se vastos e viçosos campos de arroz, de milho, de batata e de tomate… Dos pinhais sopram as melodias dos melros e dos verdelhões; no rio grasna o pato; o crocitar dos corvos obriga-me a procurar-lhe o rasto…
E o negro rasto, que parece ser de dor, é fome de presa. Pouco importa o que aprendemos. No fim, de nada nos serve a argúcia… Só os corvos, inquietos, sobrevoam à espera que o público se retire.
/MCG

19.6.10

Formigas…


Formigas, caminhamos sem imaginar que podemos ser calcadas. O risco espreita-nos a cada instante, mas esse é o nosso destino. Tudo o resto é soberba e vaidade!

18.6.10

Gavetos e não só…

Haverá uma arquitectura de gaveto? E porquê “ de gaveto” e não “ de canto” ou “ de esquina”? Ou simplesmente perante a necessidade de ocupar as esquinas, o arquitecto procura encontrar a solução que  melhor se acomode a cada caso. Seja como for, a simples existência de uma esquina condiciona a solução, o que, no fundo, significa que devemos evitar que nos acantonem, a não ser que desejemos que o Arquitecto determine o nosso destino…
Entretanto, desconheço a origem etimológica de “gaveto”. Na sombra, há quem pense que este termo está relacionado com “gaveta”, que, de origem latina (gavata, gabata) terá chegado a este canto da Europa através dos cruzados provençais que, ao passarem, meteram os indígenas na gaveta e lhes ocuparam o lugar. O que me leva a pensar que quer se trate de arrumar na “gaveta” ou no “gaveto”, o gesto pressupõe sempre uma certa violência, uma certa dor ou, em alternativa, alguma dose de predação.
Em síntese, não sei se algum arquitecto de esquina já pensou nesta questão nem se vale a pena examiná-la. No que me diz respeito, os gavetos sempre me despertaram um complexo de inferioridade… e se continuo, ainda acabo por encontrar o trauma que me leva a pensar estas tolices…

16.6.10

Artistas, quase, anónimos…







Quando passamos, o que é que vemos? Passemos e suspendamos o passo… Artistas, quase, anónimos criaram o espaço que atravessamos. Na obra respira a vida, e nós passamos, sem alma…, ávidos de um porto nocturno, sem, de verdade, percorrermos o caminho…

14.6.10

Sonha-me (Ramos Rosa)

Sonha-me
no ouvido do espaço
mesmo se o que separa
me apaga

Se o deserto me queima as mãos
se estou caindo
se nunca fui real
se sou ainda o movimento da sede
talvez possas pesar
esta boca de sombra

Como se pode querer tanto
e como custa
não ter boca
para levantar a casa

Se fosse um ombro ou um aroma
a mão lisa da água
a dália de uma sombra
Ah se fosse um fruto de água
Boca será boca
Esta desamparada pétala?

António Ramos Rosa, JL 13.11.1990

Sempre que proponho a leitura de um poema, mesmo que liberta de instruções”, sinto uma rejeição tácita ou mesmo ostensiva.

No caso do poema de Ramos Rosa, não posso deixar de reflectir sobre alguns tópicos por demais evidentes:
+ a interlocução (sonha-me / talvez possas pesar / como se pode querer tanto / a interrogação final.
+ a atitude reflexiva e interrogativa do sujeito lírico.
+ a composição: declarativa; hipotética; interrogativa.
* as palavras-chave: boca /EU (desadaptado; irreal; em queda; revoltado; em demanda); casa; o outro ( ombro, aroma, mão, dália, fruto de água).
+ a transfiguração da língua por quem não pode ter boca: a respiração / a elipse / a metáfora / a metonímia / a anáfora / a interjeição / a questão de retórica / a rima solta…

12.6.10

Ponto de vista e opinião…

São os múltiplos pontos ópticos, isto é, os lugares de onde percepciono, que me configuram a consciência. Sem eles, o  meu mundo seria todo igual… Todavia, quando me ponho em marcha, as rimas tornam-se inesperadas, obrigando-me a contrastar os focos.. E daí nasce a consciência ou a má-consciência.

Por exemplo, na GEBALIS, as caixas de correio encontram-se esventradas; no contíguo bairro de lata vemos, junto à via pública, uma caixa devidamente identificada e em bom estado. Na mesma localidade, a limpeza e o lixo medem forças…; as plantas ornamentais rivalizam com as hortas; a simetria  contrasta com o desalinho…

Em consciência, estes diversos pontos ópticos dão-me que pensar, mas não chegam para formar uma opinião.

11.6.10

O Petrarquismo na lírica camoniana

Uma resposta para quem procura compreender o petrarquismo na lírica camoniana.

O petrarquismo
Uma maneira específica de encarar a relação entre a poesia e o sentimento amoroso que reivindica a correspondência entre a vivência amorosa e a poesia. Apresenta a novidade de se referir à caracterização do objecto da paixão, acentuando o facto de se tratar de um ser de carne e osso, desejável enquanto corpo, e, apenas, amado de forma exclusivamente espiritual, depois de morto.
O petrarquismo afasta-se progressivamente da angelização e da divinização da amada (do dolce stil nuovo).
Em Petrarca, misturam-se elementos contrários: aspiração à possibilidade de contemplar, em estado de pureza, a amada; e o desejo de posse física. Esta contradição provoca angústia e o despertar de uma consciência pecaminosa.
Petrarca encontra-se assim dividido entre impulsos opostos e por isso recorre a imagens e figuras de estilo capazes de descrever os efeitos da paixão em termos antitéticos e paradoxais.
Recorre a figuras de estilo como a metáfora, a antítese, o paradoxo, a hipérbole. Utiliza recorrentemente certos subgéneros poéticos como o soneto, a canção…
Em Camões, há um tempo em que imaginar não é bastante; falta-lhe a forma humana. Uma forma que chega a conduzi-lo ao desvario. Tudo «porque vos vi, minha Senhora.» Trata-se do tempo do desejo… o resto é imitação e memória. Imitação, onde cabe todo o passado das formas artísticas, que serve para apurar a pena. E memória que, apesar da morte do desejo, não deixa de ser mais simpática que «a apagada e vil tristeza» em que o poeta fenece, sob a agonia da pátria.

10.6.10

A negro…

Não consigo entender como é que um país falido pode continuar a celebrar e a delapidar recursos com festas (religiosas ou seculares) que nada representam para a maioria dos portugueses. Afinal, qual é o significado da celebração do Corpo de Deus num tempo de sacralização / bestialização do corpo humano? Afinal, de que nos servem  os “santos populares”, para além de ostentarmos a brejeirice e a (in)satisfação da gula?
Afinal, o que   é que celebramos no dia 10 de Junho? A revolta dos socialistas (utópicos e científicos), dos republicanos (pequeno-burgueses) e dos anarquistas (mais ou menos suicidas)  contra a Monarquia decadente  que arruinara o país? Ou continuamos a idealizar uma República desavinda e informe? Ou, então, saudosistas da raça e do império, insistimos em humilhar o Épico? Ou, de regresso ao torrão pátrio, insistimos em festejar a diáspora?
Em 2010, um Presidente à altura das circunstâncias (11% de desempregados; milhares de portugueses à beira do desemprego; milhares de reformados na miséria; milhares de jovens à procura de um primeiro emprego sem qualquer expectativa…) teria cancelado as comemorações.
PS: A negro, porque não encontro outra cor que possa exprimir a cegueira que nos consome. Apesar da luminosidade que parece envolver-nos, não vislumbro qualquer Luz que nos possa redimir do pus que nos consome…